domingo, 17 de fevereiro de 2013

As cotas e a reação esperada



Com vagas garantidas: e se os estudantes pobres começarem a formular? 




Uma das mais estranhas sensações que eu senti nos 10 anos em que trabalhei no governo federal deu-se por conta da sanção presidencial ao projeto que garantia as cotas nas universidades e institutos federais. A proposta de iniciativa legislativa tramitou por mais de 14 anos no  Congresso Nacional e por estes meandros místicos , que ninguém explica, subiu para o Planalto com uma redação sensata e objetiva. Ou seja, em cinco anos, 50% de todas as vagas públicas federais universitárias deverão ser preenchidas por estudantes oriundos da rede pública, preservadas as características raciais em todas as vagas e os níveis de baixa renda familiar, para as quais se reserva um quarto.

O impacto nas universidades foi tremendo. Chegou ao ponto de um reitor de universidade do Rio de Janeiro propor a desobediência civil. Até a agência de propaganda que atende ao MEC chegou a me aconselhar que o governo não deveria abrigar semelhante iniciativa, por considera-la impopular. No momento da sanção, recebi ordens de importante assessor palaciano para que não se desse publicidade ao fato: “Vamos provocar a classe média e gerar inconformidade nestes setores”  - me dizia.

Com efeito, a sanção se deu de forma burocrática, sem maiores alardes. A regulamentação, entretanto, teve o dedo decisivo da presidente Dilma: “Quero isso aplicado ainda este ano”.

Não se negue o chamado poder de confronto da classe média brasileira. Mas, se uma coisa nós devíamos ter aprendido nestes anos todos de Lula e agora de Dilma é que eles não gostavam, não gostam e jamais gostaram de um governo popular democrático. Nunca nos deram e jamais nos darão uma procuração. Esta história de se misturar com o povo é muito legal no Carnaval, mas acaba na quarta-feira de Cinzas.

 Educação pública de qualidade é um imperativo, sobretudo para formar mão de obra qualificada , que vai ajudar na acumulação de capital das empresas nacionais. Mas, para por ai. Que história é essa do filho ou filha da empregada ou do motorista ter vaga garantida na  universidade! E se esses meninos e meninas chegarem à conclusão de que o glamour da modernidade, dos discursos vazios e politicamente corretos,  só servem mesmo para obstruir a visão do que realmente está por trás de tudo: a luta de classes.

Hummm! Realmente é preocupante. Já imaginou se estes meninos e meninas deixarem de sonhar com a glória nos gramados de futebol, com uma aparição no BBB ou na revista Caras, e passarem a formular uma sociedade diferente que transforme a realidade deles e de seus pais e vizinhos.

Muita gente ficou desconfortável com o Prouni, o programa que concede bolsas – mais de um milhão – para alunos de baixa renda em instituições privadas de ensino superior.  Também não gostaram da expansão das universidades e dos institutos federais e da multiplicação dos câmpus em todo o país. Não gostaram do ENEM e decididamente ficaram contrariados quando viram que o Plano de Desenvolvimento da Educação, o PDE não era apenas retórica ou um destes planos estatisticamente insignificantes que massageava levemente a consciência de uma classe abastada.

Há luz no fim do túnel. É tudo uma questão de ir ao encontro dela. O jornalão dos Mesquita, o vetusto O Estado de S.Paulo publica em sua edição de hoje, domingo, dia 17, pesquisa realizada pelo IBOPE que comprova que 62% da população apoia a adoção de cotas pelas universidades públicas para negros, pobres e alunos de escolas públicas. Nada menos que 77% apoiam as cotas para estudantes de baixa renda. E, 32% são contra as cotas raciais. Apenas 16% são contra qualquer tipo de privilégio. Segundo a pesquisa, em nenhum estrato social a oposição ás cotas nas universidades públicas é maior que o apoio a elas.

Vou terminar com uma frase de frei David dos Santos, diretor da Educafro: “Quando a sociedade passou a ter informações qualificadas, equilibradas, sem a emoção de militantes a favor ou contra, o povo passou a entender a verdade da causa”. 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

É difícil ser católico no século XXI




Bento XVI: decisão de profunda humildade, coerente com sua objetividade




Confesso que fiquei bastante surpreso  com a decisão do papa Bento XVI de apresentar sua renúncia, na última segunda dia 11. Depois ao refletir melhor, cheguei à conclusão de que foi uma atitude muito própria da racionalidade e do pragmatismo inerentes a essência de Joseph Ratzinger. Difícil mesmo é suportar o festival de asneiras que pensadores proto-ateus, não católicos, neófitos de uma maneira geral, derramaram na rede social e nos meios de comunicação.

Certa vez, conversando com d.Helder Câmara em Itaicy, em torno de uma chávena, ele me dizia que um dos problemas do catolicismo residia no fato de que boa parte de seus fiéis queriam na verdade mudar a essência da doutrina. “Isso será o fim da Igreja”, proclamava ele.

É bem verdade que o Concilio Vaticano II, convocado por João XXIII e aprofundado por Paulo VI deu uma arrumação importante na Igreja pós revolução francesa. O rito deixou de ser em latim, instituíram-se as pastorais, abriram o espaço para os leigos, a opção preferencial pelos pobres, o ecumenismo deixou de ser uma teoria. Mais recentemente, até por obra do próprio Ratzinger, então eminência parda de João Paulo II, chegamos a um impensável pedido de desculpas pelos erros históricos, os equívocos sanguinários, a segregação da ciência e outros absurdos.

A Igreja romana evoluiu entre a morte de Pio XII e a renúncia de Bento XVI, ou seja pouco mais de meio século,  muito mais do que em dois milênios de existência. Tornou-se mais social, mais atuante, mais viva e mais presente. Para isso contaram a coragem de João XXIII, a firmeza de Paulo VI, o poder midiático de João Paulo II e a lucidez de Bento XVI.

Entretanto, este avanço não inclui aspectos doutrinários fundamentais: a igreja católica estuda o marxismo, mas não é materialista, nem dialética; preocupa-se com a fome no mundo e com os imensos contingentes populacionais, mas é contra o controle da natalidade; não aceita nenhuma revisão dos seus sacramentos, por isso, ainda sustenta que o matrimônio é indissolúvel; entende que o homossexualismo é um desvio de comportamento e não aceita o sacerdócio feminino.

Pessoalmente acho que a Igreja erra, sobretudo na questão do controle da natalidade e na indissolubilidade do casamento. Mas, quem sou eu para confrontar dois mil anos de sabedoria¿

Bento XVI queria uma igreja menor e mais centrada no que chama de fundamentos. Em outras palavras: ninguém é obrigado a ser católico, mas se for tem que aceitar o dogma como base. Roma não vai se curvar ao mundo.  É, exatamente o contrário, e não foi ele quem inventou isso, mas o apóstolo Paulo quando fundamentou a Igreja.

É claro que o Vaticano sabe os problemas que enfrenta: a crise vocacional, a pedofilia, os desmandos em suas finanças, a pressão de uma sociedade em crise e, por isso mesmo, em evolução perene. Mas, também não é a primeira vez que passa por isso, nem será a última.

Ratzinger tomou uma decisão de profunda humildade. Concluiu, por qualquer razão, aparentemente por questões físicas, que não tem condições de enfrentar estes desafios. E que a indicação de um sucessor poderia poupar milhões de fiéis de uma agonia imensa e de um imobilismo indesejável. Foi coerente e objetivo:  não é fácil ser católico no século XXI.