quarta-feira, 18 de abril de 2012

Uma história muito bem contada





Alguém já disse que um bom filme é apenas uma história bem contada. Além disso, trata-se de efeitos especiais. Manobras bem colocadas para manter a atenção do espectador. Neste sentido, Hermanas, de Julia Solomonoff, de 2005, é um filme sensível, marcante, capaz de provocar reflexões e emoções.

Pode-se querer mais de um filme?

Entre os produtores está o brasileiro Walter Salles. O filme, protótipo do moderno cinema argentino, ganhou uma exibição relâmpago na HBO, jamais foi mostrado em salas de cinema brasileiras, e está disponível apenas na internet (http://www.enterplay.com.br/filme/hermanas-10049.htm). Nem mesmo em Buenos Aires se consegue uma cópia em DVD.

Mas, trata-se de um potente recado da civilização latino-americana: aqueles que nos ultrajaram, que nos envergonharam e se acovardaram nos anos negros da ditadura, fizeram muito mais do que matar e trair jovens idealistas. Incutiram um gérmen de horror no seio de famílias constituídas e fixaram o remorso e a culpa em toda uma geração.

A direção de Julia Solomonoff é soberba. A fotografia e a trilha sonora discretas. O que explode na tela é a genial interpretação de Valéria Bertuccelli e de Ingrid Rubio ao texto da próprio Julia. Em uma palavra: envolvente.

Trata-se de uma história narrada em flash back a partir de uma visita de uma irmã jornalista que vivia na Espanha a outra que vivia no interior do Texas. As duas não se viam há oito anos, mais precisamente no momento em que uma delas teve que fugir da Argentina pelo Uruguay. Entre elas a imagem do pai, um velho professor de literatura, simpatizante de idéias socialistas, o seqüestro e a morte de um namorado, o nascimento de Thomas e a utopia Montonera.

Vi muitos filmes sobre os anos de chumbo na América Latina. Dois me tocaram muito: O Batismo de Sangue, do meu irmão Helvécio Ratton, e Cabra Cega do meu outro irmão, Toni Venturi. São dois clássicos que não tiveram o reconhecimento que mereciam no Brasil. Ao que parece, este Hermanas enfrentou o mesmo paradoxo na Argentina.

É uma pena! Brasileiros, argentinos, chilenos, paraguaios, todos nós enfim, devíamos refletir um pouco mais sobre o período em que todos fomos vítimas.


domingo, 15 de abril de 2012

Zitti, zitti, piano é piano, per la scada del balcone presto andiamo via di qua

O Canal do Panamá: risco de ser entupido por um navio carregado de maizena



Embora a quadrinha da canção de Rossini exploda na minha cabeça, só eu a ouço. Clara e perfeita, muito embora as emoções dos dois últimos dias, fuso horário, altitude, chile, tremores e tudo o mais tenham me provocado uma certa confusão mental. Notadamente quando meus olhos teimam em fechar e meus ouvidos em ouvir a rossiniana, ou uma canção de Eric Satie, debochada e cínica, dedicada a seu cachorro.

Este voo do Panamá para Brasília é bem um retrato dos tempos atuais. Um bando de arrogantes e pançudos desfilam seus tênis Nike e seus agasalhos Nike, desde o momento de embarcar. Afinal, todos devem ou deviam saber que Miami é o limite. Há muitos imbecis que vão a Flórida fazer compras. Um jornal no México anunciava cérebros Nike, pré=lavados, stone washed, por pouco mais de US$ 4.000.

Mas, havia até mesmo uma excursão de senhoras da melhor idade que haviam se divertido muito em Managuá. Outras haviam ido a Tegucigalpa e outras ainda a Guatemala City. No aeroporto do Panamá encontrei o agente secreto Lyte Inpó, o último remanescente da guerra-fria, a quem se atribui toda a inspiração para Ian Flemming criar vocês sabem, tan-taratantaratan.....

Lyte Inpó me disse a queima roupa que o estilo Bond Girl não está com nada. Corpos malhados, bem torneados, cabelos bem penteados, olhos claros e fixos, seios firmes, ombros largos.

- Já era – sentencia Lyte. Agora o que sobra são as sexagenárias, ou quase.

Lyte, você enlouqueceu, disse eu. É como se em From Russian with Love, vocês sabem, nosso herói em vez de ficar com aquela italiana deslumbrante Daniella Bianchi, ficasse com a coronel sapatão soviética, interpretado por Lotte Lenya.

Ainda ponderei com Lyte que nem sempre juventude e frescor querem dizer alguma coisa, embora pessoalmente – podem me chamar de cruel – eu pense exatamente isso. O grande agente, entretanto, explicou-me de essência da experiência, da vivência de uma geração extraordinária e começou a descrever Mata Hari, vocês sabem, a agente dupla da primeira guerra.

Lyte me contou que investigava uma trama da Spectre para explodir o Canal do Panamá, ou na melhor das hipóteses entupir a ligação com um navio carregado de conteiners todos eles carregados com biscoito Maisena. A CIA havia identificado um estranho navio liberiano na fila para passar do Pacífico para o Atlântico, ou seja da Cidade do Panamá para o porto de Colon.

Embora Lyte fosse muito jovem, ele estava na segurança do presidente Theodore Roosevelt quando os americanos tomaram este pedaço de terra à Colômbia e começaram a construir o canal. O início das obras foi um problema muito sério. Não se sabia por onde começar: se do Pacífico para o Atlântico ou do Atlântico para o Pacífico. O assunto mereceu um discurso enorme do senador Jayme Mole, do Alabama. Mas, a situação só foi resolvida quando a Casa Branca decidiu consultar um comitê de engenheiros, que até hoje ainda não decidiu por onde começar. Ao acionar o comitê, a Casa Branca mexeu no FBI do então jovem canalha J Edgar e consequentemente, vocês sabem......

Nosso agente preferido inspirou-se na brilhante lógica portuguesa e a obra foi iniciada do meio para os lados em duas frentes simultâneas. Elementar meu caro Watson, diria aquele rábula de Baker Street.

Alguém aqui do lado assopra que falta apenas duas horas e meia. Ou seja, estamos sobre Manaus, a emblemática distância padrão de Brasilia.

Lyte ficou no Panamá. Ia passar a noite no convés de um barco para conferir a ordem das passagens das embarcações pelo canal. Só não sabia se faria isso no lado do Pacífico ou no lado do Atlântico e dizia não entender porque os americanos não fizeram um canal com duas mãos de direção, o que pouparia muito trabalho.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

É hora de pensar a América Latina

Graham Greene: católico em busca da culpa de seus personagens


Hemingway e Fidel: momento chave de confronto com os Estados Unidos





Graham Greene e Ernest Hemingway encontraram-se em Havana, quando Carol Reed dirigia Our Man in Havana, escrito em 1958 e filmado no ano seguinte. Ernie tinha muito respeito pelo colega britânico e levou-o à Finca para alguns drinques, é claro.

Impressionante é que esta conversa representou uma clara interferência do americano na temática do inglês. Com efeito, há uma evidente linha hemingwayana em Os Comediantes, de 1966, que denuncia a ditadura Duvalier no Haiti. E, de alguma maneira, também se pode sentir a força do amigo, em O Consul Honorário (1973), passado no Paraguay, e O Fator Humano (1978), passado na África do Sul.

Greene é uma espécie de antítese de Hemingway. O britânico, católico assumido e juramentado, trabalha com a culpa de seus personagens. Era um tipo bastante contido, crítico e moralista. Chega a ser surpreendente o seu famoso romance The Quiet American (1955) passado no Vietnam, ainda ocupado pelos franceses.

Hemingway, ao contrário, era um daqueles seres que tira o melhor de sua vida. E que ao constatar que a vida já não lhe poderia oferecer nada, prefere a solução do suicídio.

É bem provável que em meio aos coquetéis que tomaram em Cuba, falaram sobre os rebeldes de Sierra Maestra, o fim de Batista, e o futuro do Caribe e da América Latina. Os dois são escritores brilhantes, jornalistas competentes e engajados. Diferentes entre si como azeite e vinagre, mas que se complementam perfeitamente ao temperar uma salada.

Assaltou-me a lembrança do encontro dos dois, aqui na Cidade do México, no momento em que estou reunido com representantes de 11 países latino-americanos para discutir temas relevantes sobre educação. Neste momento, alguns dos principais dirigentes do continente se dirigem a Cartagena, na Colômbia, para a Cumbre de las Américas, uma vez mais sem Cuba. Sem Chavez, que segundo as informações, estaria agonizando em Havana, vítima de um câncer. Sem Rafael Correa, que anunciou sua falta como protesto.

Acho que falta a nossos dirigentes políticos raciocinar mais com a cabeça e menos com o próprio umbigo. O cenário internacional nunca esteve tão favorável a América Latina. E, neste momento, tratamos de cuidar de nossas vaidades nacionais e deixamos de pensar grande. Sinto falta de gente como Ernie e como Greene, que eram capazes de tratar de temas tão raros como a ditadura Papa Doc, no Haiti, ou o nascimento da dinastia Stroessner, no Paraguay.

Não sou ingênuo a ponto de acreditar que uma reunião de chefes de governo e de estado na aprazível Cartagena de las Indias vá propor uma mudança no confronto de forças políticas. Para isso existem os diplomatas: impedir que aconteça alguma coisa em um encontro deste tipo.

Não vai acontecer nada. Obama prometeu mas não vai sequer sinalizar com qualquer ação relativa ao bloqueio a Cuba. Até porque está preocupado com suas própria reeleição.  Cristina está as voltas com polêmicas tremendas como a crise Repsol e a balança de pagamentos, sobretudo com o Brasil. Os mexicanos estão preocupados com sua eleição presidencial em julho e a sensação que me passam é que farão de tudo para não brigar com seus vizinhos ao Norte.

Estamos encrencados. No Seminário da Escola Interamericana de Governo, que me trouxe ao México, 20 anos depois, a questão toda é: para que avaliar professores, se não avaliamos os estudantes. E o que faremos com os resultados desta avaliação?

Não importa. Quem sabe não importamos professores da China ou da Índia? 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A revolução da cachaça


Bourbon e caipirinha: nada a ver



Os portais de conteúdo brasileiros comentam que, da visita de Dilma Rousseff a Barack Obama, em Washington, Estados Unidos e Brasil chegaram a um acordo que protege as denominações bourbon, whisky do Tennessee e cachaça. Isso quer dizer que os dois países identificaram agora a bebida americana como destilado feito nos Estados Unidos e consequentemente a nossa boa e velha pinga como destilado feito no Brasil.

Vou me abster de comentar a importância brutal de medida desta envergadura. Apenas quero avisar que esta história de álcool americano é muito, mas muito sério.

Quem está rindo, por favor, contenha o riso.

A revolução americana, aquela que construiu o país de gente brava e implementou a revolução liberal no século XVIII, não teve nada a ver com o chá, como consta da maioria dos ingênuos compêndios escolares. Ninguém promoveria uma revolução sangrenta e organizaria um país contra vontade de uma metrópole como a Inglaterra, por conta de chá.

A razão de tudo foi a insistência das colônias americanas em produzir o seu próprio álcool. Como o Reino Unido tinha o monopólio da distribuição de whisky escocês, gin e até do rum subtraído de suas colônias do Caribe, os produtores das colônias ao norte eram obrigados a pagar até 98% de impostos para produzir a sua própria bebida.

Foi uma encrenca danada.

George Washington: o pai da pátria era um tremendo cachaceiro
O general George Washington, como todos os colonos virginianos, tinha o hábito de produzir uma garapa de maçã, colocá-la em um galão de metal e submergi-la nas águas frias dos rios locais. Com o inverno rigoroso, os rios congelavam. Como se sabe, a água congela a zero grau e o álcool a 36. Portanto, os pequenos tonéis eram retirados, o gelo jogado fora, e o precioso líquido resultante era um puríssimo álcool de maças destilado a frio.

Benjamin Franklin, apenas para citar um outro pai da pátria deles, é claro, costumava destilar um fermentado de milho, que depois era misturado com um destilado múltiplo, até de batatas, o que gerava um sour mash potentíssimo, e muito apreciado.

A despeito do que os burocratas decidiram em Washington hoje, os americanos não produzem whisky. Apenas whiskey. Não copiam a fórmula dos escoceses, nem mesmo dos irlandeses. Destilam milho, cevada e outros cereais. Não envelhecem a bebida em tonéis que serviram para envelhecer jerez. Fazem outra bebida.

Aliás muito boa. E tem mais. Bourbon é o whiskey produzido apenas e exclusivamente no condado de Kentucky. Jack Daniels é produzido no Tennessee.

Whisky escocês é defumado e portanto não mistura bem. Bourbons e Daniels misturam magnificamente com vermute e outras bebidas.

Experimentem tomar um Manhattan com scotch. É intragável. Repitam a operação com Jim Bean ou com Four Roses, é outra coisa.

Agora que diabos isso tem a ver com a aguardente de cana produzida no Brasil?
Nossa cachaça é um eau de vie de cana. Algumas são realmente muito boas. Devem ser servidas em cálices. Prestam-se a um excelente coquetel com frutas, preferencialmente limão, açúcar e gelo, chamado de caipirinha.

Nada a ver com o rum caribenho, uma bebida tremendamente mais sofisticada. E muito menos com a vodka, que é um destilado de cereais, completamente neutro. A pinga pelo baixo teor alcoólico ainda guarda severos acentos da cana de açúcar, o que não raro interfere nas misturas.

Será que... Não deixa para lá!   

sábado, 7 de abril de 2012

Comando e auto-afirmação


Tatcher: final solitário e demente. Um retrato na parede


Reza a lenda que o mitológico maestro Arturo Toscanini tinha uma relação de amor e ódio com os músicos capaz de tornar seus ensaios verdadeiras tertúlias. Aliás, o célebre maestro italiano praticava as vezes por 12 ou 16 horas contínuas. Exigia perfeição do spalla ao triângulo e repetia, repetia, repetia, até que seus ouvidos dessem conformidade ao som emitido.

Maestros de uma maneira geral são seres complicados. Vivem diante de um dilema cruel: exigir a perfeição de um grupo de 40, 80, 120 ou mais músicos. Precisam convencer a todos da sua forma de ler a partitura do compositor e precisam de muita clareza, muito domínio da comunicação para se fazerem entender.

Toscanini era um gigante. Sir Thomas Beecham também. Mas, o inglês era adepto de outro estilo, mais afeito a camaradagem. Minucioso preferia conversar com o naipe todo, ou com um músico em especial, invariavelmente atingia resultados impressionantes.

Qualquer estudante do comportamento humano sentenciará que o problema todo está na auto-afirmação do líder. E vamos combinar que Toscanini não precisava disso, nem Beecham. Mas, o italiano gostava de provocar terror nos músicos, parecia se divertir com isso. E o britânico, ao contrário, curtia muito a popularidade que granjeava entre as estantes.

Esta contraposição entre comportamentos de líderes me assaltou na noite de ontem depois de assistir a Dama de Ferro, o filme que conta a história da ex-primeira ministra britânica, Margareth Tatcher.

Não gosto do personagem. Não gosto da história que ela protagonizou. E não entendi porque diabos fizeram um filme sobre ela. Ainda que Meryl Streep seja, seguramente, a maior atriz contemporânea, e tenha ganhado o Oscar deste ano, não estava nos meus planos engordar a bilheteria de uma produção destas.

O filme, entretanto, me surpreendeu. Muito bem feito, mostra como uma filha única de um dono de um armazém, conservador e reacionário, chegou a 10, Downing Street, com um diploma de Oxford e desmonta por completo o aparato social britânico, gera desemprego, fome e desespero.

A diretora Phyllida Lloyd nos apresenta uma Tatcher arrogante e prepotente. Obcecada por se afirmar como mulher em um ambiente predominantemente masculino. Mais que isso, uma “nerd” pronta para tirar a diferença de suas contemporâneas, mais mundanas, enquanto ela se atracava no armazém do pai e na carreira em Oxford.

Tatcher é mostrada, depois de deixar o governo, demente, solitária, animada apenas por reuniões com amigos fúteis e com problemas de relacionamento com os filhos. Um retrato frio e sem graça nas paredes de 10, Downing Street. A única exceção é o marido Denis, maravilhosamente interpretado por Jim Broadment.

Ao longo de 40 anos de carreira, trabalhei com geniosos geniais, geniais não tão geniosos e geniosos, apenas geniosos que não tinham nenhum risco de genialidade. Quem me conhece sabe que eu não sou lá muito fácil. Aliás, o Roberto Stuckert, o pai, certa vez me disse que eu sou “malvado”.

Nem tanto. O folclore registra alguns casos, rigorosamente verdadeiros. Um deles, o mais engraçado, é da estagiária que tropeça comigo quando eu chegava para trabalhar. Naquela manhã me assaltara a vontade de delegar-lhe uma missão, que eu confesso não me lembro qual era. O certo é que eu cumprimentei-a com a frase:

- Oi, você não vai embora hoje sem falar comigo, ta?

A menina passou um dia de horror, sob uma tensão tão grande, que acabou vítima de uma tremenda hemorragia menstrual.

Normalmente a incapacidade ou dificuldade de realizar uma tarefa não me incomoda. Chamo aqui o testemunho de tantos e quantos que trabalharam comigo e que conviveram com a maior camaradagem. Quantas vezes eu não fiquei horas e horas refazendo trabalhos e mostrando como eu queria que fossem feitos.

Entretanto, não tolero a tentativa de golpe. Não suporto a enganação. E se há uma coisa que me provoca a síndrome de Toscanini, é a esperteza, o se aproveitar de um colega, a falta de envolvimento com o trabalho.

Há muitos que me perguntam o que mudou do governo Lula para o governo Dilma tenho respondido: mudou o clima e a qualidade das relações. Há agora uma tensão sempre presente. 

É verdade que entre Dilma e Tatcher há o Grand Canyon Colorado e um abismo do tamanho do Oceano Atlântico. O governo brasileiro não tem nenhum ponto de contato com o monetarismo e o ultra-liberalismo da Dama de Ferro. Mas, estas diferenças também poderiam se aplicar na relação com as pessoas que se dedicam com afinco a trabalhar para o Estado. Teríamos muito a ganhar. Como dizia o grande Guevara: “Hay que endurecer sin perder la ternura jamas!”. 

terça-feira, 3 de abril de 2012

Las Malvinas son argentinas!


Dr.Fantástico: realidade ou ficção? Como o mundo não sucumbiu a hecatombe?



De tantas aventuras jornalísticas de que eu participei, a cobertura da Guerra das Malvinas foi, de longe, a que mais me ensinou. Li no final de semana, que relatórios sigilosos da inteligência militar brasileira davam conta de duas implicações curiosas: a) os militares e o governo militar brasileiro temiam pela sovietização da Argentina e b) temia também que um ataque britânico ao continente deflagrasse um espírito de revolta em todos os países o que poderia levar a um conflito de proporções inimagináveis.

São mesmo duas pérolas. Assisti a gênese disso tudo. Eu estava chegando de uma larga temporada na Patagônia e recebi o recado ainda no Aeroparque de que deveria me deslocar diretamente para a Embaixada Brasileira, onde o adido militar, um certo coronel Gaudi Lei, concedia uma entrevista coletiva. Tratava-se de um episódio insólito, ainda que ele falasse só para os coleguinhas brasileiros.

Quando cheguei à embaixada, meu compadre José Meirelles já estava a postos. O tal coronel iniciou sua apresentação revelando informações segundo as quais os ingleses pretendiam minar toda a foz do rio da Prata, como retaliação a qualquer revés no chamado Teatro de Operações, vale dizer no entorno do arquipélago das Falklands, como ele dizia. Mais: os Sea Harriers embarcados nos porta aviões britânicos  iriam bombardear Buenos Aires, como forma de pressionar o governo argentino a retirar seus soldados das ilhas.

O relato do tal coronel, pelo visto, foi encaminhado para Brasília e alguém aqui deu tratos à bola. De tal sorte, que o presidente João Baptista Figueiredo, que tanto dignificou a inteligência eqüina chegou a abordar o assunto com o secretário de Estado americano Alexander Haig e com aquela outra sumidade que ocupava a Casa Branca, Ronald Reagan. Um salão oval bastante tenso ouviu os três concordarem que os ingleses deveriam agir com moderação e que tentariam um contato com a premiere Margareth Thatcher.

Não raro eu me surpreendo perplexo com o fato de que tantas sumidades no comando de arsenais nucleares tão potentes conseguiram a proeza de não acabar com a humanidade. É como se o Dr.Fantástico, do Stanley Kubrick, na verdade, não tratasse de uma ficção, mas da vida real.

Quanto a sovietização argentina, só pode ser piada. A União Soviética em 1982, comandada pelo comissário Yuri Andropov, ex-chefe da KGB, já vivia os estertores do império. Com muito custo a URSS mandou uma fragata com três radares aéreos obsoletos como forma de ajuda para a defesa das Malvinas. Mas, tiveram a precaução de mandar o navio pelo Pacífico, a partir do porto de Vladivostok, a uma velocidade espantosa. De sorte que quando aportaram em Punta Arenas, no Chile, a vaca argentina já havia se enterrado até os chifres.

Pior, o navio zarpou de Punta Arenas com a missão de atravessar o Estreito de Magalhães, mas nunca foi visto no Atlântico.

Quando eu desembarquei em Buenos Aires, no dia 4 de abril de 1982, eu tinha apenas uma certeza: a ditadura argentina, animada pelos jarrões de vinho de Galtieri ou não, havia dado um passo fatal. Não tinha mais como voltar atrás. Qualquer que fosse o resultado, o bumbo peronista havia batido de novo na Plaza de Mayo. Os militares não sobreviveriam.

Apesar das trapalhadas dos generais e do chanceler Nicanor Costa Mendes, da incompetência dos comandantes militares do pomposo Teatro de Operações, os argentinos lutaram com galhardia. Foram humilhados. Mas, contaram várias histórias de bravura, como a do capitão de um Pucara (um pequeno avião turbo hélice fabricado em Córdoba), que entregou uma bomba de 500 quilos no convés de um porta aviões, o Atlantic Conveyour e o pôs a pique na entrada do canal das Malvinas. Ou dos comandantes dos poderosos Daggers (Mirages montados em Israel) que voavam tão baixo para escapar dos radares da frota britânica e eram vítimas da maresia que embassava as cabines, obrigando-os a voltar para suas bases navegando por instrumentos. 

Malvinas: só cabras, pedras e frio
Uma dúvida ainda me assalta: por que diabos os ingleses mandaram uma força militar daquelas proporções para manter a soberania de um arquipélago habitado por menos de mil kelpers, onde só havia cabras e pedras, um frio descomunal, um mar tremendamente agitado por um vento absurdo que nunca parava? Alguém que fez as contas, garante que o dinheiro dispendido daria para dar um castelo na Escócia para cada habitante e pagar uma pensão mensal de cinco mil libras para cada um pelo resto da vida.

Para concluir. O presidente Rafael Correa, do Equador, ao recusar sua viagem a Cúpula das Américas, na Colômbia, colocou merthiolate nas duas feridas ainda abertas na América Latina: o bloqueio a Cuba e o domínio colonialista britânico nas Malvinas.