domingo, 29 de julho de 2012

Tudo muito lindo e old fashioned


Mary Poppins: um dos mais expressivos símbolos britânicos do século XX




Vamos combinar que estas cerimônias de abertura de jogos olímpicos e que tais, há muito perderam o impacto representativo de revelar a surpresa, o poder de receber e o sentido de dar um recado ao mundo. Minha memória anda falhando, mas eu me lembro da célebre abertura de Moscou, do caráter espetacular de Barcelona. No mais, é mais do mesmo.

Esta abertura de Londres 2012 foi empolgante. Um show extraordinário. Mas, uma estranha sensação de old-fashioned. James Bond, Mary Poppins, Paul MacCartney, ninguém em sã consciência pode desprezar o legado dos britânicos. Nem subestimar a capacidade que eles têm de produzir civilização. Não fosse a Inglaterra Vitoriana e certamente parcelas ponderadas do planeta ainda estariam divididas em práticas tribais.

Rudyard Kipling, um dos pais de todos os modernos jornalistas, em seu romance O Homem que queria ser Rei, magnificamente levado ao cinema por John Huston, em determinado momento escreve a seguinte cena: Dani e Peach, os dois aventureiros, ex-soldados britânicos na Índia, que imaginavam tornarem-se reis do Kafiristão, abordam uma vila nativa e surpreendem a população pelo uso dos rifles. O líder tribal, assustado, pergunta se eles são deuses. E Dani responde:

- Não. Ingleses. O que é mais ou menos a mesma coisa.

Em outra passagem, Peach treina os nativos e diz:

- Vocês tem que se esforçar para serem como os soldados ingleses e poder levar a civilização a todas as partes do mundo.

Humildade nunca foi uma característica inglesa. Certa vez, eu estava em Londres e se abateu sobre a cidade um daqueles fogs tremendos: aeroportos fechados, trens parados, navegação no canal suspensa. No dia seguinte o The Times publicou como manchete: O continente está isolado!

Não há dúvidas de que na segunda metade do século XIX, Londres era o centro do mundo. Para onde afluíam os pensadores mais atuantes e revolucionários: Darwin e Burton eram britânicos, Marx era alemão. Freud era austríaco. E a lista é enorme.

O poderio britânico no início do século XX era tanto que o Kaiser Guilherme II, quando soube que um atentado militar a Bélgica traria os ingleses para a Grande Guerra, quis voltar atrás. Sobrinho da rainha Vitória, ele sofria de inveja do charme de Paris em plena belle-epoque e tinha uma ponta de ressentimento com os ingleses, sobretudo depois da morte de Edward VII.

Barbara Tuchmann, prêmio Pulitzer de 1963, em sua obra prima “Canhões de Agosto” descreve assim a cena do féretro real:

“No centro da primeira fila cavalgava o novo rei, George V, ladeado à esquerda pelo Duque de Connaught, único irmão sobrevivente do falecido rei, e à direita por um personagem a quem, segundo The Times, “cabe o primeiro lugar entre todos os estrangeiros presentes”, e que “mesmo com as relações estremecidas, nunca perdeu sua popularidade entre nós”: William II, Imperador da Alemanha. Montado em seu cavalo cinzento, usando o uniforme escarlate de um marechal-de-campo inglês e empunhando o bastão deste posto, o Kaiser mostrava por trás do famoso bigode voltado para cima, uma expressão “grave, quase ao ponto da severidade”. Suas cartas nos dão alguns indícios das várias emoções que fervilham em seu peito sensível: “Tenho orgulho em chamar de lar este lugar e de ser um membro desta família real”, ele escreveu para casa, depois de passar a noite nos antigos aposentos de sua mãe no castelo de Windsor”.

Bárbara é enfática. Para ela, o equilíbrio entre os sentimentos e a nostalgia, o orgulho e a arrogância romperiam com o desaparecimento de Edward VII:

...”A voz abafada do Big Bem anunciava as nove horas quando o cortejo deixava o palácio, mas no relógio da História o dia terminava e o sol do Velho Mundo morria com um último clarão de esplendor, para nunca mais nascer”.

Seria impossível voltar atrás. A sentença do general Moltke, chefe do estado maior alemão, deixava claro que a aventura germânica contra a França teria que massacrar a Bélgica e trazer a Inglaterra para o conflito.

Com o fim da Grande Guerra, a assunção da burguesia europeia, o fim dos Habsburgos e as eternas conturbações da Quinta República francesa, os ingleses pareciam prontos para cumprir o seu destino e efetivar o domínio do seu império em todo o mundo. “O sol nunca se põe sobre o império britânico”, dizia o lema da rainha Vitória.

Veio o pós-guerra e com ele a terrível crise do capitalismo, a revolução soviética, a depressão americana, o fascismo, o nazismo e quando a Europa, mais uma vez, parecia fadada ao tacão militar alemão, eis que os britânicos conseguem o milagre da retirada de Dunquerque. E surge a figura espetacular de sir Winston Churchill: “Nós lutaremos nas praias, nos lutaremos nas colinas. Nós nunca nos renderemos”.

Outra de Churchill diante da possibilidade de negociação com a Alemanha: “Uma nação que se rende sem lutar tende a desaparecer. Se a breve história da nossa ilha vai acabar, vamos lutar até nos afogar no nosso próprio sangue”.

Com o fim da Segunda Guerra e o começo da Guerra Fria, entretanto, o poderio britânico pelo mundo começou a declinar. A libra esterlina deixou de ser o padrão monetário do mundo, substituída pelo dólar. A Índia e outras colônias passaram a ter aspirações de independência. E o leão britânico decidiu que manteria seu poderio criando um poderoso manto protetor chamado commonwelth.

Nos anos 60, os britânicos passaram então a usufruir, até de maneira espontânea, de uma característica inimaginável no passado: a transgressão. Veio então o rock dos Beatles e dos Rolling Stones, a mini-saia e o clamor de uma juventude que queria romper com os padrões históricos de comportamento. Graham Greene, George Orwell, o resgate de Oscar Wilde, Hitchcock, Ian Fleming, e agora mais recentemente o poderoso Harry Porter, novamente a velha Londres passou a representar, na pior das hipóteses, um ponto de referência no pensamento ocidental.

Pena, entretanto, que uma história tão magnífica não tenha se revelado em toda a sua pujança na cerimônia de abertura de Londres 2012. Foi tudo muito bonito. Mas, e o futuro?

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Onde estavas quando as luzes se apagaram?


Santiago do Chile: uma cidade moderna em uma moldura deslumbrante







Então. Nossos irmãos transandinos estão bem. Santiago, que no passado lembrava o cinza de Bruxelas, agora é uma cidade moderna, limpa e bem cuidada, limitada pela moldura mais bonita do mundo, a Cordilheira dos Andes. Comemoram os resultados do censo nacional: a redução da miséria, o pleno emprego, crescimento dos indicadores de IDH.

Enquanto isso, do outro lado da Cordilheira, os argentinos estão às voltas com circulação de dólares, dívidas públicas impagáveis e, inimaginável, problemas com violência urbana em Buenos Aires.

Encontrei um casal de amigos árabes em Santiago, a caminho da Polinésia Francesa, extremamente preocupado com os destinos da Síria. Na opinião deles, trata-se de uma conspiração que envolve os emires, o judaísmo internacional (é claro!) e, como não poderia deixar de ser, a CIA.

Enquanto tentam refrear o sentimento persecutório nas areias quentes de Bora-Bora, dei tratos aos meus botões, e entre um prato de almejas, locos e ostiones e um copo de um honestíssimo chardonnay bem gelado, passei a refletir sobre o estranho poder que estes emires desfilam pelo mundo. Ou são playboys assumidos ou são fundamentalistas radicais. Adoram investir em times de futebol, na fórmula um, iates, etc...

Crise? Passa ao largo dos petrodólares. Compromisso com um novo mundo? Estes senhores controlam a sua consciência com polpudas doações a Organizações Não Governamentais. São os financistas do chamado terceiro setor, sobretudo as ONGs ambientalistas, até porque, vamos combinar, o petróleo é a principal causa da decadência do planeta. O resto é lixo reciclável.

Certa vez recebi o encargo de entrevistar o então ministro Delfim Neto para repercutir um tremendo manifesto dos empresários, capitaneados pelo dr.Antônio Ermírio de Moraes, contra a dívida externa brasileira. O tzar da economia sempre foi bem humorado. Respondeu-me com uma ironia:

- Nunzio, onde você acha que o governo aplicou os recursos da dívida externa? Na Ferrovia do Aço, na Binacional de Itaipu, na Usina de Angra... E quem você acha que forneceu o cimento para estas ações? Será que eles aceitariam devolver o que ganharam?

É mesmo incrível o volume de empresários que apoiaram o movimento dos trabalhadores do ABC no final dos anos 70 e início dos anos 80. Depois de 2003, então, nem se fala. Todos liberais de carteirinha, alguns, então, de manifesta convicção socialista.

Muito se tem discutido a origem dos recursos que permitiram a Alemanha implantar o regime nazista. O mesmo vale para a Itália fascista. Certamente não foram os trabalhadores alemães e italianos que contribuíram para isso. Na América do Sul, os regimes assassinos foram financiados pela mesma fonte.

Em Missing, o grande filme de Costa Gravas sobre o golpe militar no Chile, um caminhão de soldados passa pela janela de um palácio onde a elite comemorava o golpe. São aplaudidos e o oficial se perfila em continência.

Depois de tantos anos, ainda sinto um frio na espinha quando vejo um carabineiro chileno. E fico ainda mais assustado quando ouço alguém dizer que muito pouca coisa mudou nos últimos 30 anos no país transandino.

Mudou sim. Mudou muito!

Para melhor. Muito melhor!

Só não pergunte: Onde estavas quando as luzes se apagaram????

sábado, 14 de julho de 2012

Um elefante incomoda muita gente...



Palácio Real em Madri: problemas cm elefantes na África e uma baita crise 




Final da Copa do Rei no velho Vicente Calderon, em Madrid. Estádio lotado. Atlético de Madri e Atlético de Bilbao fazem a final. Pouco antes do início do jogo, o serviço de som informa:

- Acaba de chegar ao estádio, Sua Majestade o rei D.Juan Carlos....

Ouvem-se alguns aplausos esparsos. Segue-se um segundo espantoso de silêncio e então primeiro discretamente e depois com uma força espantosa todos os torcedores começam a cantar a plenos pulmões:

- Um elefante incomoda muita gente. Dois elefantes incomodam muito mais.

Este raro fenômeno de bom humor castelhano, entretanto, não esconde uma realidade tremenda: a economia espanhola se dissolveu como Leite Glória, sem bater.

Claro que este não é um privilégio ibérico, Itália e Portugal também vivem seus problemas, tão sérios como. Nem se fale da Grécia e outros países da Europa.

Os resultados são visíveis: 27% de desemprego principalmente entre as classes mais jovens, comércio em crise, uma horda de pessoas perambulando pelas ruas pedindo uma “ajuda” para sobreviver.

Os espanhóis são orgulhosos. Mesmo com os efeitos devastadores da Guerra Civil, nos anos 30, celebraram sua imunidade no desastre que se seguiu, a Segunda Guerra Mundial. Com a unidade européia, tornaram-se arrogantes e voltaram a olhar o mundo de cima, como nos tempos de Felipe II e sua incrível armada.

Agora, estão por baixo. Implorando por empréstimos de organismos internacionais e à espera de clemência da toda-poderosa Ângela Merkel e do Banco Central alemão. E, como os outros países, estão obrigados a reduzir salários, aposentadorias e benefícios sociais conquistados ao longo do século XX, com muito sacrifício.

Coisas do capitalismo! A Alemanha ao longo dos séculos XIX e XX tentou pela ponta da espada, dos seus mosquetões e dos seus panzers tomar a Europa na marra. Desde Bismark que os tedescos tentam impor seu german-way-of-life ao velho continente. Tiveram vitórias efêmeras e derrotas acachapantes e longevas. Como diz o grande Luís Fernando Veríssimo, jamais poderiam imaginar que poderiam fazê-lo com a força tonitruante de seu Banco Central.
É. O charme da Belle Epoque e a constatação de que Berlim jamais seria Paris, o que custou uma guerra mundial, a primeira, foram para o ralo na medida que o euro obrigou toda a Europa a recitar e cantar o velho Barril de Chopp, aquela cançãozinha insuportável que se canta em qualquer cervejaria do mundo.

E nós os latino americanos com tudo isso? Em primeiro lugar, os europeus nos olham com uma ponta de inveja por termos conseguido a proeza de agregarmos à sociedade de consumo expressivas camadas miseráveis. Mérito sobretudo do governo dos presidentes Lula e Chávez. Depois porque afinal com as reservas brasileiras e venezuelanos, sobretudo, mais o gás boliviano e um restinho das mal geridas bases argentinas e mexicanas o nosso continente ganhou a tal autonomia na produção de petróleo.

É claro: energia mais mercado interno é igual a desenvolvimento. Simples assim. E isso tem um impacto mais forte quando traduzido em autonomia.

Pois é. O que os europeus enxergam é a grande oportunidade que se desfralda à nossa frente. Pela primeira vez em mais de 500 anos, podemos dar uma banana para nossos colonizadores.

É bem verdade que as idiossincrasias históricas e, sobretudo, as classes médias de nossos países ainda não se deram e, provavelmente, nem querem se dar conta disso. Sonham com o paraíso de Boca Raton e outras barbaridades consumistas.

Outro dia, voltava de Madrid, fazia uma conexão em Lisboa, e a confusão era grande no controle de passaportes. Um funcionário gritava várias vezes: Passaportes europeus para a direita, passaportes não europeus para a esquerda. Enquanto meia dúzia de pessoas se resolviam em dois guichês. Uma multidão de latino-americanos e africanos se aglomerava em quatro outros guichês. É fácil imaginar a confusão.

Na quarta vez que o dito funcionário repetiu o refrão, diria até com uma certa ponta de orgulho, como se estivesse a tripudiar sobre nosotros pobres infelizes da periferia do mundo, não me contive:

- Olha aí pessoal. Ele está explicando pela milionésima vez que quem tem passaporte alemão deve ficar do outro lado.

O aeroporto veio abaixo.




domingo, 1 de julho de 2012

A avalanche dos evangélicos



O Paraíso de Moisés: a base da visão creacionista do mundo.



Os dados do Censo 2010 divulgados pelo IBGE esta semana são estarrecedores. Nada menos do que 22% dos brasileiros se disseram adeptos de seitas evangélicas: 30% deste total na Assembléia de Deus; 5% na Congregação Cristã no Brasil e 4% na Igreja Universal do Reino de Deus. Em 1980, 7% dos brasileiros se diziam pertencer ao Povo do Evangelho. Do jeito que vão as coisas, em 30 anos, os evangélicos chegaram a 50% da população.

O que isso representa em termos de retrocesso comportamental é um absurdo de proporções inimagináveis. A começar pelo fato de que estas seitas levam a Bíblia ao pé da letra. Isso quer dizer, por exemplo, que o genial livro de Moisés, A Gênese, o primeiro do Pentateuco, deve se sobrepor a toda a ciência. Ou seja, o mundo nasceu de Adão e Eva e toda aquela história maravilhosa do Éden.

O creacionismo não prospera nem entre os judeus, para quem, aliás, o livro foi escrito. Tragicamente, na mente dos pregadores evangélicos Darwin, Charles Darwin, é a própria reencarnação do demônio. E a partir desta tese maluca de que o mundo se resolve no Velho e no Novo Testamento, toda a conquista científica e a evolução comportamental da humanidade vão para o ralo, direto para as profundezas do nada.

Se em termos científicos o retrocesso é patente, em termos comportamentais chega a ser insólito. Evangélicos, por exemplo, não aceitam a homossexualidade. Para eles trata-se de um desvio dos cânones divinos, uma doença. É bem verdade que mesmo a Igreja Católica Apostólica Romana ainda se enrola na questão do aborto e, sobretudo, na indissolubilidade do matrimônio. Mas, não se pode negar que Roma avançou e muito não só nas relações sociais como políticas depois do Vaticano II.

Não se trata aqui de discutir Lutero, Calvino ou outros pensadores que discordaram do pensamento romano. Ou ainda das religiões ancestrais como o judaísmo, o budismo, o islamismo ou o bramanismo. Estamos diante de uma onda de retrocesso, uma meia-sola da fé, que prega a teologia da prosperidade e a individualidade. Uma maneira cruel de abstrair os fiéis da modernidade. No Brasil, ainda há um tempero gravíssimo, uma dose tremenda de conformidade diante dos desígnios de Deus.

Uma coisa é certa, sem uma utopia para buscar, sem imaginar um paraíso coletivo, igualitário, onde a felicidade é uma conquista social, a juventude brasileira parece presa fácil do lero-lero ameaçador deste puritanismo de meia-tigela. Na dúvida, preferem inibir o senso crítico e sequer se dão conta que mergulham desde já na mais terrível de todas as formas de dominação: a culpa.