segunda-feira, 10 de março de 2014

VIVA VERDI!



A famosa cena dos ciganos e ferreiros no primeiro ato: abertura de temporada 



Eu tinha seis anos quando assisti a minha primeira ópera, estava com minha mãe, meu pai, meu bisavô, que na verdade era o segundo esposo da minha bisavó, a dona Ana, também presente. Foi uma matine no Municipal, e de lá das galerias, eu entendi as peripécias do duque de Mantua, do bufão Rigoletto e de sua filha assanhada Gilda.

Meu primeiro contato com a música de Giuseppe Verdi. E, consequentemente, brotou no meu coração de menino uma paixão avassaladora. Bela figlia del amore, o célebre octeto, a ária Cortigiani vil raza danata. Como alguém podia expressar com tanto vigor pela música o sentimento de personagens teatrais.

Sábado passado, 56 anos depois, meu dileto amigo e mestre John Neschling me transportou para o colo quente da minha mãe, o olhar carinhoso do meu pai e os sorrisos cúmplices de meus bisavós, ao ler de uma forma que eu jamais havia visto uma partitura de Verdi: desta vez a ópera subsequente ao Rigoletto, a trágica e dramática, Il Trovatore.

Mais do que a performance excepcional dos cantores, todos muito bem diga-se, mais do que a montagem de cena vertical impressionante, o que sobressaiu, mesmo, foi a música.

Foi uma noite memorável em que o maestro Neschling, mais uma vez, fez muita música. Boa música. Um Verdi limpo, claro, cristalino, com o destaque perfeito no solo dos instrumentos, com o vigor imprescindível nos acordes e nos tuttis. E com uma clareza rara no contraste dos andamentos, marca registrada do compositor.

Costuma-se dizer que as principais óperas de Verdi são: Rigoletto, Traviata, Aída, Othelo e Falstaff. Tá legal! Nem vou entrar nesta discussão idiota. Afinal sempre tive uma quase veneração pelo Trovador, que para alguns representa o adeus de Verdi ao bel-canto, a escola de Donizetti e Rossini.



Stuart Neill e Suzanne Branchini em Il Trovatore: montagem perfeita



















Acho que as óperas de Verdi conversam muito com o momento do compositor, com suas longas ondas de humor. Un Ballo in Maschera, Simon Boccanegra, I Vespri Siciliani, D.Carlos, etc... Merecem um catálogo histórico, mas ranqueá-las se não for inútil é absurdo.

Este Trovador que Neschling leva no Theatro Municipal de São Paulo, e que serviu para abrir a temporada lírica de 2014, com récitas ainda nos dias 11, 13,15,16,18, 20 e 22, é sem dúvida uma das mais perfeitas performances já vistas naquele palco. A direção cênica de Andrea de Rosa é bastante arrojada. A participação dos cantores espetacular. Na estréia, Marianne Cornetti, a mezzo soprano norte-americana, que interpreta a cigana Azucena, impressionou não só pela voz, mas pela forma como dominou a cena. O também americano tenor Stuart Neill e o barítono Alberto Gazale e a soprano Susanna Branchini, ambos italianos, estiveram muito bem.

Il Trovatore está inserida entre Rigoletto e La Traviata. Verdi a escreveu aos 40 anos, quando sorvia o sucesso de sua carreira de compositor. O libreto, adaptado da peça El Trovador de Antonio Garcia Gutierrez, foi escrito por Salvatore Cammarano, que faleceu um ano antes da estreia no Teatro Apolo de Roma, em 1853.

A despeito da dificuldade cênica e de passagens dificílimas na partitura, é uma das obras mais executadas de Verdi. Exige brutal intervenção do coro e aqui o maestro Bruno Greco Facio mostrou o que um trabalho sereno e profissional é capaz de provocar. Desafio alguém que viu me dizer que não se arrepiou com a sua participação.

Bem estamos só começando. Neschling já está ensaiando Falstaff, a única ópera cômica de Verdi, a última de suas criações, que teremos o privilégio de ver em abril. 

terça-feira, 4 de março de 2014

A busca da parceira perfeita


 Phoenix como Theodoro: paixão por uma voz de um sistema operacional








Vi Gravidade. É um bom filme. Nada de excepcional. Mas, mantém a atenção e Sandra Bullock consegue não estragar tudo. Talvez por isso, a Academia deu o Oscar de melhor diretor a Alfonso Cuáron. Vi também Ela. Opa! Aqui temos um trabalho ultra-interessante, impactante mesmo.

O Oscar de roteiro original foi merecidíssimo. Chama atenção a interpretação de Joaquin Phoenix. E, sobretudo, a de Scarlet Johansson, que interpreta um personagem extraordinário, uma voz.

Márcio Seixas, meu amigo, mestre e gênio das dublagens, este é um filme que vai fundir a cabeça de vocês.

Para quem não sabe, Márcio Seixas emprestou sua voz para diversos personagens da história do cinema. Sempre com profissionalismo e talento. É dele a voz na versão em português de 2001 Uma Odisseia no Espaço. Ele interpreta o super computador Hal 9000.

O filme de Spike Jonze éuma viagem dentro da solidão. A trama é simples. Um escritor de cartas manuscritas, divorciado, isolado no mundo, apaixona-se pela voz de um sistema operacional digital.

Atenção. Ainda que pareça improvável, vale a pena conferir os diálogos entre os dois personagens: Theodoro, vivido por Phoenix, e a voz de Johansson. Não é apenas a relação entre o homem contemporâneo e a tecnologia, como diz a peça promocional do filme.  É a busca do parceiro ou da parceira certa, da cumplicidade e da amizade intensa, segura e descompromissada.

Uma cena do filme sintetiza esta angústia de Theodoro e diria de quase toda a torcida do Flamengo. Ele se encontra em um bar com uma criatura. Os dois conversam longamente, encontram-se, aparentemente, em um mundo próprio. Saem do local aos beijos, a caminho de uma aventura sexual. A mulher, entretanto, questiona: “É para ser uma relação séria. Não tenho tempo a perder”.

Pois bem. Ela não perde tempo e cada um vai dormir em sua casa.

Em Blade Runner, o personagem vivido por Harrison Ford se apaixona por um androide. Na versão do diretor, Ridley Scott, entretanto, ele também é um humanoide e fica por isso mesmo. Aqui não.

Bem! Carnaval é uma época de absoluta mediocridade e de exposição sistemática dos semi-famosos. Acho que é assim desde a festa veneziana que deu origem a isso tudo, quando o lendário Giacomo Casanova respondia com gáudio a ansiedade feminina.  

A festa do Oscar, ainda que involuntariamente, entrou no ritmo. Que show chato! Pior ainda foi a discussão se Cuáron é mexicano ou Lupita Nyong’o  é queniana. E, vamos combinar, Bette Midler cantando em homenagem aos mortos do ano, chegou a ser insuportável.


A saideira dos festejos momescos é a eleição das melhores escolas do Rio e de São Paulo. Para mim, o carnavalesco do Vai-Vai já ganhou. Ter tirado um samba do enredo “Os 50 anos de emancipação da cidade de Paulínea” equivale a ordenhar uma pedra.