- Alo, alo, alguém me
ouve¿ Ola, ola, tem alguém ai¿
Em meio ao nada. Perdido
no espaço, sem referência conhecida. Apenas com um celular nas mãos, cuja luz é
a única que lhe ilumina o rosto.
Parece uma cena de Brecht
e não faltariam uns acordes dissonantes de Kurt Weill, no fosso. Consigo ouvir
até o trinado irritante do trompete abafado.
O non sense e a solidão
serão mesmo as marcas do milênio¿ As vezes fico imaginando se os portentosos
avanços tecnológicos, sobretudo da revolução digital, não impuseram um padrão
de convivência insuportável. A privacidade foi para o ralo. A infovia abriga
hoje todo o exibicionismo e demais desequilíbrios psicológicos de comportamento
possíveis.
Outro dia me deparei com
uma situação rigorosamente inusitada. Levantei o telefone para corrigir uma
informação, cuja fonte era eu mesmo. Ouvi do outro lado: “Legal, mas você pode
me mandar um email¿”
Ontem, no sentido
contrário ao que eu estou dizendo, um órgão do Judiciário distribuiu um
press-release no qual lamentava e denunciava a ausência de representantes da
Prefeitura, do Governo do Estado e da União, em audiência pública onde se
pretendia discutir o tema crack. Zelosa, a assessoria de imprensa deu-se ao
trabalho de anexar a ata do encontro.
Qual não foi a minha
surpresa ao constatar que secretários do Estado e do Município não só haviam
assinado a ata, como registraram intervenções importantes no debate.
Questionado, o órgão
saiu-se com essa: “O procurador mantém as informações porque estes secretários
não apresentaram uma procuração que os autorizassem a falar em nome do prefeito
ou do governador”.
Por favor não riam. É
engraçado, mas é dramático.
Ninguém lê mais nada.
Ainda ontem um repórter de um importante jornal da cidade publicou um título
equivocado sobre declaração do prefeito. Preparei-me com todos os argumentos
possíveis para derrubar a chamada. Do outro lado da linha me atendeu o editor.
Chamei a atenção dele para o equívoco estampado no portal. Ouvi do outro lado: “Você
tem razão. Não tinha lido o título”.
Como assim¿
Gostaria muito de
acreditar que há de fato uma grande conspiração contra tudo e contra todos. Não
há. O que existe é uma onda, um tsunami de mediocridade, um sentimento
desesperador de solidão, uma falta de referência e um sem sentido nas coisas.
Um desejo incontido de ser protagonista de alguma coisa, ainda que por alguns
segundos.
E o ridículo¿
Isso não existe mais. As
pessoas perderam esta noção. Perderam a vergonha.