domingo, 15 de dezembro de 2013

Liberdade ou libertação?




Nina, 15, graduada: dilema de uma geração em busca de afirmação






Taí uma discussão que não tem fim: qual é o limite da liberdade e do libertário¿

Fui criado e desenvolvi um conceito primário de que os limites da liberdade estão nela mesma. Ou seja, a liberdade de um cidadão acaba onde começa a de outro. Ou ainda um conceito mais rudimentar de que a liberdade coletiva tem preponderância sobre aquela individual.

E o libertário¿ Como se ensina alguém a ser livre¿

Esta reflexão me assomou diante da cerimônia de formatura da minha filha mais nova, a Nina, que sabe Deus como, atingiu a graduação no ensino fundamental e ainda de quebra me descadeirou com um impressionante trabalho sobre O Alienista, de Machado de Assis. Foi o melhor presente de Natal que ela poderia ter me dado.

Minha filha é uma guerreira. Este ano ela enfrentou a mudança para São Paulo e recebeu um impacto tremendo com as manifestações de junho, que como um tsunami na mente das pessoas, sobretudo nos adolescentes, arrasou o bom senso e impôs a idéia estapafúrdia de que a democracia se faz pela via direta, nas ruas, e que nós dirigentes públicos, com mandato ou sem, somos seres desprovidos de qualquer compromisso social.

Muita gente boa, não só a minha filha, começaram a dar tratos a esta bobagem. Um amigo querido a quem respeito profundamente, chegou a me chamar a atenção para o fato de que as ruas estavam por indicar um novo caminho e que a juventude estava se manifestando. Bull shit!

Sem liderança, o caminho a ser trilhado é o da barbárie e da confusão, que só interessa as classes dominantes. Quem ensina isso é ninguém menos que Vladimir Ilitch Ulianov, o Lenin.

Tá legal. Graduação de ensino fundamental é muito mais uma babação de pais e avós do que qualquer outra coisa. Mas, se vamos fazê-la, é justo que a façamos direito. Não tive o privilégio da minha filha. Não me graduei no fundamental numa escola libertária. Lembro-me que ajudei na celebração da missa e depois todos nós vestidos com o uniforme habitual que nos havia acompanhado e torturado durante os longos quatro anos do ginásio, participamos da cerimônia de “colação de grau”, diante de nossos pais.

Foi a única que o velho Nunzio participou e me lembro vivamente que ele não cabia de tanto orgulho. O paraninfo da minha turma foi o professor Max, de Ciências. Um alemão que não falava português e ensinava em inglês. Como ele se entendeu com o papai que só falava italiano e se fazia entender como o Juó Bananieri, é um mistério.

Tá bom. Foi há muito tempo. Mais de meio século. Éramos pobres.

Mas, alguma coisa se perdeu não só na relação dos estudantes e de suas famílias com a escola. Como da própria escola em relação a sociedade e ao conhecimento. Se educar é formar cidadãos, há que se mostrar o norte e a responsabilidade do futuro. Rebeldia é saudável. Romper os paradigmas (desculpem pela expressão) da sociedade, também. Por outro lado, é bom saber por que, para quem e a quem interessa fazer isso. Caso contrário, a sociedade vai se conformar em 140 caracteres e um bando de gente defendendo uma utopia indefinida.

A família, a escola, e até a Igreja, porque não, cumprem o papel de organizar esta barafunda. 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

La Boheme, a ópera adotada por São Paulo





La Boheme/2013: o Municipal trilha sua vocação de ser uma casa de ópera



Dificil resistir a La Boheme, ainda mais esta que está em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo, tratada com zelo pelo maestro John Neschling e por toda a equipe da Fundação, com o competente José Herência à frente.

Vale dizer que La Boheme é a ópera de São Paulo. Razões efetivas, desconheço. Com efeito, a obra-prima de Puccini estreou em Turim, em 1896, e um ano depois era montada no antigo Teatro São José, onde hoje é o Shopping Light, com amplo sucesso de público e crítica. Embora o Municipal tenha sido inaugurado com Hamlet, de Ambroise Thomas, em 1911, no mesmo ano a cidade viu os personagens criados por Luigi Illica e Giacomo Giocosa desfilarem pelo palco da cidade.

Eu mesmo vi mais de uma dúzia de montagens. Já vi cenas de La Boheme acompanhadas apenas por piano, até em garagens. Lembro-me de uma com o maestro italiano Gigi Campanino, que trocava de camisetas coloridas a cada ato, durante o ensaio geral.

Vi La Boheme em Roma, na Royal Opera House do Convent Garden, no Colon, de Buenos Aires. Tenho uma meia dúzia de gravações. A que mais me agrada é uma jóia rara, regida por sir Thomas Beecham, com Jussi Bjoerling e Victoria de Los Angeles.

Esta Boheme/2013, em São Paulo, está sem dúvida entre as melhores que eu vi e ouvi. A começar pela concepção cênica, moderna, asfixiante como deve ser uma mansarda em Paris, larga como deve ser a festa de Natal no Quartier Latin, intimista como deve ser a cena dos limites da cidade.  O trabalho de Arnaud Bernard é irrepreensível.

A obra de Puccini é aparentemente singela sob o ponto de vista musical. Mas, trata-se de um solene engano. Não é. Ela exige muito da orquestra e do regente. Neschling foi perfeito. Soube conter a torrente melódica ao mesmo tempo em que ressaltava a voz e as nuances líricas dos cantores. Por outro lado, foi cirúrgico ao administrar a armadilha do final do segundo ato, quando a fanfarra entra em cena em um compasso distinto da orquestra e dos cantores.

Por falar em cantores, pela menos na versão que eu vi, que seleção maravilhosa. A meio grega Alexia Voulgaridou, detentora de uma voz quente e expressiva fez uma Mimi mágica, frágil e delicada como convém. A soprano romena Mihaela Marcu, no papel de Museta, seduziu a todos com uma cavatina imperiosa no segundo ato. Cheia de frescor e de humor. No terceiro ato foi assombrosa, perfeita no quarteto. O tenor brasileiro Atalla Ayan (Rodolpho) não possui uma voz tonitroante. Ao contrário é como um cristal, límpida, clara, com curvas perfeitas. Por outro lado, o barítono italiano Simone Piazzola (Marcelo) é vigoroso e potente. Felipe Bou (Colline) e Mattia Olivieri (Schaunard) perfeitos. O Coral Lírico, agora sob o comando de Bruno Greco Facio, está mais solto, mais alegre. Enfim, o Municipal está mesmo no caminho de se tornar uma verdadeira casa de ópera.

Esta La Boheme estará em cartaz no Municipal até o dia 29 de dezembro, sempre as terças, quintas, sábados e domingos. Evidentemente não haverá espetáculo dia 24.

sábado, 26 de outubro de 2013

150 anos da arte de correr atrás da bola


A essência: fazer passar um balão de couro por ma baliza de três paus.





Curiosa esta efeméride de hoje, os 150 anos da oficialização das regras do futebol. Alguns mais exagerados definiram como a maior invenção da Inglaterra Vitoriana. Também não é para tanto. Mas, aqueles senhores que se dirigiram ao Freemason’s Tavern, na Great Queen Street, naquela segunda-feira chuvosa de 26 de outubro de 1863, seguramente não imaginavam o que estavam prestes a criar.

Na verdade queriam tomar uma boa cerveja temperada pelo indefectível fish and chips, além de trocar idéias sobre este esporte maluco em que onze caras tentam fazer um balão de couro passar por três balizas de madeira. Não se negue, e ninguém nunca negou, o futebol nasceu da simplificação (ou complicação como querem alguns) do rugby, já bastante popular naqueles tempos, sobretudo no meio universitário.  

Nada de colocar a mão na bola. Só o goleiro e o ato de recolocar a bola em jogo pela linha lateral. Outra mudança importante: a bola passou a ser redonda, esférica, e passada livremente para frente ou para trás (no rugby o passe tem que ser feito obrigatoriamente para trás).

Estava feito o estrago. O livro de regras e o balão de couro passaram a percorrer o mundo e amealhar mais e mais adeptos. Na Alemanha, o futebol chegou a ser proibido, em meio aos rompantes bismarckianos de superioridade teutônica. Quem diria que 150 anos depois, a prática deste esporte tosco, praticado no inverno, seria difundido em todo o planeta, tornado sem dúvida o mais popular em todo o mundo.

Nunca fui um craque da bola. Mas, gostava de praticá-lo na minha juventude pelos campos de várzea da minha Moóca. Minha posição predileta era a lateral, de preferência a esquerda, e meus ídolos na posição eram o argentino Marzolini, do Boca Juniors, e o brasileiro Nilton Santos, do Botafogo. Minha fixação era o deus negro da lateral direita do Palmeiras, Djalma Santos, recém-falecido, seu controle de bola e a facilidade com que passava sempre com perfeição.

Pode parecer precoce demais, mas eu descobri o futebol com seis anos, durante a Copa da Suécia. Não havia transmissões televisivas. Era só o rádio e os jornais, sobretudo o Diário da Noite. Meu pai era um entusiasta de um centroavante do Palmeiras, apelidado Mazola, que eu descobriria depois era assim chamado em homenagem a um grande jogador italiano.

Mazola, na verdade José Altafini, oriundo como eu, nascido em Araraquara, nunca voltou da Suécia. Ficou e é famoso na Itália, onde defendeu praticamente todos os grandes times, a Internazionale, o Milan e a Juventus e até a seleção italiana.

Eram os tempos de Pelé, Garrincha, Nilton e Djalma Santos. De Zito e Dino Sani. De Didi. O futebol parecia um entretenimento simples que animava as noites de quarta-feira e as tardes de domingo. O bate-papo com os colegas de escola no recreio. Logo, as manhãs de domingo e as tardes de sábado passaram a ser consagradas à várzea. O campo dos Bois, a Bica e outras quebradas.

O Estadão de hoje arrisca uma seleção de todos os tempos. E com exceção do gênio húngaro Ferenc Puskas, eu praticamente vi todos jogarem. Eram realmente mágicos. O goleiro era o ucraniano Lev Yashin, chamado de Aranha Negra; na direita, Djalma Santos, claro. A zaga: o italiano Gaetano Scirea e o inglês Bobby Moore; na esquerda o alemão Paul Breitner. No meio de campo, no que se poderia chamar de formação suicida, o alemão Beckenbauer, chamado de Kaiser, o holandês Johan Crujff, o deus portenho Diego Maradona e o atleta do século, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. No ataque Garrincha, o driblador genial, e Puskas, o executor.    

Neste time, Yashin, Crujff e Puskas não foram campeões mundiais por suas seleções. Os ingleses inventaram o futebol e também o fair-play. O futebol é uma história que se representa em 90 minutos por 22 atores. E já foi muito bom de se ver.


sábado, 19 de outubro de 2013

Quem estes caras pensam que são?

Garrincha e Pelé, na Copa de 58: dois personagens biografaveis
Antes de mais nada, quero me desculpar com os poucos seguidores deste blog por ter me mantido ausente tanto tempo. Problemas técnicos e de inspiração. Apenas isso.

Chega a ser impressionante o que se gasta de papel, tinta e espaço na mídia esta esdrúxula discussão sobre biografias. Pior ainda é que a questão evolui para o direito da privacidade, o poder dos olimpianos, é muita bobagem para relés mortais.

Vamos combinar, quem tem notoriedade – e se locupleta dela – abre mão deste direito a privacidade. Que conversa!

Ninguém em sã consciência estará interessado em ler a minha biografia, seja ela escrita por mim, autorizada ou não. O mesmo se aplica ao lateral direito Arranca Toco, do glorioso Clube Atlético Jesus me Chama.

Nada contra o Arranca, que até jogava direitinho.

Por que alguém perderia tempo lendo uma biografia¿

Ora, porque há interesse na vida e na história do biografado. Por exemplo, a história da vida de Beethoven, ou de Napoleão, por Emil Ludwig; o genial Churchill, o jovem Titã, de Michael Shelden e assim por diante. Há ainda as notáveis autobiografias: ainda recentemente me deleitei com a de Akira Kurosawa, ou a do próprio Churchill.

Quando o próprio biografado fala de si mesmo, há um componente delicioso: a autocrítica. Mas, vamos combinar que não é qualquer olimpiano que tem bala para escrever de si mesmo.

Já imaginaram uma autobiografia de Roberto Carlos¿ Seria insuportável. Ou de Caetano Veloso¿

Trabalhei com Ruy Castro na Folha e na IstoÉ. Considero sua pena e a de Fernando Morais, duas das mais brilhantes e lúcidas da língua portuguesa. Mas, isso não quer dizer que eu concorde com eles em tudo. Aliás, tenho certeza que os dois esperam de mim justamente a crítica e não a bajulação.

A biografia de Garrincha, escrita pelo Ruy, é uma obra prima. Não só pelo resgate do personagem, como pela forma como ela foi escrita. O fato da “alegria do povo” ser super-dotado, priápico e alcoolatra é de domínio público. Tirar o livro das livrarias foi um crime que a família perpetrou contra a verdade e a própria memória do biografado.

Nunca vi uma boa biografia de Edson Arantes do Nascimento. Confesso que me animaria muito em lê-la. Mas, certamente não me interessaria se ela fosse autorizada. Nada contra o Pelé. Gosto dele. Mas, tenho certeza que o ego do craque do século seria forte o suficiente para influir na verdade.

Definitivamente estou me lixando para Roberto Carlos, Caetano e Chico Buarque. Quem eles pensam que são¿


Esta discussão é ridícula!


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O fantasma da praça Arthur de Azevedo



D.Giovanni, cena final: o fantasma atacou a mesa de iluminação no primeiro ato


(saiu no Brasil 247)
Um novo e surpreendente personagem apareceu pelos corredores do Theatro Municipal de São Paulo: o fantasma da ópera. Ao contrário do clássico mascarado que vive nos porões do famoso prédio de Paris, este tem motivações mais torpes. Pode ser uma viúva de gestões passadas, ou de produtoras passadas, de tempos não tão gloriosos, mas seguramente obscuros.

O fato é que na segunda récita de Aída, no mês de agosto, duas horas antes do pano subir, numa tarde fria de domingo, a direção do teatro constatou que os cabos de um dos elevadores de cena estavam rompidos.  Foi uma confusão danada, mas a equipe de diretores e registas do teatro conseguiu improvisar a montagem de forma a levar o drama da escrava etíope apaixonada pelo general egípcio sem que a plateia percebesse o ocorrido.

A direção do Theatro, entretanto, chamou a polícia. Registrou a ocorrência e solicitou providências à Prefeitura no sentido de policiar as coxias e os bastidores do palco.

Coerente com os novos tempos, o fantasma da ópera de São Paulo se comunica pela internet. Um perfil fack do facebook, pela manhã , anunciava que naquela tarde, os produtores de Aída “iriam se afogar nas areias do deserto”. Foi por pouco mesmo.

Domingo passado, dia 15, na terceira récita do D.Giovanni, de Mozart, e na terça 17, na metade do primeiro ato, caiu a fonte de energia da mesa de iluminação. O espetáculo foi interrompido por 15 minutos. A danação do mais ilustre conquistador de Sevilha consumou-se com atraso, mas com brilho.

Curiosamente, três minutos depois do ocorrido, o fantasma informava o ocorrido, muito antes da constatação dos próprios técnicos.

Há algo de muito podre nas coxias do Municipal. A dupla John Neschling e José Luís Herência enfrenta uma reação pequena, mas desesperada, de gente inconformada com o padrão de qualidade e excelência exigidos pela nova gestão. Pior, estão fazendo renascer o mais xenófobo dos sentimentos, aquele de reação aos músicos estrangeiros. Como se a qualidade artística tivesse pátria ou se qualificasse pelo local de nascimento. Uma bobagem monumental.

Se já tinha dado polícia desde a montagem de Aída, a história agora se complicou. O tal perfil fack está sendo monitorado pela polícia especializada em crimes digitais. Uma análise primária permitiu aos delegados perceber que além de mau gosto, os autores avançaram pelo perigoso terreno da calúnia e da difamação. E isso dá cadeia!

Depois do ocorrido em D.Giovanni, a Secretaria da Cultura solicitou a Controladoria Geral do Município a instauração de uma sindicância para apurar o eventual envolvimento de funcionários do teatro. O controlador Mário Vinicius Spinelli, trazido da CGU de Brasília, pretende durante a investigação analisar meticulosamente os contratos com as produtoras de tempos passados.  E o eventual envolvimento do fantasma com estas empresas, que aliás, por longos oito anos fizeram o que quiseram no teatro e na programação musical da cidade.

O cenário agora é outro. Naschling pretende fazer um concurso para completar as estantes vazias na orquestra do teatro até o final do ano. Pretende juntar os corais Lírico e Paulistano. Quer transformar o Municipal em um teatro de ópera, com pelo menos 10 montagens por ano, uma em cada mês. Não há lugar para amadorismo, para deuses cangaceiros.


Depois da montagem de Aída, o Municipal abriga agora o D.Giovanni, com o mesmo sucesso. A temporada segue com Jupyra e Cavalleria Rusticana, Ouro do Reno (em forma de concerto) e, finalmente, La Boheme. Cantores de talento, músicos esforçados e técnicos aplicados. O fantasma, por sua vez, vai se encontrar com a polícia e com os auditores da Prefeitura.

domingo, 11 de agosto de 2013

A noite em que São Paulo fez música



A soprano uruguaia Maria José Siri: perfeita como a Aída de Verdi

Gregory Kunde é um simpático tenor americano, dotado de uma voz potente e límpida, com notável clareza e dicção perfeita. Ele foi o Radamés da estréia de Aída, na noite de sexta 9. Esteve perfeito como o guerreiro egípcio que se desgraça pelo amor a uma escrava etíope.  Foi de sua lavra, livre da fantasia, a frase que definiu a noite:

- Maestro, hoje à noite nós fizemos música!

Os cenários estiveram perfeitos, a maquiagem e os figurinos também. A iluminação rica e expressiva como convém aos grandes teatros. Mas, o que sobressaiu mesmo foi a performance dos cantores, do coro e, sobretudo, o talento daquelas moças e rapazes escondidos no fosso e que fizeram a música de Giuseppe Verdi soar soberana, como deve ser.

Maria José Siri, a soprano uruguaia, uma menina mágica, simpática e humilde, distante do perfil habitual das divas, arrebentou. Não deixou pedra sobre pedra. O trio do terceiro ato, com Kunde e com o barítono inglês Anthony Michaels-Moore. Aliás, desculpem, o terceiro e o quarto ato foram magistrais. Perfeitos.

E o que dizer da Amneris da mezzo-soprano finlandesa Tuija Knihtia. Que voz, que performance!

Gostaria de registrar, não sei o nome dele, o trabalho maravilhoso do clarone (para quem não sabe a clarineta na clave de fá) uma das deliciosas invenções de Verdi para Aída, que brindou a plateia com uma intervenção espetacular.

John Neschling zeloso, atento, minucioso, parecia um Toscanini ou um Beecham. Regeu com suavidade, entrelaçado com o espirito do maestro Verdi. Divertiu-se. Fez muita música.

Obrigado Johnny, que noite memorável!

A cereja do bolo ficou para a perplexidade das minhas filhas Carolina e Nina, do Theo, filho do Toni e da Débora, e da Victoria, do Luís e da Luciana.

De quebra, minha irmãzinha Heloísa Ballarini documentou com um ensaio fotográfico os ensaios. Em breve o seu trabalho maravilhoso estará disponível na internet.

Obrigado Helo, por tudo. Vamos em frente!


Amigos, ainda têm mais oito apresentações de Aída. E tem mais por ai. Em breve teremos a história de um cavalheiro sedutor que barbarizou em Sevilha, contada por Lorenzo da Ponte e musicada por ninguém menos que Wolfgang Amadeus Mozart. 

domingo, 4 de agosto de 2013

Enfim, chegou a semana de Aída


O portentoso segundo ato de Aída: a marcha triunfal de Radamés






Depois de 60 dias bastante intensos, finalmente chegou o dia da estréia de Aída, no Theatro Municipal. Nem preciso dizer que sinto uma profusão de sentimentos que variam de orgulho, preocupação, ansiedade e assim por diante. Confio muito no maestro Neschling e sei que ele fará o melhor. É a primeira produção lírica do Theatro em 18 anos.

Aída é uma ópera peculiar. O maestro Verdi já havia se recolhido a sua fazenda e cuidava apenas de grãos e galinhas ao lado de sua companheira Giuseppina, aparentemente sem dar muito trato a uma proposta do Teatro de Ópera do Cairo para escrever uma grande ópera para comemorar a inauguração do Canal de Suez. Depois de D.Carlos e La Forza del Destino, o maestro já com mais de 80 anos imaginava descansar a pena.

Ainda assim, Verdi pediu para Antônio Ghislanzoni escrever o libreto a partir de uma sinopse de seu amigo Camille du Locle. Mas, deixou tudo guardado numa gaveta.



La Stolze: furacão na vida de Verdi
Foi então que um tufão entrou em sua vida. Uma soprano alemão chamada Tereza Stolze, no auge de seus 20 anos, foi a Milão encenar Lohengrin, de Richard Wagner, e fez questão de visitar o maestro em sua fazenda. Verdi se encantou com a moça e decidiu abrir a gaveta.

Meu pai e meu avô, ambos apaixonados por Verdi, costumavam ressalvar que a produção do maestro se dividia em dois grupos: em um onde estariam as óperas mais inspiradas estão Aída, Falstaff, Rigoletto, MacBeth e Otelo. Stolze teria inspirado não só a escrava etíope, como também a infeliz Desdemona. Daí é fácil imaginar o impacto que ela provocou.

Aída é colorida, vibrante, inspirada. São quatro atos, divididos em duas cenas cada. Os dois primeiros são bastante pirotécnicos com massas corais, bales, árias portentosas e vigorosas. Os dois últimos são mais inspirados delicados, exigem mais da orquestra e dos cantores. Destaques importantes: a primeira ária do tenor Se quel guerrier io fosse e da soprano Ritorna Vincitor. A minha parte preferida é o dueto do terceiro ato, Pur ti riveggo, mia dolce Aida. E evidentemente o dueto final no quarto ato O terra, addio; addio, valle di pianti.

Em termos de gravações fonográficas, Pavarotti, Bjoerling, Bergonzi, Gigli, di Stephano, todos se saíram muito bem no papel de Radamés. E todas as grandes divas do século XX estiveram no papel da escrava etíope. Mas, para mim a versão definitiva é do maestro Georg Solti com a ópera de Roma, tendo o tenor canadense Jon Vickers e a soprano americana Leontyne Price nos papéis principais.


O ano promete muito ainda. Depois de Aída, será a vez de D.Giovanni de Mozart, o Ouro do Reno, primeira ópera da tetralogia wagneriana, Jupyra e Cavalleria Rusticana numa só noite e a clássica La Boheme, de Giaccomo Puccini. 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A verdade sobre Lone Ranger





Tonto e Lone Ranger, nos anos 50: heróis ingênuos que empolgavam nas matines



 
Bem feito!

Uma produção de US$ 235 milhões não arrecadou até agora nem a metade do que gastou. Claro estou falando do Lone Ranger, o Cavaleiro Solitário, a desastrada tentativa da Disney de recuperar o personagem dos anos 50 e seu indefectível companheiro comanche, o índio Tonto.
Bem que Johnny Deep se esforça no papel do índio que conta a história. E tem tiradas bem engraçadas. Muito pouco para a fortuna que gastaram, é verdade. Mas, o que mais me incomodou foi a forma desrespeitosa com que trataram um herói sexagenário, que animou a minha geração com seriados no cinema, na tevê e nas revistas em quadrinhos da RGE (Rio Gráfica Editora).

Tá legal, o mundo mudou. A internet, o 3D, os efeitos especiais, acho que ninguém daria mesmo bola para um caubói ingênuo que defendia os índios, os agricultores, os mexicanos no meio daquele descampado texano.

Aliás, tenho o privilégio de possuir uma cópia dos dois longas feitos na década de 50. Lone Ranger e The Golden City. São produções B, ingênuas, típicas das matines daquele tempo, quando um mocinho era mocinho e um bandido era bandido. Algum sociólogo certamente terá tempo para explicar porque os gibis e o cinema eram tão lineares. Da minha parte, adorava os finais:

- Veja, os índios ficaram com o ouro, agora poderão construir um hospital e uma escola. E nada disso seria possível sem a participação de Tonto e de Lone Ranger.

-  Aio Silver. Away!

Então vamos combinar: kimosabe, quer dizer homem digno e não irmão errado.
Lone Ranger era um Texas Ranger que foi emboscado com outros seis companheiros, inclusive o seu irmão. E fez a  máscara com a camisa do irmão. Foi salvo por um índio chamado Tonto. Não era advogado, nem promotor, nem coisa nenhuma.  Silver era um cavalo selvagem, mitológico, um cavalo de prata.

Tudo isso era uma invenção tola. Mas, inesquecível para quem contava as horas para a matine de domingo.

sábado, 15 de junho de 2013

As brigadas incendiárias de Bradbury

 Fahrenheit 451, baseado no livro de Ray Bradbury: distopia que parece realidade

A capa do Caderno 2 do Estadão de hoje, mesmo numa ressaca de tensão natural pelos eventos de São Paulo, me traz à reflexão um dos livros mais marcantes da minha formação, o  clássico de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Breno Pires o autor da reportagem sintetiza de forma brilhante uma imagem que era de ficção, em 1953, e que hoje, desgraçadamente é real.

“Uma sociedade viciada em entretenimento televisivo, calmantes e antidepressivos, que admite a supressão da liberdade individual em nome de uma suposta felicidade, garantida pelo estado por meio da repressão ao contraditório”.

Só não concordo com a afirmação de que isso poderia retratar uma leitura da sociedade norte-americana pós 11 de setembro. É pouco. Retrata sim o mundo ocidental de forma global.

Neste sentido o escritor Bráulio Tavares, na sequência, vai ao âmago da questão: “Praticamente tudo que Bradbury diz em Fahrenheit 451 descreve o mundo de hoje, o mundo televisivo, conectado, interativo, onde as pessoas ficam como sonâmbulos respondendo a estímulos, acompanhando séries, novelas ou reality shows. O livro fica mais contemporâneo a cada década que passa”.

Embora fosse um devorador  do gênero ficcional, sempre me senti mais atraído por aqueles da linha da distopia. E embora o terror de 1984 e de Admirável Mundo Novo também tenham me impressionado muito, a obra de Bradbury teve o poder de me sensibilizar mais. Imagine-se uma sociedade que despreza o conteúdo e o contraditório, que abomine os sentimentos e a individualidade, que celebre as semi-celebridades vazias e inúteis.
Uma sociedade onde as pessoas se sentem bem por suprimirem  a emoção. Onde os livros, quer dizer a reflexão e o pensamento humanos, são vistos como uma fonte de dúvidas, dor e inconformidade. E as pessoas abrem mão disso para não sofrer.

Jesuisssss! Não é isso que estamos vivendo¿

Está bem que as ruas não são ocupadas por bombeiros prontos para o espetáculo da incineração de livros em cerimônia pública. Mas, não foi isso que a patrulha politicamente correta andou propondo em relação a alguns títulos de Monteiro Lobato, acusados de um suposto racismo¿

Roberto Causo, escritor e pesquisador de ficção científica deu um fecho sensacional à reportagem: “O perigo não é que queimem os livros, é que os livros que discutem ideias sejam substituídos, como a indústria editorial tende a fazer cada vez mais, por factoides inofensivos: livros de culinária, de turismo, de autoajuda ou de biografias de pseudo celebridades”.

Bradbury morreu no ano passado. Deve ter visto com horror que a sua ficção não anteviu o advento das patrulhas do politicamente correto, e muito menos as redes sociais. Viu que as emoções passaram a depender apenas da adrenalina despejada nos parques de diversão. Pior que as leituras pictóricas, apenas com imagens, das publicações do seu futuro, a comunicação passou a se processar por textos de até 140 caracteres. O cinema de sucesso passou a ser marcado pela emoção dos efeitos especiais e dos enredos anódinos importados das novelas da televisão.

Um concerto de  Mozart passou a ser chato. O novo mundo gosta do barulho dos Racionais. Wagner ou Verdi passaram a ser confusos e Britten ou Stravinsky inacessíveis. O ato de visitar um museu não gera a expectativa da reflexão, a emoção da experiência se resume a postar na internet uma foto do protagonista diante do local.

- Você esteve em Paris¿

- Sim. Você não viu as fotos que eu postei no face¿

- Vi. E como foi¿

- Foi legal.

O politicamente correto exige que as pessoas se mobilizem por causas até coerentes: preservação da natureza, vida saudável, transporte público gratuito, controle da emissão de gases, liberdade, paz para a Mangueira, 10% do PIB para a Educação, segurança para todos. Mas, ninguém quer discutir como se chega a isso.

Ninguém é contra isso. Muito pelo contrário. Mas, ser a favor quer dizer abraçar os argumentos da causa, confrontar os reacionários a ela. Valer-se das razões e da ideologia.

Isso talvez seja chato. Mas, é assim que funciona. As pessoas aderem a uma causa porque acreditam nela. Não porque é politicamente correto, ou porque foram mobilizadas pela internet. Ou porque é legal!

Diálogo que eu ouvi esta semana:

- Se fosse há 20 anos, eu estaria lá com eles.

- Pois eu não. Como iria me mobilizar por uma causa difusa, em um movimento sem liderança e sem comando.

- Mas, agora é assim.

 AGORA É ASSIM!

Que diabos quer dizer isso¿ Que os bombeiros do Bradbury vão queimar qualquer ponta de racionalismo¿ Que esta criatura difusa e sem rosto chamada internet tem o poder de convocar sem questionar¿

Bradbury termina o seu Fahrenheit 451 de forma tão otimista quanto possível. Em uma comunidade onde cada cidadão preserva um livro em sua memória, a espera que em novos tempos eles possam ser novamente editados em papel ou CD ou seja lá que forma tiverem.

Nunca como agora me vi nesta comunidade.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Cosa voi dire qualunque, qualunquismo?




Beppe Grillo: exemplo maior do cualcunismo italiano

Qualunquismo é um neologismo italiano que, ao pé da letra, quer dizer que qualquer um serve para qualquer coisa. Traz consigo a descrença, o desalento, o enfado e, quase sempre, o desatino. Surgiu em 1948 fruto do movimento dell'uomo qualunque.

Na Itália dos meus ancestrais o qualunquismo chega a ser uma doença, mesmo antes de se materializar como um comportamento político organizado. Desde jovem ouço uma anedota que explicita bem este sentimento. É aquela do grupo de velhos em torno de uma mesa de scoppa que não sabe eleger entre uma canção socialista, Bandera Rossa, ou uma fascista, Faceta Nera. Então alguém sentencia, “Merda por merda, toca a Marcia Real”.

O qualunquismo já produziu na Itália barbaridades e insanidades graves como Benito Mussolini (para quem governar o país era inútil) e seus camisas negras, Silvio Berlusconi e o gunga-gunga, Cicciolina e agora Beppe Grillo.

Mal comparando, seria como se no Brasil, Renato Aragão, a quem reverencio como um grandíssimo artista, postulasse a candidatura à presidência da República.

Foi o que aconteceu na Itália nas últimas eleições, o que gerou uma crise no singular parlamentarismo italiano, de tal sorte que o país ficou sem governo por dois meses e buscou uma solução numa insólita aliança entre direita e esquerda. Aliança que tem tudo para dar errado, embora qualquer coisa que ocorra naquela península mediterrânea seja possível.

Apesar da crise europeia, da fragilidade do euro, da dívida previdenciária, da inércia na economia, a Itália deu-se ao luxo de dar de ombros à crise do seu governo. E é aí que o qualunquismo tem sua característica positiva. Aos italianos pouco importa se seus políticos se matam nas câmaras e seus intelectuais, ou especialistas para usar jargão brasileiro, queimam seus neurônios para encontrar um novo modelo. E pouco importa se vai para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo.

É vida que segue. Na rotina do trabalho, de todos os dias, na pasta ou no rizzo nosso de cada dia. De vez em quando uma coda como secondo. Um pedaço de formaggio e um copo de San Giovese. O calcio dominicale, a Ferrari, o Giro de Itália. Esta segurança dos italianos chega a provocar calafrios e desdém em seus parceiros europeus e incompreensão do resto do mundo.

Esta postura se deve, sobretudo, ao fato de que primeiro os italianos não se levam a sério e não levam nada a sério. Opa, nada não. Levam muito a sério o Estado italiano e algumas conquistas adquiridas nos últimos 150 anos, que poucas civilizações atingiram. Qualquer tentativa de atentar contra o Estado, une os italianos do Friulli a Sicilia numa velocidade espantosa. Experimente um desavisado empresário peninsular, por exemplo, soltar um passaralho em suas linhas de montagem para ver o que acontece. O trabalho e sobretudo os postos de trabalho na Itália são mais sagrados que as colinas do Vaticano. O Estado italiano investe com fúria em defesa dos trabalhadores. Isso é uma certeza.

Sempre conto uma cena que testemunhei na Piazza Venezia, em Roma, muitos anos atrás, e que me parece emblemática do espírito italiano. Numa esquina de cinco vias, um guarda de trânsito sobre um praticável controlava pacientemente o trânsito, eternamente confuso desde os tempos das bigas. Um motorista inconformado com o tempo de espera descontava na buzina de seu Lancia, o tempo que aguardava para sua passagem. E mesmo diante da postura do oficial que lhe pedia paciência, mantinha a mão sobre este apetrecho tão ruidoso.

A insistência foi tanta, que o guarda largou sua posição e sentou-se numa mesa do Café Brasile e pediu um ristretto.

Claro, todos os motoristas sem a ordem, ainda que precária do guarda, avançaram ao mesmo tempo, estrangulando completamente a esquina e tornando qualquer passagem impossível. Seguiu-se violenta discussão entre os condutores, ao mesmo tempo em que o guarda mexia displicente o seu café e assistia a tudo impávido.

Depois de alguns minutos de discussão, os motoristas chegaram à conclusão que para chegar a seus destinos era fundamental que o guarda voltasse ao seu praticável e decidiram ir em comitiva implorar ao oficial que retomasse sua função.

O guarda parecia alheio a tudo. Fitava com olhar perdido o pavoroso monumento ao Estado, construído com o mal gosto dos fascistas, que os romanos chamam de Bolo de Noiva, ou máquina de escrever. Depois de muita insistência, pediu aos motoristas que pagassem o café e reassumiu suas funções.  Acabou com a confusão e retomou o caos anterior, como se nada tivesse acontecido.

Só dá certo mesmo na Itália, com qualunquismo e tudo.

Primeiro de maio da Força: eta pelegada danada
Hoje é primeiro de maio e acabei de voltar da festa da Força Sindical. Uma pelegada danada. Até o senador Aécio Neves estava lá. E, a favor dele, preciso registrar sua honestidade. Disse com todas as letras que o Brasil não pode se dividir entre capital e trabalho. E que juntos o país deve seguir rumo ao desenvolvimento. Esqueceu de dizer que quando o partido dele estava no poder tentaram de todo jeito enterrar a CLT, que hoje completa 70 anos. Também não disse que esta história de conciliar patrões e trabalhadores só favorece mesmo os detentores do capital.

Qualunque si. Ma in Itália. Non qui. Prego.