quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Férias em Cuba!

Eu e a campana de saudação aos amigos: Viva Ernie!

A sala de visitas: decoração discreta e os trofeus

A piscina de Ava Gardner: crise de ciumes de Martha

O Pilar: personagem central da Ilha do Adeus

Cojimar: o cenário de O Velho e o Mar

Buena Vista Social Club: salsa de raiz



O mar ainda insiste em quebrar no velho Molecon, em Havana. E quebra com a mesma força de antes. Faz espuma por sobre a calçada.

Havana parece a mesma de sempre. Não fosse o movimento do mar e a sensação é de que por aqui o relógio parou. Da outra vez que estive aqui, em 2006, a cidade parecia deserta, não fossem alguns rapazes que jogavam beisebol nas ruas. Agora há de tudo, hordas de brasileiros, de japoneses, italianos, espanhóis, turcos, romenos e até estadunidenses. Um deles, claramente alimentado por corn flakes, escapou de levar umas bolachas da minha filha Bianca no elevador. Teve a petulância de dizer: “Parece que a árvore está renascendo!”

Os sinais do bloqueio econômico em Cuba são tremendos. É uma maldade! Mas, os cubanos seguem firmes, sem abaixar a cabeça, orgulhosos do modelo que construíram. Ernest Hemingway tinha razões para ter se apaixonado pela ilha. Elas são visíveis. Estão no ar. No sorriso de marfim da gente daqui. Na incrível gentileza com que recebem e no orgulho contagiante que transmitem. É como se todos nós latino-americanos sofrêssemos com a arrogância dos irmãos do Norte que insistem neste bloqueio maldito.

O primeiro dia em Cuba foi consagrado a Hemingway. Visitamos a Finca de la Vigia, uma fazenda extraordinária que ele comprou por US$ 18 mil, em 1939, para viver com sua amada Martha, a terceira esposa, e nada menos do que 57 gatos.

Foi em Havana, mais precisamente na Vila de Cojimar, muito próxima a sua finca, que Ernie se inspirou para escrever “O Velho e o Mar”, que lhe valeu o prêmio Nobel de Literatura. O lugar ainda existe. Está bem transformado, mas ainda é possível ver os barcos dos pescadores que saem na maré, pelo rio e ganham o Atlântico impenetrável.

Também é possível partilhar de um de seus lugares preferidos, o Terrazas, onde ele costumava preparar os peixes que pescava.

Foi na Finca que ele escreveu, entre outras coisas, dois de seus romances mais famosos: Por quem os Sinos Dobram e a Ilha do Adeus. Ainda está lá, ancorado na antiga quadra de tênis, o iate Pilar, personagem central de A Ilha. A célebre piscina onde Ava Gardner teria nadado nua está vazia. Mas, dá quase para ouvir os gritos da crise de ciúmes de Martha.

Ernie tinha um bar em cada cômodo da casa. E, em suas paredes, expos todos os troféus de caça que amealhou. Um de seus esportes preferidos. O outro eram as toradas. E há sinais delas em toda a parte. Aqui ele recebeu seus amigos de Hollywood: Errol Flynn, Spencer Tracy e Katherine Hepburn, John Huston, entre outros.

Toquei com força o sino no qual ele anunciava a chegada de seus convidados.
Depois o Hotel Ambos os Mundos, em Havana la Vieja, onde ele costumava se hospedar antes de comprar a Finca. O Floridita, onde tornou imortal o Daiquiri, e o Bodega del Medio, onde consagrou o Mojito. O dia terminou com um grande concerto do Buena Vista Social Club, no Café Taberna Amigos del Beny, um café com Añejo.

O dia consagrado a revolução gloriosa

Hoje o dia começou com um passeio por Miramar a bordo de possantes Coco Taxis, na verdade pequenas lambretas adaptadas para levar até três passageiros. Rejane e Bianca se encantaram com a obra de um artista cubano chamado Fuster, que imagina construir a maior obra do mundo em ladrilhos.

Depois uma sessão de fotos na Praça da Revolução e uma caminhada pela cidade. É impressionante como largas áreas da cidade estão urbanisticamente condenadas. É uma pena! Caminhando pela avenida Bolivar, com todos aqueles edifícios antigos abandonados, tive a impressão que estava vendo o fim do mundo em Madri. Era como se caminhasse pela Gran Via depois do holocausto nuclear.

A Nina não teve o menor interesse pelo Museu da Revolução. Para ela Camilo Cienfuegos, Fidel e Raul Castro, Ernesto Guevara e todos os heróis que se perfilam desde a quartelada de La Moncada não representam absolutamente nada. Fiquei esperando pela indefectível pergunta: “Pai, mas porque eles fizeram esta bruta confusão?”

Nem isso veio.

Nina, Rejane e Bianca se divertiram muito andando pela Peatonal del Obispo.
Me dei conta que era de noite em plena Plaza Vieja. Alguma coisa me lembrou  o Pátio de São Pedro, em Recife. Apesar do sorriso e da alegria dos cubanos, das luzes que estão apagadas por conta da economia de energia, milhares de turistas andavam como formigas pelas ruas estreitas de Havana, La Vieja. O som da salsa ritmava a fim do dia.

Viva Cuba! Vila a Revolução Socialista Cubana! Ainda estamos aqui.

Ernesto Guevara e Camilo Cienfuegos: herois da revolução

Todas as fotos são de autoria da Nina

domingo, 25 de dezembro de 2011

Feliz Natal para Todos!

O Reencontro: amigos dos tempos de universidade se reencontram e conferem suas vidas




Enfim, chegou o verão e com ele o Natal, o Novo Ano, as férias, as indefectíveis retrospectivas. Este ano Veja não reeditou aquela capa memorável em que mostrava o Cristo na cruz com a chamada: “Quem foi este homem!”

Este 2011 que termina foi um ano tenso e intenso. Começou marcado por sobressaltos: a posse da presidenta Dilma, a crise na Europa, a desilusão com Obama. Perdi dois amigos queridos: o Pepe Meirelles e o João Bittar, que foram para a grande redação do céu.

Perdi ainda a companhia do amigo Chico Daniel e a referência competente do Rodolfo Fernandes. Senti que o mundo ficou mais intolerante e mais linear. Talvez seja a premência da crise econômica, que ninguém acredita, ficará restrita apenas ao hemisfério Norte. Foi o ano da grande tragédia dos tsunamis no Japão.

Naquela tarde triste do velório do João, no cemitério do Araçá, reencontrei amigos que não via há muitos anos. Ao que o Hélio Campos Mello, sempre perspicaz, se apressou a dar o diapasão: “Estaria tudo bem se nos reencontrássemos, não fosse o fato de estarmos aqui velando o João”.

Me veio à mente um filme extraordinária do diretor americano Lawrence Kasdan, O Reencontro, de 1983. Infelizmente não tenho uma cópia dele. Trata-se da história de um grupo de amigos de escola que se reencontra, depois de uma década, para o velório e o enterro de um deles. É a melhor interpretação de Kevin Costner. Ele faz o defunto e sua aparição se limita apenas ao punho de sua camisa.

Kasdan escreve muito. É um daqueles cineastas que chegou as lentes depois de se exercitar muito tempo “nas pretinhas”. E ele vai fundo neste roteiro. Distribui entre os personagens todas as aspirações de uma geração, as frustrações, a solidão, enfim, o fracasso de uma geração que queria mudar o mundo, mas mudou apenas a crosta. Gostaria de revê-lo.

Como diz o meu irmão André: Feliz Natal para Todos! 

Sinal dos tempos, com certeza!

Sir Thomas Beecham: um dos maiores regentes do século XX, gravações perfeitas



Vou começar este post agradecendo ao e-mail super carinhoso que me mandou o professor Bisaglia, da Ordem dos Músicos do Brasil, comentando este blog.

Obrigado professor, o senhor foi muito generoso. E eu gostaria de acrescentar que concordo com o que o senhor disse a respeito das coleções, tipo obras completas com um único interprete. Sempre achei uma bobagem descomunal. Afinal, ninguém pode ler de maneira uniforme uma obra inteira. Sempre haverá as melhores e as piores.

Apenas para registro, gostaria de colocar aqui as minhas preferências com relação ao ciclo das nove sinfonias de Ludwig van Beethoven:

·         Sinfonia 1, com Wilhelm Furtwangler;
·         Sinfonia 2, com Bruno Walter
·         Sinfonia 3, com Felix Weingartner
·         Sinfonia 4, com Willem Mengelbert
·         Sinfonia 5, com George Schell
·         Sinfonia 6, com Bruno Walter
·         Sinfonia 7, com Arturo Toscanini
·         Sinfonia 8, com Georg Solti
·         Sinfonia 9, com Wilhelm Furtwangler ( a notável versão de 54 em Bayreuth)

   Esta questão da preferência de regentes ou de gravações tem muito a ver com o avanço da tecnologia de reprodução. E isso exige, sem dúvida, uma capacidade muito grande em ouvir música e apreciá-la, mesmo em registros sofríveis. Assim, por exemplo, fica difícil não qualificar como excelente a versão da quarta sinfonia de Brahms pela ótica de Victor de Sabata. Regentes britânicos como Thomas Beecham ou John Barbirolli, apesar de contarem com grande aparato tecnológico, estão entre os meus prediletos sobretudo pela capacidade de interpretar contemporaneamente os desejos do autor.

Beecham certamente tem a melhor versão do colossal oratório O Messias, de Haendel, ou a Sinfonia Fantástica, de Berlioz. Barbirolli tem uma leitura preciosa da Nona Sinfonia de Mahler e uma meticulosa interpretação da Suite Peer Gynt, de Edward Grieg.

Tenho dito e ensinado, professor Bisaglia, que a melhor gravação não supera, contudo, o esplendor de uma apresentação ao vivo. E, nesse sentido, tenho provocado alguma polêmica com a afirmação de que os músicos brasileiros, mais precisamente os conjuntos orquestrais brasileiros se apresentam pouco, tem temporadas confusas, marcadas pelo improviso. Mas, acho que é sinal dos tempos.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Adeus João, amigo, parceiro, irmão



João Bittar Neto: sua amizade vai nos fazer muita falta



Ei João, meu amigo, meu irmão! De repente me dei conta que partilhamos a mesma paixão, pelo mesmo tango, “Sus ojos se cerraran y el mundo sigue andando”. E que, por acaso, Le Pera e Carlitos trabalharam nesta canção a morte como tema.

Dei-me conta João, que nestes mais de 40 anos, fomos parceiros inseparáveis. E partilhamos desde as broncas do padre Aristides, que forjaram a mim, a você e a seu irmão José, como se fossemos um metal bruto em busca de um ourives que nos formatasse.

Partilhamos João aquela aventura louca da IstoÉ, no quartinho apertado da rua Padre Joao Manuel. Cobrimos juntos as greves daqueles tresloucados de São Bernardo e juntos vimos nascer o PT e a CUT. Foi em você que eu vomitei naquele avião de garimpeiros, enquanto volteávamos numa fazenda na divisa do Mato Grosso com o Pará. E foi você que tratou de mim quando eu me envenenei com um tambaqui, ou sabe deus o que, e quase cheguei morto a São Paulo, com uma caganeira descomunal e uma febre de 40 graus, depois de mais de dez horas de vôo em um Bandeirante, sem banheiro.

João, você foi meu parceiro nas aventuras do jornalismo e da vida. Foi você que primeiro fotografou e partilhou comigo a felicidade da chegada da Bianca. Foi para você que eu liguei quando o Enrico, a Carolina e a Nina nasceram.
Você partilhou as minhas angústias e as minhas desilusões, o meu sucesso e o meu fracasso.

Droga João. Quem te deu o direito de ir para esta reportagem sozinho? E o livro que nós faríamos juntos percorrendo a América Latina, da Argentina até o México, para coroar o nosso sonho de um só continente, um mesmo pensamento?

Você foi sozinho para esta, João. E eu te vejo sempre com aquele sorriso esgarçado como a rir do mundo e da vida. Logo agora que iriamos nos aproveitar dos sessenta, da experiência, da falta de ansiedade, para nos divertir um pouco.

Vai com Deus, meu amigo, meu parceiro, meu irmão. Vai na frente, logo nos encontraremos. Enquanto isso, vamos sentir a sua falta, prantear a ausência do seu talento e da sua amizade. Mas, guardaremos de você sempre as melhores lembranças da vida.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Mulheres no poder!

Bachelet para Dilma: "É preciso ter mais mulheres no poder".




Michele Bachelet a ex-presidente do Chile, agora burocrata das Nações Unidas para a questão das mulheres esteve no Brasil. Deitou falação e como boa funcionária de um organismo que não serve para mais nada concluiu com ênfase sua peregrinação dizendo que é preciso ter mais mulheres no poder.

Confesso que não entendo muito esta discussão. Não que não reconheça que a situação da mulher, sobretudo nas camadas mais singelas da população, ainda é marcada por um tratamento discriminatório, sobretudo violento. Minha amiga e musa, Naura Schneider, percorre o calvário em busca de recursos para contar a história de Maria da Penha no cinema. Minha filha Bianca estuda em nível de pós-graduação a relação das mulheres com o mundo do trabalho.

No Pará, meninas da zona rural, de 13 anos, ainda são “vendidas” como domésticas para a classe média paraense, em regime de semi-escravidão e proibidas pelas patroas de estudar ou de evoluir.  Mulheres e meninas ainda são submetidas a regimes de trabalho tenebrosos nos canaviais, no sisal. E todo mundo sabe que uma operária, ainda que ela se desempenhe melhor do que um operário, é remunerada a menos pela sua força de trabalho.

Mas, não faltam mulheres no poder. Bachelet, Dilma, Cristina, Merkel, Hillary, Thatcher, a lista é grande, não só na política como na Economia, na Universidade e assim por diante. Lampeduzianamente a humanidade avançou, mas a essência do confronto por gênero não se dá na conquista do poder. Se dá na base, na origem de tudo.

Costumo lembrar que um menino quando nasce é associado a virilidade, a sociabilidade, a resolução dos problemas sociais da família, a perspectiva de mudança e transformação. A menina ao sofrimento, a passividade, a impotência. Querem ver? Um varão invariavelmente mal consegue manter-se  em pé e ganha uma bola para brincar com outros pimpolhos. Uma garota ganha uma boneca, para brincar sozinha e despertar o conceito de maternidade, de cuidar dos filhos, etc...

Isso para não falar da indústria da vaidade, que escraviza as mulheres desde a mais tenra idade. Mulheres tem que ser magras, bonitas, perfumadas, sensuais, elegantes, se souberem fazer as quatro operações e interpretar um texto então, serão perfeitas. Mas, este quesito não é assim tão importante.

Claro, na classe média as coisas melhoraram muito. Ainda lembro-me que quando entrei para o jornalismo, no distante ano de 1971, havia apenas duas mulheres na redação do Estadão: a Cecilia Thompson, da Internacional, e a Marina Mesquita (membro do clã) no caderno feminino. Hoje as redações tornaram-se um reduto predominantemente feminino. Isso para não falar das grandes jornalistas brasileiras que se afirmaram pelo talento e pela dedicação ao trabalho. Vou citar algumas da minha geração, mas peço perdão se esquecer alguma: Dorrit Harrazin, Dora Kramer, Suzana Veríssimo, Eliane Catanhede, Helena Chagas, Tereza Cruvinel, Anamarcia Vaisencher, Eliana Assumpção, Renata Falzone, Avany Stein, Norma Cury, a lista é mesmo grande, mas não poderia faltar aquelas a quem considero pupilas: Manoela Carta, Érica Benute, Alessandra Nahra, Heloísa Reinert, Liz Amaral.


O Deus impotente


Brünnhilde e Wotan: castigo tremendo imposto por uma deusa chata

Para coroar este post, gostaria de lembrar uma das mais importantes e imponentes cenas líricas de toda a história da ópera. Emblemática e profética sobre a situação que a mulher ainda haveria de viver, uma vez que foi concebida em meados do século XIX: a cena final do terceiro ato de A Valquíria, de Richard Wagner. Uma das minhas preferidas.

Constrangido pela deusa Fricka, protetora da família e dos valores morais etc e tal, o deus Wotan é obrigado a punir sua filha querida, a vibrante valquíria Brünnhilde, linda, forte, independente, que galopava um cavalo alado levando o corpo dos guerreiros mortos nas batalhas para que ressuscitassem no Waahala.

Fricka estava inconformada com o fato de que Brünnhilde havia interferido no embate entre o walsung Siegmund e o lenhador Hunding.

O pivô da história é a irmã de Siegmund, Sieglinde, esposa de Hunding, que abandonara o marido para fugir com o irmão, de quem carregava um filho no ventre. Wotan imaginava com isso resgatar os walsungs, uma raça de semideuses que ele mesmo criara, para defender os deuses.

Fricka não concordou com isso, obrigou Wotan a quebrar a espada que lhe dava o handicap na luta com Hunding, o que o levou a morte e queria que Sieglinde também abortasse a criança que levava.

Brünnhilde não permitiu e interferiu salvando Sieglinde e a levando para uma caverna, onde ela mais tarde daria a luz a Siegfried.

Consternado por ter que punir a filha querida, Wotan chama Brünnhilde ao alto de uma montanha e lhe aplica um castigo tremendo: ela perderia os poderes de deusa, mais que isso ficaria adormecida sobre uma pedra, coberta pelo escudo e pelo elmo, e quando fosse despertada seria vitimada pela paixão por um simples mortal a quem serviria até o final da sua existência.

Apavorada com o castigo, Brünnhilde pede ao pai que pelo menos a envolva em um anel de perigo tão grande, que só o herói entre os heróis pudesse chegar até ela e despertá-la. A orquestra soa o tema de Siegfried e Wotan chama o deus do fogo, Lodge, para que envolva o rochedo com o fogo mágico.

O resto da história todos sabem. Brünnhilde é despertada por Siegfried, transforma-se em pivô de um terrível triângulo amoroso engedrado pelo nibelungo Hagen, que vai acabar por mandar tudo para as calendas: uma tremenda inundação do Reno e a destruição do Waahala e dos deuses.

É para pensar um pouco, não acham?

domingo, 11 de dezembro de 2011

Eco, Rintin, Moreno e a manhã de domingo

"A crise que estamos vivendo foi provocada pelos banqueiros, malandros que aplicaram . E, no mundo globalizado, tem menos importância a democracia representativa do que os tecnocratas". Umberto Eco.






Que saudade das manhãs de domingo da minha juventude. A vigília do futebol, que rolava na várzea. O despertar precoce, a arrumação do equipamento, a limpeza das chancas, o material docemente preparado cheirando a limpeza, a camisa 4 de lateral esquerdo do Danúbio, do Mônaco e até do Parque da Moóca.

Mais tarde, o futebol ficou para as tardes de sábado e foi a vez dos Concertos Matinais no Teatro Municipal. O cheiro do molho de tomates na volta. O crepitar das peles de frango tornando-se crocantes no óleo quente. Depois o futebol para valer, o Pacaembu, de ônibus, o Parque Antártica, de trem, a rua Javari, a pé mesmo. O cinema do bairro obrigatório na noite de domingo, ou o Icaraí, o Moderno, o Patriarca, o Roma, o Safira. E dá-lhe assunto para toda uma semana.

Hoje, o meu domingo começa como todos os dias, com a leitura de todos os grandes jornais, Folha, Globo e Estadão, nesta ordem, depois Correio Braziliense, e as revistas Veja, Época, IstoÉ e Carta. As edições dominicais historicamente são reservadas para o aprofundamento de assuntos, ensaios, reportagens especiais e artigos.


Rintin: cão encontrado numa trincheira da Grande Guerra

Com a pobreza que vivemos, na verdade, trata-se de saber quem come quem, ou quem rouba de quem. A edição de hoje de O Globo quebra a rotina com um brilhante artigo de Dorrit Harrazin sobre o silêncio de Rin-tin-tin, o famoso cão nominado ao Oscar, e os líderes mundiais que não param de falar besteiras.

“Há muito foi-se o tempo em que o mundo contava com homens públicos que podiam envergar a roupagem de estadistas sem parecer ridículos. Sabiam falar a seus povos, leva-los a se sentir parte de uma nação. Hoje tem prevalecido a mediocridade de quem ocupa algum poder. Ela se manifesta sobretudo pela dislexia entre o que é dito e o que se quer dizer. Ou, pior ainda, entre o que é dito e o que se quer esconder”.

O Globo também publica uma notável entrevista com o genial Umberto Eco, que com sua notória competência e lucidez fala de seu último romance (ainda não li) Cemitério de Praga e aproveita para fazer um balanço conceitual do mundo.

“A internet não filtra nada, nos diz tudo, e nesse tudo está incluído o que foi produzido por malucos. Pode ser até falso o nome de quem está escrevendo”.

Perguntado sobre a força do livro como resistência a digitalização, foi perfeito:

“O livro de papel tem ainda um destino a ser cumprido, pelo menos no sentido técnico. Temos a prova científica de que um livro de papel dura 550 anos. Eu tenho na minha biblioteca livros produzidos cinco séculos atrás (a biblioteca dele tem 30 mil volumes!). Não temos ainda a capacidade de provar que um material eletrônico dure mais do que X anos, mas certamente não será de 500 anos, porque existe uma renovação contínua. Há ainda o fato de que você encontra no porão de casa o livro que leu quando tinha 10 anos, com os seus sinais nas margens... Se amanhã encontrar no porão um pen-drive, ele não vai lhe dizer nada. Com o livro, se estabelece uma relação física, carnal, afetiva. Enfim, é muito melhor para uma criança levar para a escola um iPad com os dicionários do que levar todos os volumes nas costas. Mas, é muito difícil ler Guerra e Paz num e-book....”

Tem ainda a coluna do Elio Gaspari (que também sai na Folha) e esta série notável do colega e amigo Jorge Bastos Moreno, com as histórias da dona Mora, a esposa do dr.Ulysses. A de hoje se supera. Moreno é brilhante. Esperamos que em breve a coletânea seja editada em livro.

O Globo já ficou pequeno para Jorge Bastos Moreno.

Amaury Jr. finalmente tirou do prelo o livro sobre a privataria tucana. Parabéns ao genial editor Luís Fernando Emediato, meu compadre e irmão, pelo golaço da Geração Editorial. Parabéns ao Mino, que colocou excertos na sua Carta Capital. Engraçada a vacina preparada pelos esbirros da família Civita, que requentaram uma sopa sobre a famosa “Lista de Furnas”. É no mínimo engraçado imaginar Rodrigo Maia e José Carlos Aleluia como vítimas de uma trama urdida no PT de Minas, para desviar as investigações do mensalão.

Hoje não tem molho e para matar saudades, vou ouvir a Quinta Sinfonia de Mendelssohn, chamada A Reforma. 

domingo, 4 de dezembro de 2011

DIE DREIGROSCHENOPER

Mackie, de chapéu coco, o chefe de polícia e Polly: casamento conveniente


 Brecht: seus personagens tem a ver com a própria essência humana


Não! Não enlouqueci ainda. Trata-se da obra maiúscula de Kurt Weill e Bertold Brecht, The Threepenny Opera ou L’opéra de quat’sous ou ainda a Ópera dos Três Vintens, que teve uma versão brilhante adaptada por Ruy Guerra e Chico Buarque. É inquietante. Em qualquer versão. Pior: é atualíssima, não prescreve. É cínica. Cruel e gloriosamente imoral.

A história, em poucas palavras, se passa nas docas do rio Tâmisa, em Londres, onde um sórdido assassino, assaltante, explorador, de nome Mackie Messer impõe o seu reinado de terror, de crimes e de abuso. Ocorre que ele se apaixona pela filha do chefe de polícia, Polly, o que provoca uma grande confusão, até que o crime se associa a lei e todos são felizes para sempre. Todos, ou quase, o povo, o cidadão comum, continua sua sina de ser aterrorizado pelo Estado, agora mancomunado com o crime.

Lotte Lenya e Kurt Weill: atriz e compositor


Brecht dirigiu uma versão cinematográfica, em 1930, praticamente com o mesmo elenco da estréia, em Berlim, dois anos antes, formado por Lotte Lenya, Kurt Gerron, Will Trenk-Trebitsch e Erich Ponto.

O final dos anos 20 é um período de notória decadência na Alemanha – a chamada República de Weimar. Os valores éticos e morais haviam ido para o ralo, na mesma proporção que o Deutsche Mark . A sociedade estava toda corrompida. Vivia-se o cada um para si, com forte dose de epicurismo. O notável musical de Bob Fosse, Cabaret, é um retrato preciso daquela época, principalmente na caracterização de Joel Grey, que interpreta o mestre de cerimônias.

Brecht é um dos maiores escritores do século XX, reinventou o teatro moderno. O que incomoda na sua obra é que ele pode tanto falar da Guerra dos Cem Anos, da Europa pós Grande Guerra, da Idade Média, da França pós 1870 ou da Alemanha de Weimar, seus personagens guardam muito mais relação com a natureza humana do que com a história. Por isso são perenes e inquietantes. Mackie Messe é um escroto total, mas desfila com desenvoltura em todo o planeta. E a burguesia continua fazendo os acordos tanto com a aristocracia como com o crime organizado, desde que seus privilégios e seu modo de vida não sejam alterados.

O grande cineasta Marcel Ophuls realizou em 1969 um doloroso documentário sobre a França ocupada pelos nazistas entre 1940 e dezembro de 1944. E provou que o mito de que a Nação toda havia se unido sobre a bandeira da resistência era falso. Na verdade, a burguesia francesa  se acomodara e se sentia confortável com o anti-semitismo nazista, a perseguição aos comunistas e socialistas e, sobretudo, aos movimentos humanistas. O documentário foi execrado e considerado anti-patriota.

Antes de Ophuls, o britânico católico Graham Greene havia feito a mesma insinuação em o Décimo Homem, um romance que tem como ponto de partida a seleção de um burguês francês como refém da Gestapo pela morte de um general nazista perpetrada pelo Resistência. Estranhamente o livro desapareceu e até o filme, ainda que interpretado por Anthony Hopkins e Emma Thompson.

Versão de Ruy Guerra e Chico Buarque: Mackie vira contraventor

No Brasil, a obra de Brecht foi ambientada no Rio, mais precisamente na Lapa, e Mackie Messer se transformou em um bicheiro. Aliás, a burguesia brasileira sempre foi fascinada pelo sucesso, independente dele ter sido alcançado por força da contravenção, do lobby ou do tráfico.  Setores progressistas da política tem o péssimo hábito de se envolver com potentados econômicos, sem questionar a origem dos recursos, ou a finalidade de determinadas “ajudas”.  É a fascinação tola, que não questiona nem os meios nem os fins.

Ainda me lembro quando a polícia do governador Nilo Baptista arrebentou a caixa forte de Bangu e se apoderou do famoso livro caixa de Castor de Andrade.  Foi um salseiro danado. Até o santo Betinho tinha dinheiro da contravenção em sua conta bancária em Nova York. Como sempre, a sociedade escondeu o Mackie Messer embaixo do tapete.

E nesta toada vamos! Ao som da balada de Meckei, que já foi cantada até por Frank Sinatra. É uma bela canção. Clique aqui e ouça a canção de Mackie Messer na voz de Frank Sinatra.

domingo, 27 de novembro de 2011

Que autocritica? Estamos bien, siempre!

A sempre encantadora Buenos Aires: portenhos agora falam sozinhos, ao celular.



A vida nos revela surpresas e doces equívocos. Convidado para falar sobre financiamento público da educação em um seminário do Centro de Estudos de Políticas Públicas, seria difícil para eu recusar. Ainda mais pelo calor de sempre da recepção de Natalie, de Alejandra, de Gustavo e de toda a turma. Assim, ainda que atrasado por um dia, tive o privilégio de passar algumas horas em Buenos Aires. Senti o cheiro da cidade, ouvi seus ruídos, ainda que desta vez tenham me hospedado em um novo hotel, chamado Scala, muito mais perto de Constituicion do que de Retiro, na avenida Bernardo Irigoyen, entre Independencia e Chile.

Confesso que temi por minha sanidade mental, que já não anda estas coisas, quando constatei que os portenhos tinham adquirido o estranho hábito de falar sozinhos enquanto caminhavam. Que hábito esquisito! Será que ficaram todos loucos? Ou quem enlouqueceu fui eu?

Perguntei a Emiliana Vegas, uma doce venezuelana, diretora do BID, que vive em Washington. E ela me disse:

- Ufa! Que bom. Eu também pensei que havia enlouquecido.

Enfim, perguntei a Nat, o que estava acontecendo. E este anjo portenho enfim nos esclareceu:

- Nunzio, que te pasa? Es que los argentinos estan apassionados por uma nueva conquista, los auriculares telefônicos. No hablan solos. Estan hablando en el celular por el microfono móvel.

Menos mal.  Quanto ao seminário, as constatações de sempre. Como é possível falarmos em unidade regional se não nos acertamos nem mesmo com relação a uma simples tomada? E isso, ao contrário dos auriculares telefônicos não é um privilégio dos argentinos. Ainda que suas tomadas sejam de uma complicação que lembra, sei lá o que. Mas, é engraçado que um adaptador chinês, capaz de abrigar a todo tipo de tomada e de ser conectado até com o padrão ( ou não padrão) argentino, seja objeto de consumo de todos aqueles que precisam carregar seus celulares ou simplesmente ligar seus computadores.

Apesar das tomadas, temo que a questão da unidade regional se torne algo que se persegue sempre, porém não vamos alcançar nunca. Algo assim como Michele Pfeiffer angelical que aparece nos nossos sonhos e que quando estamos muito próximos de toca-la despertamos.

Pfeiffer é americana. Eu pessoalmente acho que ela é extra-terrestre. Mas, para que não me puxem as orelhas vamos ficar com Salma Hayek e Soledad Villamil. Já que é para sonhar, vamos logo chutar para cima.

Falamos, falamos e falamos. Já sabemos que Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela têm que funcionar como locomotivas e arrastar aos países menores. Que Peru será sempre benvindo. Que os países do Caribe e da América Central são muito pobres e tem problemas muito sérios de organização do estado. Foi impressionante a apresentação da delegada de Guatemala, principalmente quando ela informou que 98% dos estudantes do ensino fundamental chamados a fazer uma prova para medir a proficiência em espanhol e matemática, ficaram abaixo do nível mínimo de aprendizagem.

Impressionante o esforço da República Dominicana, ponto zero da América Latina, onde tudo começou em 1482. Fizeram um acordo entre os políticos locais para, independente do resultado das eleições, definir 4% del PIB como orçamento mínimo para a Educação.

E o México? Uma delícia. Perguntei se a crise americana não lhes provocava arrepios, afinal eles tem um vizinho por demais incomodo.

- Ellos son incômodos para nosotros. Y nosotros somos incômodos para ellos. Asi que dos incômodos se anulam.

Boa resposta!

Convidado para falar no fechamento da cerimônia, quase provoco uma guerra indesejável. Justamente falava do risco que corríamos se empregássemos o ritmo diplomático para buscar a unidade que almejamos e a troca de experiências. E, sem me aperceber, fiz um apelo aos mexicanos para que discutíssemos uma auto-crítica sobre a implementação de políticas públicas durante o período revolucionário.

Até ai tudo bem. Os mexicanos adoram falar disso. Porém fiz o mesmo apelo aos irmãos argentinos em relação ao modelo sarmientista de educação, que vai completar 150 anos e que já mostra sinais de extenuamento.

- Que auto-critica? Estamos bien.

Não. Não estão. E ai reside um dos principais, se não o principal problema argentino. A revisão do modelo sarmientista, implementado pelo presidente Sarmiento depois da guerra da Tríplice Aliança, no século XIX, precisa ser revisto sim, rediscutido, até para que seja melhorado e renovado. Os argentinos ficam nervosos quando falamos assim. Aliás, me parece que isso funciona desta maneira na Educação, no futebol, na vida enfim.

- Estamos bien. Siempre!


Isso, e não os microfones auriculares, explica porque os portenhos andam falando sozinhos pelas calçadas frescas de Buenos Aires. Tenho certeza que os telefones estão desligados. Nós brasileiros durante muito tempo copiamos o hábito mexicano de falar com cavalos. Há quem diga que em Goiás, ainda há gente que desperta pela manhã e dá bom dia a sua montaria. 

domingo, 20 de novembro de 2011

Deu na TV: a guerra acabou!

Dustin Hoffmann, Anne Heche e Robert de Niro: personagens caricatos e reais








Passou-me completamente desapercebido um interessante filme de Barry Lavinson, com Robert de Niro e Dustin Hoffmann, entre outros, chamado Wag the Dog, Mera Coincidência em português. Trata-se de uma muito bem feita caricatura sobre a relação entre poder e mídia, fantasia e realidade, e a capacidade impressionante de se manipular as convicções.

A história começa com uma desgraça. Há um mês das eleições, que certamente o levariam a quatro anos mais de mandato na Casa Branca, o presidente americano recebeu um grupo de bandeirantes de um estado periférico no Salão Oval e ficou alguns minutos com uma estudante de 13 anos, a sós, atrás de uma coluna. Tal procedimento lhe valeria a acusação de ter molestado a garota, o que, convenhamos, seria seu fim político.

Depois do incidente, o presidente voou em missão oficial para a China, mas do Força Aérea Número Um solicitou a sua assessoria que chamasse um certo Conrad, ex-jornalista especialista em crises, na tentativa desesperada de contornar a situação.

Primeira lição, um especialista em crise se atém a realidade, aquilo que estará fixado na mente da população. E não se segura em desculpas, versões, desmentidos, etc.... Conrad é levado para uma sala de situação nos porões da Casa Branca, onde se inteira da situação e surpreende com conclusões duras. “Não importa o que aconteceu, ele atacou a menina”. ”Se fulano sabe, todos sabem”.

Uma perplexa e burocrática equipe de comunicação fica estarrecida com o cenário. Ainda mais porque a equipe do candidato da oposição também se inteirara da situação e estava prestes a detonar o assunto.  Sem perder a calma, Conrad pede duas passagens para Los Angeles, uma soma em dinheiro equivalente a US$ 80 mil, e dispara uma ordem estranha. “Ligue para o jornalista tal e diga que reina preocupação na Casa Branca com relação a utilização do avião bombardeio americano B3. Preciso ganhar tempo, marque um briefing do porta-voz para as 11 horas e mantenha o presidente na China". Em seguida zarpa escoltado por uma aturdida chefe de comunicação, vivida por Anne Heche, em direção a Costa Oeste.

Na longa viagem, via Chicago, ele explica a sua estratégia. "Vou criar uma guerra, só não sei contra quem". Ao desembarcar em Los Angeles, ele já não tem dúvidas, contra a Albânia.

Por que contra a Albânia?

“Porque ninguém sabe direito onde fica. Ninguém sabe que cara tem os albaneses!”

Na Califórnia, Conrad se reúne com um produtor hollywoodiano, vivido por Dustin Hoffmann, um tanto quanto frustrado pelo não reconhecimento de suas competências, a quem se atribui a missão de criar uma guerra imaginária  nos Balcãs.

A estratégia do briefing deu certo. A discussão sobre o que ocorreu com a menina caipira e voluptuosa foi mencionada apenas de relance, enquanto que os jornalistas já regurgitavam a eventual utilização do bombardeio B3 no conflito com a Albânia.

A guerra torna-se uma realidade com informações sobre desembarque de mariners, deslocamento de porta-aviões, a possibilidade da Albânia ter aparatos nucleares e ameaçar os aliados da Europa e todo o cardápio intervencionista conhecido desde a construção do canal do Panamá. Criaram até o requinte de grupos terroristas albaneses infiltrados no Canadá, que estariam ameaçando a fronteira americana. Os desmentidos do governo de Tirana (a capital da Albânia) não são ouvidos. Levantam-se as ONGs habituais para condenar o intervencionismo americano, ao mesmo tempo em que os governos aliados declaram total apoio a ação militar.

A operação tinha um nível de sofisticação altíssimo. Willy Nelson, o célebre cantor country americano é chamado para criar um clipping, com os mais badalados cantores da atualidade, sob o mote, “cuidem de nossas fronteiras”. A imagem de uma jovem albanesa em fuga diante do ataque de seus conterrâneos, em uma aldeia rural, é criada por computação, com o requinte de estar abraçada a um gato, que, consultado, o presidente americano exige que seja branco.

Vai tudo muito bem até que a CIA decide entrar na parada. Confusa, com informações contraditórias, não sabe direito o que apurar. Mas, esta indecisão é usada pelos operadores da candidatura oposicionista. O que leva o tal candidato a convocar a imprensa e anunciar: “De acordo com informações da CIA, cessaram as hostilidades na Albânia”.

 - Acabou a guerra, proclama um apreensivo Conrad.

- Como assim? Acabaram com a minha guerra? Não pode ser, protesta o produtor de Hollywood.

- Acabou. Deu na televisão. Acabou. Temos que sair dessa agora.

Bem, este começo é suficiente. O resto da história, marcado por lances ainda mais rocambolescos e engraçados, vocês podem ver no filme. Mas, pela caricatura colocada, que reflete uma realidade, podemos fazer uma humilde reflexão.

Os americanos são mesmo pioneiros nesta história de manipulação da opinião pública nacional e internacional. No final do século XIX criaram uma guerra encarniçada em Cuba, que culminou com o fim do domínio espanhol e a supremacia yankee na grande ilha caribenha. Este conflito, estranhamente não consta dos manuais históricos espanhóis, pelo menos não com a intensidade dramática com que os americanos a trataram.

Deste conflito bélico surgiram duas coisas importantes: as marchas militares de John Phillipe Souza (Star and Stripes forever!) e um obscuro oficial que se tornaria presidente, Theodore Roosevelt, o Big Bear.

Roosevelt, aliás, que usaria a mesma estratégia ao apoiar um movimento político separatista inexistente na Colômbia, para justificar o seu apoio a identidade nacional panamenha contra Bogotá e depois construir o estratégico canal que liga o Atlântico ao Pacífico.

Seu sobrinho, o grande estadista Franklin Delano Roosevelt, na década de 30, usaria o cinema e o rádio para reforçar o fim da depressão americana e a afirmação do New Deal.

Entre o Canal do Panamá e as armas químicas de Saddam Hussein passou-se quase um século. E não deve ser difícil alinhar algumas movimentações militares americanas com a manipulação da opinião pública: Japão (a bomba atômica), Coréia, Vietnam, Cambodja, Cuba, Berlim, Kossovo, Sérvia, Irã, Iraque, Afeganistão e assim por diante.

É claro que esta forma de lidar com a realidade não é um privilégio americano. Os nazistas venderam na Alemanha o anti-semitismo; os franceses o perigo da Argélia; os ingleses sacrificaram o general Gordon no Sudão em uma guerra estúpida contra o Madi; os africaners diziam que os negros da África do Sul iriam jogar os brancos no mar. Ah! É claro, não poderia esquecer dos Ets de Coswell, no Novo México, que deram origem a ameaça que vinha do espaço e descobriu-se que se tratavam apenas de balões meteorológicos.

Armstrong na lua: tem gente que até hoje não acredita.


Por essas e por outras não dá para condenar as pessoas que ainda são céticas em relação a aventura de Neil Armstrong que caminhou na lua. Para muita gente, foi tudo uma produção de Hollywood, cujo interesse maior era apontar uma faca na garganta do Kremlin, até porque vivia-se naquela época uma guerra fria tremenda. Em outras palavras, um confronto de operações de manipulação da propaganda da União Soviética e dos Estados Unidos, com o resto do mundo no meio e a ameaça de uma guerra nuclear que acabaria com o planeta.

No Brasil, durante anos se vendeu o tenentismo e a Coluna Prestes como uma ameaça institucional a República. Movimento de radicais que pretendia implementar novas ideologias e confrontar a oligarquia café com leite. Certa vez, perguntei ao senador Luís Carlos Prestes o que ele achava disso. E ele me respondeu:

- Bobagem! A gente queria apenas atazanar o Bernardes.

Getúlio Vargas em seu segundo governo (1950-1954) foi levado ao suicídio por conta de “um mar de lama” que nunca se provou. O estancieiro João Goulart era o líder de um movimento que pretendia implantar o comunismo no Brasil. Os militares brasileiros foram forçados pelo povo a sair dos quarteis e implantar uma ditadura de 25 anos, por conta disso. As Diretas Já pretendiam mesmo aprovar o dispositivo constitucional de Dante de Oliveira que elegeria o presidente da República por voto direto. Tancredo Neves acreditava nisso e nunca pensou em disputar a presidência no colégio eleitoral.  Collor era o caçador de Marajás em Alagoas, a modernidade que chocou os políticos brasileiros, notadamente do PFL (hoje DEM), PTB e quetais, impressionados com a corrupção.

João Goulart: o estancieiro que permitiria a implantação do comunismo

Aliás, alguém consegue me dizer qual foi o único político progressista, de “esquerda” que apoiou Collor até o último momento?

Certa vez, nos anos oitenta, os governadores da oposição, Montoro, Brizola, Tancredo e José Richa estavam reunidos no Palácio dos Bandeirantes quando a turba ameaçou derrubar as cercas. Estava insatisfeita com o governo destes senhores.

Montoro não teve dúvidas. Atribuiu tudo a uma grande conspiração da direita, quer dizer dos militares, contra os governos constitucionalmente eleitos. Na coletiva tive a petulância de perguntar:

- Governador, o senhor acredita mesmo que os militares tem esta capacidade de mobilização popular, a ponto de pression ar as cercas do Palácio dos Bandeirantes?

- Claro que tem. Todos sabem que é uma conspiração.

- Quem é todos, governador?

- Ora, o povo. Pergunte ao povo. Ele sabe que há uma conspiração.

O povo, como se sabe, mora na rua Felipe Schimidtt, 28, em Florianópolis, e não tem telefone.

As cercas derrubadas do Palácio dos Bandeirantes: segundo Montoro, uma conspiração da direita

Outro dia um colega, renomado jornalista de um vetusto matutino de São Paulo, me ligou e disse que tinha informações seguras do governo de que o Ministério da Educação não iria recorrer da decisão da Justiça Federal do Ceará. Queria saber a posição do MEC.

- Cara, de onde você tirou isso. Esta informação não existe. É uma plantação barata. O ministro decidiu pelo recurso, os nossos advogados já estão em Recife. Quem é o governo?

- Ora, o governo é o governo!

Foi fácil desmontar a versão do jornal. Até porque a televisão não deu. E os colegas passaram então a atribuir um poder incomensurável ao ministro da Educação: MEC faz governo recuar! Diziam. Para livrar a cara, nos atribuíram um poder que decididamente não temos.

A manipulação da opinião pública atinge níveis de irracionalidade e incredulidade impressionantes. Me lembro por exemplo que a Souza Cruz, a subsidiária da American Tabacco no Brasil, tinha ordens da matriz de tirar do mercado a marca Minister, líder do segmento virgínia-blend. Começaram a espalhar a informação de que cigarros daquele marca provocavam câncer. Acreditem, as pessoas mudaram de marca.

Outro dia, deu na TV, o glorioso dr.Drauzio Varella garantiu com todas as letras: “100% dos fumantes um dia morrerão”.

É claro que ele quis dizer que todos os fumantes acabarão morrendo por conta do cigarro. No afã de criar um certo sensacionalismo, foi além. Mas, como disse o velho Conrad , deu na TV, quer dizer a guerra acabou.