domingo, 29 de janeiro de 2012

Tod und Verklaurung

Richard Strauss: maestro mitológico e compositor inspirado. Expoente do pós romantismo
Clique aqui e ouça Morte e Transfiguração na interpretação do jovem maestro Marcelo Ramos à frente da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais.





Calma! É o nome original em alemão do poema sinfônico Morte e Transfiguração de Richard Strauss. Uma das composições prediletas do Tio Kiko, um discreto alfaiate de bairro a quem eu devo a base da minha formação intelectual e cultural, as primeiras indicações de livros e autores, o meu primeiro disco, uma 3ª de Beethoven, e os primeiros ensinamentos sobre o pensamento de Allan Kardec.

Este Strauss não tem nada a ver com o Strauss austríaco das valsas. Este é alemão, bávaro, nasceu em Munique em 1864, filho de um trompista. Pode ser considerado um dos mais importantes expoentes da passagem do século XIX para o século XX.  Regente extraordinário, regeu concertos em São Paulo e no Rio, em sua turnê em 1923. Sua leitura de Mozart é preciosa.

Foi acusado de colaboracionismo com o regime nazista. Uma bobagem! Strauss trabalhou com intelectuais de ponta na Europa. Com texto de Stefan Zweig compôs a célebre ópera A Mulher sem Sombra (1934). Com Oscar Wilde, escreveu a Salomé (1909).

Os poemas sinfônicos estão curiosamente concentrados nas obras compostas no século XIX. As Aventuras de Till Eulenspiegel, Don Juan, Vida de Herói, Don Quixote  e a celebérrima Assim Falava Zaratustra, sobre o poema de Friederich Nietsche, cuja introdução foi  imortalizada por Stanley Kubrick em 2001-Uma Odisséia no Espaço.

Morte e Transfiguração foi composta entre 1888 e 1889. Exige uma massa orquestral típica daquele período.  Baseia-se em um poema de Alexander Ritter, que relata a morte de um artista. A luta tumultuada pela vida, as lembranças das conquistas, os momentos de dúvidas e incertezas, as derrotas e as vitórias. O som do tan-tan registra o passamento e Strauss usa toda a sua habilidade para, em seguida, retratar a morte de forma grandiosa e serena. É uma composição fantástica!

Ainda me lembro de uma execução fantástica no Teatro Municipal de São Paulo, com a orquestra regida pelo maestro argentino-polonês, Simon Blech. Meu primo Cláudio executava os tímpanos. Era um dos concertos matinais de todos os domingos e, depois, fomos para a macarronada sacrossanta com lágrimas nos olhos.

Duas são as interpretações que eu considero mitológicas: a de Wilhelm Furtwangler e a de Victor de Sabata, o alemão com a Filarmônica de Viena e o italiano com a Filarmônica de Berlim. Mas, merece destaque também a gravação realizada pelo maestro Jascha Horenstein com a Sinfônica de Londres.

Pouco antes de morrer, em setembro de 1949, Strauss teria se dirigido ao filho e dito: “Tudo aquilo que está em Morte e Transfiguração eu vivi nas últimas horas”. Tenho certeza que o Tio Kiko também.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Vada a porto, cazzo!

Ditado popular: quem disse que os ratos são os primeiros a abandonar um naufrágio?




Não gosto de cruzeiros. Tenho resistido aos convites e as tentações, além da pressão  da minha família. A ideia de estar em uma gaiola no meio do oceano e dividir refeições, piscina, bares,  com 4.700 companheiros, sem poder dizer para que eu quero descer, me dá uma sensação de claustrofobia tremenda.

No anedotário trágico da semana, por conta do desastre do Costa Concórdia, não posso deixar de registrar que meu amigo e irmão, o ultra competente Ancelmo Gois, em O Globo, teve a feliz sacada de republicar uma de tantas frases de sir Winston Churchill: “Em termos de cruzeiros, prefiro os italianos. O serviço é fantástico, a cozinha é espetacular, e em caso de naufrágio, não tem este história de mulheres e crianças primeiro”.

Sir Winston era genial até no humor negro, evidentemente regado a pelo menos uma garrafa de conhaque por dia e cerca de 30 charutos cubanos. E, atenção turma da patrulha, ele viveu 96 anos, duas guerras mundiais, a guerra dos Boers, a revolução da Irlanda, entre outros episódios. Isso sem falar que escrevia como um deus.

Mas, de volta a tragédia da costa da Toscana, me chamou a atenção uma colocação de Arnaldo Bloch, também no Globo de hoje, sobre a atitude do capitão do navio, que já ganhou a galeria da infâmia por ter abandonado o navio antes dos passageiros e dos tripulantes para a estupefação geral :

“Não deixa de ser uma boa notícia: por remeter a questões relacionadas a honra, bravura, solidariedade e outras qualidades escassas, tal interesse pode ser interpretado como um impulso moral coletivo, coisa alentadora nestes tempos marcados, simultaneamente, por uma grande interconectividade e por um individualismo exacerbado. E no qual os discursos de uma ética global, financeira, ambiental ou política perdem-se na retórica e na queda de braço entre a sociedade civil, o Estado e as corporações: ninguém quer largar o osso, mas, na hora do naufrágio, todo mundo quer pular primeiro”.

Perfeito. A Jovem Pan falou em esportes. Ou seja, não se fala mais nisso.

Viagens de navio, cruzeiros, etc, eram privilégio da aristocracia. Os negros africanos vieram para o Novo Mundo à força acorrentados nos porões dos navios portugueses. Os imigrantes italianos e japoneses vieram em porões sujos. Sobreviveram à fome e as doenças.

Titanic: desastre famoso em abril de 1912


Dá para dizer que a “belle époque” foi literalmente por água abaixo com o naufrágio do Titanic. E aquela imagem linda e romântica de Debora Kerr e Cary Grant, em Tarde Demais para Esquecer, ficou perdida no tempo e gravada no celuloide.

Hoje, a classe média, este dragão incontrolável, quer, a seu modo, reviver os tempos da aristocracia, tomando Coca-Cola com Jack Daniels e comendo maionese deteriorada, ainda que para isso tenha que enfrentar uma fila tremenda, ou se limitar a fazer as refeições e disputar o espaço comum em horários determinados. E, como sempre, sem civilidade, cultura ou estilo, acaba por atropelar a tudo e a provocar tragédias.

Meu compadre, Osmar de Freitas Júnior, um dos maiores repórteres com quem tive o prazer de trabalhar, foi destacado por mim para cobrir a reestreia do glorioso transatlântico Queen Mary, o maior do mundo, em uma viagem entre Nova York e São Francisco, com direito a passar pelo Canal do Panamá.

Queen Mary: custou a audição do Osmar


Ainda me lembro do relato do Osmar: “Foi um horror. Um bando de caipiras se amontoando nas piscinas e nos refeitórios, bebendo desbragadamente, sem qualquer estilo. Era extremamente revigorante participar de um intenso debate no deck do navio sobre o ponto certo da fritura de um pedaço de frango, que evidentemente não se comparava aquele feito em casa, em Oklahoma ou Wisconsin”.

Osmar perdeu a audição de um ouvido e boa parte do outro. E não foi pelo conteúdo das conversas de que deve ter participado. O algoz foi um vírus que ele contraiu em uma das piscinas do gigantesco transatlântico, provavelmente originário do Arkansas.

Scorpius: cruzeiros pelos fijordes do Chile


Eu e Rejane fizemos certa vez um cruzeiro memorável pelos fjordes chilenos. Era um pequeno navio de fabricação dinamarquesa, para não mais do que 200 passageiros. O armador era um velho comandante grego, Constantin Kochiffas, que batizara a frota com o nome de sua ilha natal, Scorpios. Ele pessoalmente tocava a capitania, sua mulher , uma chilena, cuidava da cozinha. E assim, entre ostras, locos, mariscos de toda a sorte, merluzas e salmões, regados com extraordinários coquetéis com pisco, ou com rum caribenho, ou com gin inglês, passamos oito dias agradabilíssimos no percurso de ida e volta até a Laguna de San Raphael, no coração da Patagônia.

Pelas dúvidas, não entramos na piscina. Aliás, não tinha piscina. Apesar da viagem ter ocorrido em fevereiro, o percurso entre as geleiras da Cordilheira dos Andes não permitia tal prática.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A Orquestra da USP e a truculência autoritária

Ligia Amadio: seu talento e sua coragem transformaram a Sinfônica da USP


Copiado do site http://operaeballet.blogspot.com/


O ano de 2012 começou com uma ingrata surpresa, caiu-me a cara no chão quando soube da triste notícia . A Revista Concerto publicou e o Jornal do Brasil confirmou. A temporada de 2012 não contará com a batuta de Ligia Amadio a frente da Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo.  Após duas temporadas completas , programas que abrangeram um repertório complexo e rico, sempre lembrando dos compositores nacionais .Qual o prêmio que a maestrina recebe? Uma medalha de Honra ao Mérito, não caros amigos, a não renovação de seu contrato.
  
Uma questão perturba minha mente, lembrei da data de sua nomeação. A maestrina foi eleita pelos membros da orquestra, por voto direto após uma lista tríplice. Imaginei que os músicos não a desejassem mais e a tivessem defenestrado. Pergunto a algumas fontes, colegas que conhecem a fundo a orquestra e descubro uma verdade aterradora. Os músicos da OSUSP não elegem mais o regente . “Democraticamente” mudaram o estatuto, no calar da madrugada uma virada de mesa. Todo o poder cabe a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária chefiada pela Socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda juntamente com o diretor da OSUSP professor Edson Leite. A Universidade de São Paulo sempre teve princípios democráticos em seu lema, essa mudança me lembra a truculência da ditadura militar.
  
O novo formato escolhido para a OSUSP em 2012 não é utilizado em lugar algum. Convidar um regente a cada concerto é fazer leilão. Toda grande orquestra possui um regente titular, convidam-se alguns regentes para a orquestra ganhar experiência. Um titular é imprescindível na unidade e na sonoridade. O futuro com esse formato é incerto, cada um metendo sua colher, vai azedar o bolo.

Ligia Amadio fez um grande trabalho com a OSUSP. Deu sonoridade, corpo, estilo em um repertório complexo. Muitos em seu lugar poderiam optar pelo arroz com feijão , fazer repertórios fáceis. Ligia Amadio não teve mede de correr riscos, colocou sua orquestra para tocar Mahler, Rachmaninoff, Sibelius, Prokofiev, Brahms , Liszt entre outros. Compositores nacionais de todos os estilos participaram de seus programas. Exigiu tudo dos músicos, trouxe grandes solistas, lotou a Sala São Paulo. Trabalho impecável recompensado com uma demissão.

O público se importa com sua saída cara maestrina, os músicos se importam com sua saída , a música se importa,  eu me importo. Perde  a cidade de São Paulo e ganha  o autoritarismo.

Ali Hassan Ayache

domingo, 15 de janeiro de 2012

Sobre batucadas e bandoneons

- Você tem um que de Cortazar
- Um poster. De Cortazar tenho um poster






Neste domingo, O Globo traz um excelente artigo de Luiz Paulo Horta e uma belíssima reflexão: 

Conversando com os meus botões, tenho tentado descobrir por que o cinema argentino vem dando de dez na produção nacional. Uma resposta possível é que aqueles ás vezes irritantes portenhos estão em contato como que Miguel Unamuno chamou de “o sentimento trágico da vida”.
No alto nível em que Unamuno o colocou, este sentimento não significa que a vida seja uma desgraça, e sim – como sabiam os velhos gregos – que ela pode ser submetida a pressões terríveis, o que afinal nos devolve à noção de quão preciosa ela é.

Tenho reiterado que argentinos e brasileiros tem muito em comum, como de resto uruguaios. Os humores que nos diferenciam são mais artificiais, criados por um nacionalismo tolo e por um orgulho besta.  A grande diferença é que o peso da negritude no Brasil é infinitamente maior que entre os orientais e praticamente nulo entre os portenhos.

De resto, os brasileiros são formados pelo mesmo extrato de imigrantes ibéricos, portugueses aqui e espanhóis lá, muitos, mas muitos italianos, judeus, árabes, japoneses, etc... A diferença são os africanos, o que nos aproxima do Caribe e dos Estados Unidos. A aspiração da classe média argentina e uruguaia já foi muito distinta da nossa. Enquanto os platinos queriam investir em cultura, os brasileiros queriam enriquecer e revelar modernidade. Eles sempre quiseram ser europeus, nós norte-americanos, mais precisamente “miamistas”.

O passado faz de Buenos Aires e Montevideo cidades mais contemporâneas em termos de  arte e espetáculos. Recentemente participei de um encontro de comunicadores e educadores na capital uruguaia e fomos agraciados com um concerto da camerata uruguaia, com um programa de música antiga do século XVI e XVII. O teatro da OSSODRE estava lotado. Tenho minhas dúvidas se tal sucesso se repetiria no Brasil.

Como hoje prepondera o conceito afortunado de que somos todos latino-americanos, ainda que nosotros hablemos português, mais a globalização, as identidades culturais são cada vez mais parecidas. As aspirações são as mesmas. A diferença está no cinema, onde não posso deixar de dar razão ao Horta, é um massacre.

Na minha modesta opinião, o cinema argentino larga com uma vantagem muito grande pelo fato de ter excelentes roteiristas. Os filmes ainda tem a incrível característica de serem escritos antes de serem filmados. Por esta razão, as histórias são simplesmente contadas, sem a pretensão explícita de ser politicamente corretos, de abrigar uma causa ou de tentar explicar nossos eternos problemas existenciais.

Outro ponto marcante é o humor: simples e direto. Ainda me lembro do diálogo de Laura (Soledad Villamill) e Jorge (Ricardo Darin) no filme de estréia do oscarizado Campanella em “O Mesmo Amor, a Mesma Chuva”.  Diz Laura: “Li seus textos, você tem um que de Cortazar”.

Responde Jorge: “Um pôster. De Cortazar tenho um pôster”.

Em termos de música, o maestro Piazzolla costumava dizer – e o Horta registra no seu artigo – que os argentinos faziam música europeia e os brasileiros tem o impacto da negritude. Nada mais verdadeiro.

Pessoalmente acho que boa música não tem nacionalidade, influência e outros quetais. Odeio análises sociológicas. Para mim, parodiando o grande Rossini, existem apenas dois tipos de música: a boa e a ruim. E até nisso somos iguais, nós latino-americanos, temos boa música e muita música ruim, com batucada ou bandoneon.

Dica preciosa!

Havana: bandeiras cubanas diante da embaixada dos Estados Unidos
Foto: Nina Briguglio (01/2012)



Para os amigos que me pedem o caminho das pedras para viajar a Cuba, seguem os dados da Sanchat Tour. Uma preciosa operadora de turismo. Coisa rara nestes tempos. Além do Caribe, a Daniela oferece seus serviços competentes para vários destinos na América do Sul, nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente. Em nome da minha família, Dani, muito obrigado pela competência. Fomos tratados com o máximo de civilidade e a viagem foi perfeita.

Daniela Duregger
Sanchat Tour Operadora
11.30173140 e 11.32588859
daniela@sanchattour.com.br





sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ah! Estes franceses...




Salão do Lucas Carton, em Madeleine: um dos melhores restaurantes do mundo



Um inquietante documentário de Max Ophuls, dos anos 60, com mais de seis horas de duração, mostra que a classe média francesa não estava tão desconfortável com a ocupação nazista, o governo de Vichy, etc... De fato, nada pode ser mais insuportável do que um francês médio e seu ar de superioridade, que com o andamento da economia europeia, é tão falso como o ânimo de libertação pós 6 de junho de 1944.

Com uma frente fria que nos fez lembrar que afinal é inverno no Hemisfério Norte, o café da manhã aqui em Varadero passou a ser concorrido. Uma francesa gorda ficou chocada com o fato de que nenhum de nós falava ou queria falar francês e ela não falava uma palavra de nenhum outro idioma. Comportava-se como uma selvagem, agredia os funcionários, os outros hóspedes. Um escândalo!

Dois franceses que conversavam animadamente no meio do salão do café, interditando a passagem das pessoas, ficaram incomodados porque eu pedi passagem. Falei em francês, excuse moi. E eles sequer se mexeram. Falei em inglês, excuse me, e eles continuaram impávidos. Falei em espanhol, permiso, e nada. Então apelei para o velho idioma da pátria mãe: VATE A FANCULLO!

Nem assim!

Certa vez, estava em Paris, hospedado com a Rosa e o Celso Furtado, e quando saímos, atrasados para uma entrevista, havia uma carroça cheia de cerejas maravilhosas bem na frente de nosso prédio. Enchi a boca d’água, mas a Rosa, sempre ciosa, lembrou-me que estávamos atrasados e que a carroça não sairia dali antes do final do dia.

Quando voltamos era a hora do almoço, pedi ao vendedor um saquinho enorme de cerejas. Mas, ele me mostrou o relógio de pulso (eram 12 horas) e me respondeu: “C’est fini!”

Outra história marcante foi quando decidi comprar uma camiseta Lacoste, a clássica branca, com o jacaré bordado no peito. Na época só se encontrava aquela camiseta na França. Fui a uma loja diante do Louvre e pedi uma número 4. A vendedora, que também parecia ser a dona da loja, me disse que quatro era muito grande. Que para mim deveria ser número dois. Insisti que era número quatro. Inconformada ela chamou uma vendedora que falava português, ainda que eu me expresse muito bem em francês.

Era uma portuguesa, uber antipática, que voltou com a lenga-lenga de que quatro era muito grande e que o meu tamanho ideal era dois. Em algum momento, eu disse que não queria comprar a dois e sim a quatro. Pois tive que me dirigir a uma outra loja. Naquela a proprietária só me venderia a número dois.

Outra vez, fui a Paris a convite da Renault, um boca livre total. Antes, meu amigo Massimo Ferrari havia me recomendado que fosse jantar no mais famoso bistrô do mundo, o Lucas Carton, em Madeleine. Não só me recomendou como me deu um cartão me apresentando ao célebre chef de cuisine.

Fui recebido em Paris pela francesa mais chata, mais pernóstica, mais metida que havia em toda a França. Ainda que ela falasse um pouco de português, passou o tempo todo lembrando da minha condição de filho de imigrantes europeus, de subdesenvolvido, de colonizado e assim por diante. Comentava os meus trajes – invariavelmente inapropriados – meus modos e dizia sempre que eu me comportava como um selvagem.

Além de me irritar profundamente e estragar a minha viagem, a tal francesa fez brotar em mim um sentimento de revolta e de revanche. Na tarde do último dia, depois da entrevista com o presidente da empresa que, aliás, anunciava seu desejo de investir no Brasil, assumi meu papel de bocó e convidei-a para jantar.

A francesa me pegou no hotel as 21 horas, com aquele ar de superioridade. Reclamou que eu usava jeans com um palito de tweed e me perguntou onde eu queria jantar. Quando disse que queria ir no Lucas Carton, ela explodiu em uma gargalhada debochada.

- Você está louco? Neste local tem que fazer reserva com um ano de antecedência. É caríssimo. Eu mesma nunca fui lá.

Eu insisti e ela com visível mal humor concordou em encaminhar-se para o restaurante, sem antes me avisar de que eu pagaria o maior mico.

Quando chegamos ao restaurante, saquei o cartão do Massimo. Alguns minutos depois apareceu o próprio Lucas, para me abraçar e pedir informações sobre o amigo que vivia no Brasil. Nos encaminhou para uma ante-sala de sua cozinha, onde mandou preparar uma mesa especial. Serviu-nos uma amostra de todos os seus pratos e um vinho de 18 anos, um Bordeaux, sensacional. Ao final do jantar, sentou-se a mesa para partilhar um café e uma taça de Armagnac. Elogiou o meu gosto pela comida, ficou orgulhoso. Preparou uma sacola com temperos e iguarias.

A pentelha mudou completamente de postura. Agora me lançava olhares perturbadores, talvez pelo efeito do vinho e do Armagnac. Quando chegamos na porta do hotel, ela estacionou o carro em local apropriado e me perguntou:

- Me convida para um café?

- Não. Muito obrigado pela companhia do jantar.

Abri a porta e desapareci. 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Literatura, beisebol e um jantar incomparável


A vida  me ensinou que a gente encontra a expressão da existência nos locais mais inesperados. A senhora Maria Elvira Acosta Castillo provavelmente passaria desapercebida em qualquer lugar do mundo.  Filha de uma família de camponeses, ela saiu do campo e foi para Havana em busca de uma melhor formação cultural e uma resposta que satisfizesse sua inquietação. Transformou-se em professora do ensino fundamental.

Sempre gostou da arte de juntar palavras e pensamentos. E nesse mister escreveu um conto mágico que falava de si mesma, dos sonhos revolucionários e da ambição de uma Cuba livre e democrática. Motivada pelo esposo Ed, decidiu inscrever o seu trabalho no Concurso Hemingway, de contos e novelas. E foi premiada com o primeiro prêmio.

Em Cuba, este feito notável não foi suficiente para leva-la ao programa do Faustão. Ela voltou a rotina de professora e mãe. Junto com o filho Yordano e Ed decidiram criar um Paladar, um restaurante familiar típico de Havana.

Tivemos o privilégio de compartilhar um jantar especialmente preparado por dona Elvira. Deliciosos camarões e lagostas preparados a moda criolla, que deixaram as meninas extasiadas com a qualidade dos alimentos. Eu um pouquinho mais radical preferi as costillas de cerdo com bolinhos de malanga, que eu confesso não consegui identificar até agora do que se tratava, mas que eram saborosíssimos, sem dúvida.

De quebra, esta senhora de 50 e poucos anos, rosto marcante, pequena, de pele cor de café com leite, e os olhos vivos e atentos, nos premiou com uma edição de seu novo trabalho: um livro infantil chamado El Aguacero Mágico, que começa assim:

“Llueve em el Caney de las Mercedes y por todo el lomerío solo se escucha el repicar de las gotas de lluvia. De las montañas bajan pequenos torrentes que van al encuentro del gran rio, mientras em sus nidos y madrigueras, los habitantes del monte esperan com paciência a que cesse la lluvia. Para ellos es uma bendicion, porque cuando el campo florece el monte se llena de um verde nuevo que da gusto, el amigo rio crece y canta alegre avisándoles a todos que habrá agua limpia y suficiente para los próximos meses.

Tambien los niños del Caney de las Mercedes reciben el aguaceiro com la alegria de quien va a um compleaños. Y es que em verdade la lluvia es el mejor regalo que se le puede hacer a la querida Mamá Tierra. Por eso a los niños les encanta jugar bajo la lluvia, correr entre los charcos y nadar em los arroyos que bajan de las lomas. Ah, pero cuando sus padres los llamam poniendo fin a la diversion y deben resignarse a mirar el agua caer desde sua ventana, el tic-toc de las gotas se vuelve monótono y las caritas languidecen em mil bostezos de aburrimiento” .....

Foi um grande noite. Um jantar melhor ainda, marcado também pela paixão e pelas histórias de Ed e Yordano. O velho um veterano lançador, o jovem um potente primeira base, possuidor de uma direita espetacular. Nas ruas de Havana, os meninos se entreguem com paixão ao beisebol. Passado o tempo de divertir-se, lotam as bibliotecas públicas para se deliciar com a literatura de todo o mundo.

Cuba é realmente um país fantástico!


O anjo do Caribe


Ivelise é uma jovem bartender cubana que aceitou meu desafio e preparou-me o célebre Banana Daiquiri. O mais típico coquetel cubano, o mais saboroso e o mais difícil de ser preparado.
Com mãos de fada e uma agilidade de uma gazela, ela se movimentou com tal competência entre as garrafas que faria Tom Cruise transformar-se em um relés fazedor de caipirinhas.
Para quem não sabe, o Banana Daiquiri recebe em sua formulação: gelo picado, suco de limão, açúcar, ron branco, triple sec, licor de plátano e uma banana . Tudo isso batido no liquificador, servido em uma taça de margarida e decorado com hierva buena (hortelã).
Sorvi aos goles. Ivelise é linda, com sua habilidade promove as melhores viagens. E desafia: “aceito qualquer desafio”. Alguém se habilita?