sexta-feira, 29 de junho de 2012

O neogolpismo na América Latina



Fernando Lugo: problemas políticos ou de representatividade?




Bom, atendendo a pedidos, muitos, vamos lá. A inépcia do governo do presidente Fernando Lugo, do nosso vizinho Guarany, não chega a ser uma novidade. Nem o fato de que, para um bispo, ainda que paraguaio, o seu comportamento passava muito longe da instituição do celibato. Também não é segredo para ninguém que os americanos (sempre eles!) querem porque querem uma base da Força Aérea em Estigarribia, com certeza para encher bem o saco do presidente Evo Morales e de nós todos sulamericanos.

Lugo imaginava também aproveitar a instabilidade titular dos brasiguaios na região da fronteira para empreender uma reforma agrária, ainda que meia-boca. Bah! Isso tudo era sabido até pelas colunas da ponte da Amizade. A novidade da história é que todos os presidentes sulamericanos tenham se surpreendido com a reação a isso, no último dia da defunta Rio + 20. Onde será que as diplomacias de Chile, Argentina, Uruguay, Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Venezuela e Colômbia estavam? Tomando terere?

Um presidente que toma um impedimento do Parlamento com apenas cinco votos de defesa ( 1 na Câmara e 4 no Senado), não tem apenas problemas políticos. Tem problema de representação. Meu guru Samuel Pinheiro Guimarães renunciou a secretaria-geral do MERCOSUL e deu esta entrevista elucidatória sobre o tema, para a grande Eleonora de Lucena, da Folha de São Paulo, publicada hoje. Prefiro reproduzi-la na íntegra e acabar logo com o assunto.



Diplomata vê onda neogolpista na América do Sul


Para Samuel Pinheiro Guimarães, novo presidente paraguaio, Federico Franco, representa oligarquia agrária

ELEONORA DE LUCENA

DE SÃOPAULO


Samuel: reação aos governos populares
Foi golpe o que ocorreu no Paraguai. As classes tradicionais hegemônicas promovem um neogolpismo na América do Sul e a democracia está em risco na região. Fernando Lugo caiu porque queria fazer uma reforma agrária que contrariava interesses. A visão é do diplomata brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães Neto, que está deixando o cargo de alto representante do Mercosul. A entrevista foi dada antes de ele anunciar sua saída.Para ele, o novo presidente, Federico Franco, representa a oligarquia agrária, interesses ligados ao contrabando e é defensor de ligações mais estreitas com os EUA.
Folha - Como o sr. define o que ocorreu no Paraguai?
Samuel Pinheiro Guimarães Neto - Foi golpe. Há um neogolpismo na América do Sul, promovido pelas classes tradicionais hegemônicas que enfrentam governos populares.
Essas classes tradicionais, diante da vitória de candidatos progressistas, constroem toda uma teoria de que foram eleitos, mas não governam democraticamente; de que fazem políticas populistas; de que são contra a liberdade de imprensa (deles) e assim por diante.
Constroem e favorecem na sua mídia uma imagem de que tais governos são na realidade ditaduras e criam o clima para sua derrubada, com auxílio muitas vezes externo.
O que está por trás da queda de Lugo? Os apoiadores dele afirmam que ele caiu porque contrariou fortes interesses.
Essa análise faz sentido?
A reforma agrária pretendida pelo governo Lugo seria uma das principais razões para o golpe, assim como o inicio do movimento popular para reformar o sistema eleitoral de listas fechadas que beneficia oligarquias agrárias e corruptas ligadas ao "comércio" exterior.
Certamente, a queda de Lugo não contraria a política exterior americana, assim como a erosão do poder e da unidade do Mercosul e o enfraquecimento dos governos progressistas do Uruguai, do Brasil e da Argentina.
O projeto dos EUA para a América do Sul não é o Mercosul, e sim as "mini-Alcas" bilaterais, Aliança do Pacifico.
Quais são os interesses representados por Franco?
Franco representa os interesses da oligarquia agrária, representados pelos partidos tradicionais, liberal e conservador, e os interesses ligados ao comércio exterior informal, ao contrabando.
Além disso, é conhecido defensor de relações mais estreitas do Paraguai com os EUA e da celebração de um acordo de livre-comércio.
A reação popular ficou aquém do esperado?
A reação dos movimentos populares, tomados de surpresa pelo golpe, não foi divulgada. Todavia, é certo que o apoio popular ao governo de Fernando Lugo no Paraguai é amplo e sua nova resistência ao golpe mobilizará esses movimentos.
A democracia está em risco na América Latina?
Sim, permanentemente. A América Latina é o continente de maior concentração de renda do mundo. Em regimes democráticos, candidatos progressistas são eleitos para cargos majoritários (presidentes), enquanto os que representam as classes hegemônicas tradicionais controlam os Legislativos.
A tentativa de realizar programas sociais, que implicam distribuição de renda, encontra forte resistência e aí começam manobras do neogolpismo.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Rio + US$ 14 bilhões

 


Rafael Correa: se querem preservar terão que pagar



Se há uma coisa que me aborrece são estes happenings gigantescos que se propõe a solucionar os grandes problemas do mundo e não passam de panacéias para animar minorias e seus interesses específicos. Nunca emprestei muito crédito a Organização das Nações Unidas, sobretudo depois da palhaçada sanguinária que eles permitiram em Ruanda, onde um burocrata poderia ter evitado um holocausto, mas não fez.

Aliás, a ONU sempre serviu para ser uma grande fábrica de espuma, embora através de suas agências, a UNESCO, a UNICEF e tantas outras se disponha a resolver os grandes problemas do mundo. E é claro, desde que os países pobres se disponham a canalizar seus recursos para financiá-los.

Por esta razão não me surpreende que a Rio + 20 tenha sido um retumbante fracasso. Bem andou a presidente Dilma: “Desenvolvimento sustentável é a erradicação da miséria. É assegurar os direitos republicanos a educação e a saúde”. Melhor ainda Rafael Correa, o presidente do Equador: “Os países desenvolvidos são os que mais consomem recursos naturais, enquanto os mais pobres os oferecem, as vezes gratuitamente, como o oxigênio gerado pela Floresta Amazônica. O grupo dos 20% dos países mais ricos é responsável por 60% das emissões de CO2, enquanto que os 20% mais pobres emitem apenas 0,72%”.

Correa foi fundo: “Imaginem se fosse o contrário. Se as florestas pertencessem aos países ricos e os pobres as estivessem destruindo. Já nos teriam invadido sob o pretexto de salvar o mundo”.

O presidente do Equador foi secundado por Evo Morales, presidente da Bolívia, que se insurgiu contra o que se imaginava fosse o motor da conferência: a economia verde. “Trata-se de uma nova forma de colonialismo para submeter os governos anti-imperialistas e anti-capitalistas”.

Bom! Salvamos a honra. O resto foi um bla-bla-bla danado. Coisa de copinho de papel, de plantar árvore no fundo da escola.

Uma ONG teve o desplante de questionar que os 36 milhões de brasileiros que o governo brasileiro tirou da miséria e colocou na sociedade de consumo deveriam ser submetidos a um processo mais intenso de avaliação. Ou seja, esta carinhosa ONG quer saber se a erradicação da miséria no Brasil não interfere no equilíbrio ecológico do planeta. Isso me lembrou o caso da floresta de Botiswana. Foi antes da Rio-92. Uma população nativa vivia a gerações em uma mata e dela retirava tudo o que precisava para seu sustento: calor, alimentação, energia, etc... Uma ONG alemã ficou escandalizada com isso. Juntou recursos e distribuiu fogões a gás para as famílias. Em dois anos, todos haviam migrado.

Pois é. Tem razão o maluco do José Simão: Salvem o planeta, vamos extinguir o ser humano!

O discurso ambientalista é a forma politicamente correta dos países desenvolvidos manterem suas políticas colonialistas sobre o mundo em desenvolvimento. Tem razão o presidente Rafael Correa. Se querem que o Equador não explore as reservas petrolíferas do parque Yasuni e mantenha de pé suas florestas, tudo bem. É só pagar. Esta riqueza pertence ao povo equatoriano e representa US$ 14 bilhões.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

A bucca del ballone, a média aritmética e a P2

 


Sarney e João Paulo II (foto do grande Gervásio Batista): arrebentar a boca do balão


Esta história é rigorosamente verdadeira. Não é lenda. O genial repórter e jornalista Dirceu Brisola, então correspondente, acho que de Veja, em Roma, acompanhava a visita do presidente Sarney ao papa João Paulo II. Entrão, foi se metendo na comitiva. Deixou os coleguinhas em uma sala e seguiu ao lado do presidente, até que prestes a entrar na câmara papal, foi convidado a voltar ao seu lugar. Quando retornou ao convívio dos colegas ouviu a pergunta:

- E aí Dirceu, o que o papa disse pro Sarney?

Dono de um humor corrosivo e maravilhoso, Dirceu não hesitou:

- Sarney, andiamo a spulcare la bucca del ballone!

Um grupo de jornalistas desatou a rir desbragadamente. Outro ficou perplexo em busca do significado de palavras tão, digamos, inquietantes.

Uma máxima do jornalismo diz que quanto mais sensacional a notícia, mais próximos estamos da barrigada. Todos conhecem a célebre história do boi-mate na revista Veja.

Para quem não sabe, a revista Science decidiu fazer uma brincadeira de 1º de abril e publicou um ensaio em que informava o feito sensacional de cientistas americanos, cujo talento havia permitido cruzamento de genes do tomate com o de bovinos. Dizia o texto da revista que isso permitiria, por exemplo, o plantio de um tipo híbrido de tomate cujo fruto seria, por exemplo, um hambúrguer ao sugo.

Atingido como um raio pelo sensacionalismo da história, o editor de Veja não deu bolas nem ao bom senso e cravou a matéria nas páginas. Foi o célebre episódio do boi-mate, assunto até hoje proibido no gigantesco edifício da avenida marginal do rio Pinheiros.

Outra questão inesquecível foi a divulgação das médias dos estudantes brasileiros no Enem de alguns anos atrás. Impressionados com a informação sensacional de que metade dos alunos estava abaixo da média e outra metade estava acima, o jornal O Globo cravou o título “Metade dos estudantes brasileiros estão abaixo da média no Enem”. Claro, a outra metade estava acima, e não poderia ser diferente.

O portal UOL incorreu no mesmo erro. Apelei ao bom senso da editora, aliás uma doce e competente criatura, que cheia de razão ainda me disse: “Consultei dezenas de matemáticos que me asseguraram que não tem nenhum problema se oitenta por cento dos estudantes estiverem abaixo ou acima da média”.

Esta semana, um repórter de O Globo implicou que os estudantes que vão se inscrever no SiSU, o sistema de seleção unificada das federais, do meio do ano, e que também tenham se inscrito no ENEM do fim do ano, deveriam ter o direito de pedir a taxa de inscrição de volta, caso consigam uma vaga agora. A tese por si é estapafúrdia, afinal uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mas, chega a ser hilário alguém conseguir uma vaga na UFRJ, que vai lhe assegurar seis anos de educação superior gratuita, estar preocupado com uma taxa de R$ 35. Ainda assim, o jornal do nosso companheiro Roberto Marinho cravou a seguinte frase atribuída a um estudante descontente: “O governo só pensa em nos tomar dinheiro”.

Em tempo, o ENEM deste ano coletou mais de 6,4 milhões de inscrições. Menos de um terço pagou ou terá que pagar a taxa. Todos os estudantes de escolas públicas ou que por alguma razão não tem condições de pagar estão isentos.

Por falar em barrigadas, diz a lenda que um repórter argentino foi deslocado para o interior da Bolívia em busca de uma entrevista com o mitológico Ernesto Guevara Serna. Depois de dias na mais sofrida das tentativas, ele recebeu a informação de que o guerrilheiro havia sido executado e, por baixo da porta da pensão onde estava hospedado, recebeu ainda o relato de tudo o que havia ocorrido nos últimos dias.

Sentou-se na máquina de escrever, redigiu várias reportagens e, por final, consegui transmitir para a redação em Buenos Aires. O editor, um boludo juramentado, ao ler o despacho comentou: “Este é um caso típico de um repórter que enlouqueceu”. E jogou o texto no lixo. Em seguida mandou telegrafar: “Vuelva por que estas loco!”

Quem publicou com primazia, furo mundial, a morte de Guevara foi o pequeno e provincial diário Gazzetta de Antofagasta.

A morte de Guevara era uma notícia sensacional. E logo os editores em todo o mundo queriam sites exclusivos e informações novas. A melhor de todas foi do correspondente do Corriere della Sera, no Brasil, que cravou, desde a avenida marginal do rio Tietê, a manchete do dia seguinte: “Ho visto Guevara morto!”

No texto, discretamente podia se entender que a visão do guerrilheiro morto houvera se dado ao contemplar uma fotografia. Mas, a reportagem era cheia de detalhes e de minúcias aventurescas, como se o repórter estivesse embrenhado nas matas bolivianas.



Um despacho inquietante sobre o paradeiro de um criminoso



Gelli, hoje condenado, e com Ortolani; tempos do fascismo




Num final de sexta-feira, eu e o grande Hélio Campos Mello estávamos destacados para viajar no domingo para a enésima reportagem sobre a ascensão da classe média paraguaia. Eis que um discreto telegrama da Associated Press entregava que o poderoso Lício Gelli, homem forte da loja maçônica Propaganda Dois, o homem mais procurado na Itália por crimes que iam desde a bancarrota do Banco do Vaticano até chantagem a Sua Santidade, havia desembarcado em Montevidéu.

Numa tarde fria de domingo, descemos em Carrasco de um 727 da Cruzeiro e nos entregamos à inglória tarefa de encontrar o cara.

Foi uma saga, com lances rocambolescos de perseguição nas ramblas, informações confidenciais transmitidas por fontes que se protegiam por sombras. Mas, na terça-feira não só sabíamos o paradeiro dele -- uma mansão no bairro de Carrasco, atrás do Cassino – como tínhamos desvendado toda a rede da Propaganda Dois na América Latina, que passava, entre outras coisas, pela Soberana Ordem de Malta, cujo chanceler, Umberto Ortolani, era o principal mentor de toda a organização criminosa.

A história dos dois é digna de um romance. Esbirros de Benito Mussolini ficaram com o ditador até os últimos dias da República de Saló. De lá saíram com várias barras de ouro arrebatadas aos empresários e as grandes famílias italianas pelo Fascio e se refugiaram em Lima, no Peru, onde fundaram o Banco Financeiro Sudamericano (BAFISUD), uma espécie de sucursal do famoso Banco Ambrosiano. Este foi o gérmen, o ovo da serpente de uma gigantesca rede de intrigas e de extorsão, que culminou com a desgraça do sistema financeiro do Vaticano (um buraco de nada menos do que US$ 1,4 bilhões) e do cardeal Paul Marcinkus, pelo menos dois suicídios (Roberto Calvi e Michele Sindona), um deles por enforcamento sob a ponte de Londres. Claro, haviam ramificações por regimes autoritários latino-americanos, sobretudo no Uruguay, onde se dizia que o general Gregório Goyo Álvares, títere de plantão, era ligado a loja, e na Argentina.

Quando tivemos esta informação, eu e o Hélio nos entreolhamos e chegamos à brilhante conclusão que de caçadores, iríamos, se já não éramos, transformar-nos em caça. E diga-se, uma caça fácil.

Sair do Montevidéu foi uma operação de guerra. Estávamos sendo seguidos e tínhamos certeza de que seríamos presos quando tentássemos embarcar para o Brasil. Entramos na galeria Puerta del Sol, Hélio com uma cópia da matéria que eu já havia escrito e os filmes, escondeu-se enquanto eu servia de isca. Tomei um taxi na saída e fiquei mais tranqüilo quando vi que o Peugeot preto me seguia.

Hélio foi para Carrasco e embarcou em um vôo para Buenos Aires, sem ser molestado.No fim daquele dia, quando cheguei ao Hotel Internacional, o gerente, o senhor Lopes, me chamou a sua sala e calmamente me informou que eu não devia dormir no hotel, pois dois agentes do Estado haviam me procurado e revistaram todo o meu apartamento.

Naquela noite dormi na casa de meu compadre Raul Ronzone, em Malvin, e de manhã depois de conversar com o gerente da VARIG, o senhor Gonzáles, pai do zagueiro Daniel Gonzáles do Vasco, me preparei para embarcar no vôo da tarde, vestido como tripulante.

O editor de Istoé não emprestou grande importância a nossa aventura. Publicou duas singelas páginas no corpo da revista. Já o editor de Panorama, em Milão, foi à loucura. Deu capa: GELLI FORAGIDO NO URUGUAY!

Algum tempo depois, descobrimos que Gelli havia fugido para o Chile e Ortolani para o Brasil. Antes que eu começasse a pesquisar os negócios da P-2 no Brasil, houve um providencial incêndio em um único arquivo do Banco Central, em seu escritório de São Paulo. Justamente onde estava o dossiê do Banco Financeiro Sudamericano.

O juiz Falcone veio a São Paulo para interrogar Ortolani, que se escondeu atrás de uma cidadania brasileira e não respondeu a nenhuma pergunta. Um dos meus perseguidores no Uruguay, Hugo Rivas, decidiu mudar de lado e recorreu a Comissão de Direitos Humanos da Cúria Metropolitana de São Paulo. Queria um asilo, de preferência na Suécia. Na sala do advogado José Carlos Dias, no edifício Itália, perguntei-lhe se nós dávamos muita dor de cabeça ao sistema de inteligência do regime militar uruguaio.

 - Muita disse ele. No caso Gelli nós recebemos ordens de matá-los. Só que vocês foram mais rápidos.

Ou seja, eu e o Hélio poderíamos ter sido mortos pela ditadura uruguaia e o meu editor de Istoé, na melhor das hipóteses achou que esta história valeria apenas duas páginas.

Meu editor italiano, entretanto, pensou diferente. Gelli até onde eu sei está em prisão domiciliar em sua vila na Toscana. Tem 93 anos.

O cabeça da operação P-2, Umberto Ortolani, viveu um inferno em São Paulo, onde se refugiou. Até que, doente acabou se entregando em 1992 no Aeroporto de Milão. Condenado na Itália, morreu em 2002.

A P-2 esteve envolvida em operações para-militares da OTAN, no mercado clandestino de petróleo, na conspiração contra vários gabinetes europeus e financiou a repressão na América Latina. Descobrimos a ponta do iceberg por conta de um singelo telegrama da AP, informando em três linhas que Lício Gelli estava em Montevidéu. Ninguém acreditou. Nós acreditamos.

sábado, 9 de junho de 2012

Um terremoto que mudou a história



O apocalipse chegou aos portugueses: 1o. de novembro de 1755



No dia 1º de novembro de 1755, a população crente e pia de Lisboa, a capital do reino de Portugal, estava quase toda recolhida nas dezenas de igrejas da cidade para a missa do Dia de Todos os Santos. Eram 9 e 30 da manhã. Como se estivessem sincronizados, os sacerdotes haviam acabado de proferir a homilia, sempre dura voltada aos impiedosos e hereges, e iniciavam a preparação da eucaristia.

Eis que um terremoto de proporções inimagináveis assolou toda a cidade. A bela Lisboa transformou-se em três minutos em um amontoado de escombros. Matou quase todos os devotos nas igrejas. Alguns sobreviveram por sorte ou pela habilidade de escapar ao desmoronamento dos templos. Quinze minutos depois, entretanto, um outro tremor na mesma intensidade, acabou por destruir toda a cidade. Mais quinze minutos e um tsunami vindo pelo Tejo, fez um strike com os barcos que estavam no porto e invadiu a cidade pela praça do Comércio, com tal intensidade que as águas passaram fácil pela Cidade Baixa e chegaram onde hoje é o início da avenida Liberdade (que naquele tempo não existia).

Mas, a desgraça não parou por ai. Um incêndio de grandes proporções tomou os escombros e durou dias. Mais de 80 por cento da população foi praticamente dizimada. A descrição impressionante está no livro do escritor e jornalista americano Nicholas Shrady, The Last Day, traduzido e editado no Brasil pela Objetiva.

No meio de tanta desgraça, o reino de Portugal que vivia encravado no século XIV, com o Estado misturado com a Inquisição e o poder praticamente nas mãos dos jesuítas, assistiu ao proselitismo cristão de que a mão de Deus havia castigado a cidade por sua licenciosidade e por seus pecados. O rei, D.José I, temente e inseguro imaginava mudar a capital para Coimbra ou para a Cidade do Porto, enquanto abrigava a família real em tendas de pano em Belém.

O conde de Oeiras no auge do poder: o estado positivista 

Eis que surge do nada, a figura mirrada e desgastada de um político, na verdade uma espécie de primeiro ministro, que ninguém dava importância. Sebastião José de Carvalho e Melo, filho de um militar medíocre, dedicado a diplomacia e ao comércio exterior, com passagens por Londres, Paris e Madrid, em tempos de obscurantismo e absolutismo, havia conseguido a proeza de ler mais do que um livro na vida.

D.José literalmente sem ação confiou a Sebastião todas as ações para salvar o reino. E aí surgiu o estadista, o gênio político, o visionário.  O então conde de Oeiras, dobrou as mangas rendadas de sua camisa e a partir de um objetivismo raro lançou-se a missão de enfrentar a desgraça. Sua primeira ordem foi: “Enterrem os mortos e alimentem os vivos”.  

A situação era tão séria que não havia gente suficiente para enterrar os mortos e os corpos putrefatos provocavam epidemias, doenças e saques. Sebastião então, confrontou a santa madre pela primeira vez e ordenou que os corpos fossem lançados ao mar, como forma de apressar a limpeza da cidade.

A reconstrução de Lisboa, ainda que tenha sido uma obra maiúscula, foi o pretexto para Sebastião enfrentar o anacronismo de Portugal, separar a Igreja do Estado, abolir a escravatura (que só foi tolerada nas colônias)e acabar com a separação entre judeus novos e judeus convertidos.

O conde de Oeiras tornou-se um verdadeiro “príncipe” no sentido maquiaveliano. Assumiu o estado, perseguiu os inimigos, protegeu os apaniguados, acabou com a Inquisição, expulsou os jesuítas e inseriu Portugal no século XVIII.  Com a morte de D.José I, em fevereiro de 1777, ascendeu ao trono D.Maria I, que a história consagrou como Maria Louca.


Pombal: monumento vislumbra a cidade

Sebastião já com o título de Marques de Pombal foi torpemente perseguido. Destituído, processado, acabou em desgraça. Antes, articulou com seu amigo o Ouvidor Geral da Colônia, Cláudio Manuel da Costa, as bases do que seria a Inconfidência Mineira. Seu pupilo direto, Thomas Antônio Gonzaga foi enviado a Vila Rica, como reforço intelectual para o movimento que pretendia a independência da colônia.

Em menos de 30 anos, Sebastião criou o que se chama de Era Pombalina. Tinha simpatia pelos positivistas franceses e pela independência americana. Morreu em profunda solidão, abandonado por todos. Sobrou dele um impressionante monumento em Lisboa, onde ele vislumbra a Cidade Baixa, ao lado de um leão (símbolo de poder).

domingo, 3 de junho de 2012

O embargo da maior notícia do século



Oficiais alemãs assinam rendição incondicional em Reims: a notícia estrava embargada



“Se você dá a alguém uma caneta e a autoridade de um censor, estranhas coisas acontecem”. Edward Kennedy.

Impressionante o artigo de Dorrit Harazin no Globo de hoje. Faz a gente pensar. Sobretudo nós jornalistas. Reproduzo um trecho:

“Eram 3h24 da tarde de 7 de maio de 1945, quando o escritório da agência de notícias Associated Press (AP) em Londres recebeu o telefonema que acabou com a guerra antes do combinado. A ligação chegara através de um canal militar não sujeito à censura, e tinha o chefe do escritório de Paris da AP do outro lado da linha. “Aqui é o Ed Kennedy. A Alemanha capitulou incondicionalmente. Repito: capitulou incondicionalmente. É oficial. Coloque Reims, França, como procedência e solte a notícia já”.

A notícia explodiu como uma bomba. E menos de 60 minutos depois, distribuído pelo escritório de Nova York, as principais rádios do mundo passaram a reproduzir o despacho de Ed Kennedy.  Milhões de almas em todo o planeta se aquietaram com o final, pelo menos de parte, da maior carnificina que se tem notícia. Somados os números da guerra no Pacífico e com a desgraça de Hiroshima e Nagasaki, que ainda não havia ocorrido, a Segunda Guerra Mundial ceifou mais de 50 milhões de vidas.

Qual jornalista no mundo não gostaria de dar esta notícia?

Ed Kennedy quebrou o embargo: censura para que?
Mas, a ousadia de Ed Kennedy custou muito caro. A ele e a instituição do jornalismo como um todo. É difícil acreditar que havia um “combinado” de 17 correspondentes de guerra de segurar a informação. Eles haviam assinado um termo de sigilo a bordo do avião militar que os levou de Paris a Reims para testemunhar a assinatura da rendição alemã.  Havia sido acordado que a notícia só seria divulgada depois que os alemães participassem de ato semelhante em Berlim, com a capitulação perante os russos, 36 horas depois.

Kennedy burlou a censura militar aliada e ao avaliar que o estrago da sua divulgação era político, não provocaria a morte de ninguém, ao contrário, salvaria vidas, porque ainda havia combates na Iugoslávia e na Itália, na Tchecoslováquia e na Costa da Escócia, mandou o acordo para o espaço. Certamente levou em conta a demarcação feita pelo presidente americano Franklin Delano Roosevelt: a censura só é justificada se estiver a serviço da proteção das forças aliadas em combate.

Ed Kennedy se arrebentou de verde-amarelo-azul e branco. Foi expulso da Europa pelo comando supremo aliado. Virou redator-chefe no Santa Barbara News-Press, depois tentou como publisher do Monterrey Peninsula Herald.  Morreu em um acidente de automóvel aos 58 anos de idade.

Concordo com a Durrit, o livro Ed Kennedy’s War: V-E Day, Censorship and the Associated Press é leitura obrigatória para todo jornalista no planeta. Espero que o Luiz Fernando Emediato, dono e editor da Geração Editorial, não perca tempo e lance logo a versão em português.  O episódio se deu em maio de 1945, mas o assunto é mais do que atual. Atualíssimo diria.

Como assim segurar a informação de que a Segunda Guerra Mundial na Europa tinha acabado? Que diabos de cartório é esse? Nada menos do que 16 jornalistas concordaram com esta bobagem e apenas um a violentou e só agora 67 anos depois se resgata isso?