sábado, 25 de agosto de 2012

Histórias surpreendentes que falam ao paladar




Salão de refeições do antigo Cad'Oro: presença marcante de Emílio Locatelli






Faz algum tempo que eu não escrevo sobre comida. Então, para atender uns poucos seguidores e amigos deste blog, vou expressar aqui alguns conceitos que desenvolvi e aprendi com grandes mestres da cozinha como Emílio Locatelli, Isaac Corcias, entre outros.

A primeira coisa a fazer é derrubar o mito de que a cozinha do dia-a-dia é marcada por grandes tempos de preparo, altas temperaturas, etc...Isso podia ser verdade no tempo de nossas mães e avós, quando a indústria alimentícia ainda gatinhava. Hoje, com produtos semi-prontos e ingredientes concentrados, não há mais razão para isso. Além do que, ninguém tem tempo disponível para passar horas e horas na cozinha constantemente.

Tá bom! Também ninguém precisa fazer como aquele personagem de “A Assassina”, que enche um carrinho de supermercado de raviólis em lata. Nem a exuberância de Bridget Fonda seria capaz de segurar uma barbaridade destas.

Todos os chefs de cozinha são unânimes e o bom senso também. Não há a menor possibilidade de se encontrar um bom resultado na cozinha sem os ingredientes certos e de boa qualidade. Cozinheiros são alquimistas, não mágicos.

Isaac Corcias, amigo querido, mestre das paellas, dos assados, da cozinha do improviso, conta que certa vez dois espanhóis se encontraram e um cobrou do outro:

- Aquela receita de paella que você me deu, fracassou retumbantemente.
- Como assim?
- Ficou muito ruim. Ninguém comeu.
- Não é possível. O que será que você fez errado? Usou arroz de primeira.
- Não. Não encontrei, usei uma quirela que comprei no armazém.
- Usou camarões graúdos e descascados?
- Não. Eram muito caros. Usei sete barbas cinza e não tive tempo de tirar as cascas.
- Usou um bom azeite de oliva extra-virgem?
- Não. Preferi usar óleo de soja.

Outro desastre previsível é tentar enganar a pessoa para quem se cozinha. Certa vez, fiquei tremendamente aborrecido numa casa do Dânio Braga, no Rio. Não por nada. Havia pedido um prato de raviólis e recebi um prato de capelettis. Estava até saboroso. Mas, decididamente não era o que eu tinha pedido. Será que ele achou que eu era um imbecil que não sabia a diferença entre as duas pastas? Custava ter me alertado para o fato de que os raviólis haviam acabado?

Certa vez, num dos meus restaurantes prediletos de Brasília, que infelizmente não existe mais, pedi um coelho a Lionesa. Alguma coisa deu errado no preparo. Veio duro como pau, impossível de ser mastigado. Como eu tinha paixão pela chef, fiquei na minha, cutuquei o bichinho e deixei-o de lado.  

Pobre da minha chef querida. Não dormiu naquela noite. No dia seguinte, me ligou preocupada e com desculpas. Convidou-me para uma revanche e aí com garbo preparou um dos melhores coelhos que eu já comi.

O que dá errado na cozinha, na maioria das vezes é um detalhe tolo. Uma bobagem. Certa vez recebi um casal de amigos queridos em casa, a Paula e o Eugênio Bucci. Programei-me para servir arengue suavemente assado e um ratatouille a minha moda. Nossa! Que fiasco. O peixe se desfez em pó. Sobrou só o ratatouille. Até hoje estou devendo uma revanche para eles. O que aconteceu? Provavelmente a temperatura do forno, sei lá.

Outra coisa. Na cozinha, a máxima do marques de Itararé – de onde não se espera nada é de lá que não vem nada mesmo – não se aplica. As melhores práticas, não raro, vem de onde menos se espera. A melhor fritada de siri que eu comi na minha vida – lembra Deborah? – foi num barracão em Nossa Senhora do Ó, em Pernambuco. O melhor filhote ao tucupi foi num almoço despretensioso em Marajó, quando o prato principal era carne de búfalo e o peixe era a opção. A melhor muqueca de namorado comi na mesa do então governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, no Palácio Anchieta, em um jantar de trabalho com Fernando Haddad. A melhor paella de pato (ressalvada a obra prima do mestre Corcias) comi em um posto de caminhoneiros na Catalunia. A melhor Coda a Vacinara em um restaurante no bairro judeu em Roma.

Uma vez, percorria o Estado de Rondônia, então Território Federal, com meu irmão João Bittar, a bordo de uma caminhonete do INCRA. Quando chegamos em Presidente Médici (naquele tempo a estrada não tinha um metro de pavimentação) eu estava morrendo de fome e decidimos parar em um refeitório (restaurante seria demais) embaixo de uma ponte, onde se lia: Servem-se refeições.

No caso, refeições era um eufemismo. Era mesmo um prato feito com arroz, feijão, bife, batata e salada. Bom repórter, o João enquanto eu lavava as mãos, meteu-se na cozinha e descobriu que a casa de pasto era conduzida por um alemão, ex-engenheiro da Volkswagen, que por alguma razão houvera abandonado tudo e se metido naquele fim-de-mundo.

O proprietário veio trazido pelo João, começamos a conversar enquanto a mulher trazia os pratos já montados da cozinha. Pode parecer insólito, mas enquanto deglutíamos um bife duro como pau, um arroz empapado e uma salada murcha, falávamos sobre as maravilhas da cozinha alemã. Em determinado momento, o alemão ficou colérico, recolheu os pratos que comíamos e falou com aquele sotaque inconfundível:

- Por favor, me dê uma meia hora e parem de comer esta porcaria!

No tempo aprazado, a criatura teutônica voltou com os ingredientes para fazer  um Steak Tartar, preparou na nossa frente, como manda o figurino. Trouxe ainda batatas fritas sequinhas e amarelas e torradas quentes.

Nem o grande Werner Herzog poderia imaginar isso: um Steak Tartar perfeito no coração de Rondônia!

Outra coisa importante. A marca de uma boa cozinha invariavelmente é de quem inspirou as receitas. Certa vez, cheguei a São Paulo tarde da noite, acompanhava o falecido senador Carlos Wilson, então presidente da Infraero, e outras pessoas – tenho impressão que o Lalá também estava – e decidimos fazer uma refeição rápida no restaurante do hotel. O que não era nenhuma loucura, porque estávamos hospedados no antigo Hotel Cad’oro.

Todos pediram uma canja ou uma salada. Lembrei-me com saudade do mestre Emílio Locatelli que emprestou fama aquela cozinha maravilhosa, uma das melhores, se não a melhor de São Paulo.

Emílio já cozinhava nas panelas do paraíso há uma década. Mas, eu senti a sua presença, como no tempo em que íamos para lá no meio do fechamento da revista Istoé, nas noites de quinta-feira, com outro craque do paladar, mestre Mino Carta. Lembrei-me do carinho e do prazer que ele transpirava ao nos receber, jornalistas famélicos e ansiosos.

Chamei o maitre e perguntei: “Nos tempos do Emílio, ele fazia uma polenta com queijos cremosos, você se lembra?”

- Claro! Respondeu-me o maitre.

- Será que você consegue me repetir aquela combinação?

- Vamos tentar.

Minutos depois enquanto meus amigos alimentavam-se com canjas e saladas, eu degustava uma polenta quente, amarelinha, cujo calor servia para derreter pedaços de queijo brie, gorgonzola e camembert. Não me fiz de rogado e acompanhei isso tudo com um bom San Giovese toscano.

Ah! O Velho Cad’Oro, quem comeu, comeu. Quem não comeu, não come mais. Não é Silvio Lancellotti, meu irmãozinho?

Para terminar vou publicar uma receita campeã, que eu aprendi em Roma com Albino Castro Filho e Isa Freaza, muito anos atrás e que até hoje faz um sucesso danado:


Spaghetti Al Lemone (quatro pessoas)

Ingredientes

1 Limão Siciliano
1 pacote de spaghetti italiano (Di Ceccho é o melhor!)
1 maço de salsa e cebolinha
1 pedaço de 150 gramas de queijo Grana Padano
Sal e pimenta do reino a gosto
Azeite de oliva extra-virgem
Óleo de cozinha neutro (girassol, canola, milho)

Modo de fazer

Fervo dois litros de água em uma panela, coloco uma colher bem cheia de sal e um pouco de óleo de cozinha. Enquanto a água ferve, ralo a casca do limão e reservo e ralo também o Grana Padano em lascas bem generosas ( no ralador mesmo). Espremo o limão com o cuidado de tirar as sementes e coloco em um liquidificador. Lavo a salsa, com o cuidado de cortar os caules, e a cebolinha e também coloco no liquificador. Acrescento 150 ml de azeite de oliva, sal e pimenta a gosto. Bato tudo. Exatos oito minutos de cozimento, com a massa al dente, portanto, escorro o espaghetti e coloco numa travessa. Por favor não lavem o macarrão. Jogo o resultado da batida no liquidificador, acrescente as cascas raladas, mexo bastante e por fim acrescento o Grana Padano. Sirvo com um San Giovese ou Cabernet Savignon.


sábado, 18 de agosto de 2012

A montanha russa da vida



Guernica de Picasso: "Que diabos é essa Guerra Civil Espanhola?"





Numa semana em que se discutiram os indicadores de aprendizado de crianças e jovens brasileiros me assaltaram algumas diferenças e algumas lembranças, que confirmam a minha tese de que a busca do saber tem a ver também com uma questão geracional e ideológica.  Saber para que e por quê?

Tive um professor na gloriosa Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, o genial romancista José Geraldo Vieira, que era surdo como uma porta. Ele tivera a felicidade de, filho de abastada família cafeeira, ser mandado para estudar Medicina em Paris nos anos 30. Ou seja, pegou em cheio a chamada geração perdida.

Claro, ele poderia ter passado seu tempo com meretrizes em Pigalle, ou nas mesas de jogo em Monte Carlo, ou ainda em companhia de playboys europeus, contemplativos e niilistas. Mas, Vieirinha preferiu entender o seu tempo e conviveu com aquela turma toda de malucos e visionários, que está maravilhosamente descrita no filme Meia Noite em Paris, de Woody Allen.

José Geraldo Vieira se formou médico radiologista em Paris. A exposição ao raio-x  custou-lhe a audição. Mas, ele inscreveria seu nome na história com romances espetaculares. Cito dois que me impressionaram muito: A Túnica e os Dados e Ladeira da Memória.

Vieirinha: mestre e romancista 
As aulas de Vieira eram programadas sempre para as sextas-feiras, no período noturno, das 19 e 30 as 23 e 30. Mesmo assim eram concorridíssimas, salas apinhadas, ninguém nem respirava. Usávamos uma técnica absolutamente insólita. Escrevíamos o tema que queríamos naquela noite no quadro. “Ah! Vocês querem uma aula sobre Malraux” – dizia o velhinho. E tome quatro horas ininterruptas. E assim se seguiram Eisenstein, Buñuel, Hemingway, Jean Renoir e etc...

Duas das lições do Vieirinha, jamais me esquecerei. Em uma ele me cumprimentava por um texto sobre Dolores Ibaburri, La Pasionária, e me dizia: “Ficou muito bom. Mas, faça melhor, faça mais curto”. Em outro ele dizia: a frase perfeita tem sujeito, predicado, complemento e ponto. Nada mais.

Quando cheguei ao Ministério da Educação,  diante de uma equipe de jovens e talentosos profissionais de comunicação, recém aprovados em concurso público, todos eles graduados com brilho, sobretudo na UnB, procurei ensinar que o poder de síntese de um período ou de um acontecimento histórico pode resultar em um único livro ou em uma pintura, ou ainda em uma escultura. Citei como exemplo Guernica, de Pablo Picasso, síntese absoluta da Guerra Civil Espanhola.

Voltei para a minha sala e alguns minutos depois, fui interrompido em meus afazeres por um casal, rigorosamente inconformado, que me questionou: Guernica nós conhecemos, mas o que diabos foi a Guerra Civil Espanhola?

Menos mal que a inquietação aflorou. Mas, nem sempre é assim.

Certa vez, em uma aula na FIAM, tentava ilustrar que não se podia desprezar a capacidade documental do cinema. E conclamava os alunos a assistirem o clássico Uma ponte longe demais, um belíssimo trabalho sobre a arrogância britânica e o desastre da frustrada tentativa de invasão da Holanda, na Segunda Guerra Mundial.

Alguns dias depois, um aluno me procurou  e comentou que havia visto o filme, mas não entendera nada. Como assim? Respondi incrédulo.
              
“Eu não entendi quem brigava com quem, o que os alemães faziam na Holanda. Aliás, não sei dizer quem eram os alemães e quem eram os ingleses”.

No desespero, expliquei que os alemães falavam alemão e os ingleses falavam inglês. E o aluno me respondeu: “Mas, eu vi uma versão dublada”.

A busca do conhecimento tem uma relação clara de causa e efeito. Saber para que? Para poder transformar, para poder entender, para ganhar mais dinheiro e viver mais confortavelmente, para ser reconhecido socialmente, para seduzir, para se afirmar, para justificar uma existência. Mas, a sociedade moderna não entende assim.

Esta sociedade do século XXI é por demais pragmática. Quer apenas a oportunidade e restringe o saber unicamente a etapa de produção que cabe a cada um. Discrimina aqueles que se sobressaem na busca do inusitado, do novo, ou do antigo. Tem horror ao sedentarismo físico, mas não se incomoda com o sedentarismo intelectual. Busca as emoções de uma montanha russa. Mas, não reflete que a vida, a existência, é toda ela uma montanha russa, com altos e baixos, com sucessos e com fracassos, com avanços e com recuos.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Esta bobagem tremenda de fazer rankings


Cidadão Kane e Um corpo que cai: quem é melhor? Brincadeira! 




Tenho reiterado que esta mania de comparar e ranquear talentos e aptidões é uma imbecilidade. Por exemplo: quem é o atleta do século XX? Escolha Pelé ou Mohammed Ali. Outro exemplo: qual escritor marcou mais indelevelmente a literatura latino-americana no século passado? Gabriel Garcia Marques ou Jorge Luís Borges?
Recentemente, alguém teve a brilhante ideia de questionar alguns críticos sobre as mais importantes produções cinematográficas em todos os tempos. E, surpresa geral, o campeoníssimo Cidadão Kane de Orson Wells foi desbancado por Um Corpo que Cai de Alfred Hitchcock.
Ai,ai,ai,ai,ai. Podemos presumir que depois de 70 anos consecutivos no topo da lista, o clássico de Wells foi superado pelo drama psicológico-policial de sir Alfred? Que bobagem!
Ainda bem que o genial diretor inglês, cabotino e vaidoso, já foi para o paraíso ou para o inferno. Até porque não considerava O Corpo seu melhor trabalho. Pessoalmente, embora tenha uma reverência a toda a sua produção cinematográfica, o meu preferido é Janela Indiscreta. Quanto a história de Charles Foster Kane, ainda reputo como um dos melhores trabalhos já feitos em celuloide.
Nesta bobagem de listas etc, sempre faz muito sucesso a divulgação dos melhores westerns e dos melhores filmes de guerra, ou ainda das melhores comédias, e assim por diante.
E os absurdos são impressionantes. Pois vejamos: numa lista de dez dos mais marcantes e bem sucedidos cowboys, John Ford teria pelo menos três filmes: No Tempo das Diligências, Rastros de Ódio e O Homem que Matou o Facínora. Sérgio Leone é obrigatório com Era uma vez no Oeste. Não podemos esquecer de Os Sete Magníficos, Da Terra nascem os Bravos, Matar ou Morrer e ainda A Árvore dos Enforcados. Pois bem, como comparar estas verdadeiras obras de arte e eleger uma como a melhor de todas?
No segmento filmes de guerra, dificilmente alguém deixaria de citar o genial e caótico trabalho de Francis Ford Coppola, Apocalipse Now. Coppola usou tudo que tinha direito, quebrou um mundaréu de gente, mas fez um filme irretorquível. Mas, o que dizer de filmes anteriores a Segunda Guerra Mundial, que tinham recursos limitadíssimos. Me refiro a  trabalhos como A Grande Ilusão, de Jean Renoir, Sem Novidade no Front, de Lewis Milestone, ou Anjos do Inferno, de Howard Hughes.
Há ainda as versões dos derrotados como o japonês Yamato ou os alemães Stalingrado e O Barco. Os documentais: Tora!Tora!Tora!, O Mais Longo dos Dias, Uma Ponte Longe Demais ou A Queda. Claro, não posso esquecer o genial trabalho de David Lean, A Ponte do Rio Kwai. Ou o tonitroante Canhões de Navarrone, ou ainda a versão de Kubrick para o Vietnam em Nascido para Matar.
Por favor, fiquem à vontade e podem acrescentar suas preferências pessoais. Mas, dizer que este é melhor que aquele ou ranqueá-los é perder tempo.
Um de meus diretores prediletos, o austríaco Billy Wilder, por exemplo, costuma frequentar as listas dos melhores com dois dos seus mais marcantes trabalhos: Quanto mais quente Melhor (sempre considerada a melhor comédia de todos os tempos) e Crepúsculo dos Deuses. São dois filmes completamente diferentes e absurdamente geniais. Eu ainda acrescentaria A Montanha dos Sete Abutres. Outro gênio, Fritz Lang, está imortalizado por sua obra prima, Metrópolis, mas, seguramente não dá para desprezar sua incursão pelo cinema noir americano no início dos anos 50, com Blue Gardenia, por exemplo.
Voltando ao futebol, dez entre dez apreciadores do esporte bretão, dirão que a melhor seleção brasileira de todos os tempos é a de 1982. Aquela da Espanha. Respeito. Mas, ainda considero a de 1958, a mais efetiva, mais compacta, etc... Avaliação subjetiva? É claro. Como comparar, por exemplo, Falcão com Didi, Zico com Pelé, Toninho Cerezzo com Zito, Garrincha com Eder?
Considero Ulysses, de James Joyce, seguramente um dos maiores livros já escritos em todos os tempos. E de quebra aviso que jamais abri ou folheei um trabalho do Paulo Coelho. Mas, não dá para esquecer de Zola, de Umberto Eco, de Lampedusa, de Fernando Pessoa, de Saramago, de Hemingway e tantos outros.
Mais importante do que ficar fazendo rankings e perder tempo com esta bobagem, talvez valesse mais a pena revisitar todas estas obras. Há muitos Charles Foster Kanes por ai e, seguramente, ainda se tenta mudar tudo para que as coisas continuem do mesmo jeito que sempre foram. Finalmente, sempre surgirá um menino pretensamente melhor que Pelé ou Ali.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O mundo um pouco mais medíocre


Gore Vidal (1925-2012): uma terrivel sensação de solidão




Recentemente tenho me abatido muito com o passamento de amigos e, sobretudo, dos ícones que tanto povoam o meu imaginário e que foram tão importantes na minha formação. Fiquei acabado com a informação de que Gabriel Garcia Marques está com demência senil. E foi quase insuportável saber que Gore Vidal deixou esta vida.


Algumas pessoas se surpreendem quando eu digo que cogito acreditar na reencarnação. E outras se mostram inconformadas com uma minha tendência, digamos espiritualista. Até porque embora eu admita uma admiração muito grande por Alan Kardec, não me sinto preparado para me definir como seu seguidor.


Prefiro acreditar que existe uma dimensão onde o princípio inteligente de gente como Jorge Luis Borges, Julio Cortazar, Ernest Hemingway, George Orwell, Oswald e Mário de Andrade, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, pessoas que tanto contribuíram para o pensamento humano, se encontram depois desta vida. Se existir mesmo, quero o meu lugar nem que seja para servir cafezinho. No caso do velho Ernie, posso até preparar o seu gin, e olha que sou campeão nisso.


A morte de Gore Vidal me inundou de uma sensação de solidão, de uma tristeza muito grande. Embora ele tenha morrido com 86 anos e nos quatro últimos tenha vivido atrelado a uma cadeira de rodas, o seu desaparecimento torna o mundo muito, mas muito mais medíocre.


Vidal escrevia como um deus. Fez dupla com ninguém menos do que Francis Ford Coppola no roteiro de Patton e escreveu outros roteiros cinematográficos mágicos como Paris está em chamas. Adaptou De Repente no último verão do seu amigo Tennesee Williams.


Palimpsest, seu último livro, uma espécie de memoire de sua existência é uma obra prima. Mas, desafio meus seguidores a ler Williwaw, que ele escreveu quanto tinha 19 anos, a bordo de um navio, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi seu primeiro romance. E mostrava bem o que viria pela frente.  


Vidal era um crítico contumaz do imperialismo americano e merecia o Nobel de Literatura há muito tempo.