sexta-feira, 25 de julho de 2014

Uma viagem no tempo


Casario setecentista de Cartagena de Las Indias : conservado e com vida


A primeira surpresa propiciada por esta Cartagena de Las Índias, na Colômbia, é o esmero com que o sítio histórico tombado pela Unesco nos anos 80 do século passado é tratado pelos seus habitantes. Não se trata de um casario setecentista, mas de uma cidade viva, atraente, com comércio pulsante, hotéis e restaurantes de qualidade, escolas e universidades.

Cercada por uma muralha construída no século XVII, permite antever a força da exploração espanhola, as marcas da independência colombiana, com os dísticos gloriosos dos bolivarianos de Simon, e os sinais dos confrontos com piratas e corsários ingleses e holandeses.

Ao contrário dos portugueses, que nunca souberam o que fazer com as colônias sulamericanas, os espanhóis desenvolveram uma verdadeira máquina de exploração e de logística nas chamadas Índias Ocidentais. Transformaram as ilhas de Cuba e de Santo Domingo em verdadeiras plataformas espaciais, onde as riquezas eram embarcadas em grandes galeões para cruzar o Atlântico. Paralelamente transformaram seus principais portos continentais, Vera Cruz, no México, e esta Cartagena, na Colômbia, em verdadeiras fortificações militares.

O maior problema dos espanhóis durante muito tempo foi entender o clima no Mar do Caribe, o que levou muitas de suas embarcações ao fundo do mar.

Cartagena tem sua paisagem dominada por um dos mais eficientes fortes militares já construídos no Novo Mundo: a fortaleza de San Felipe de Barajas. Projetado e construído por um italiano de nome Antonelli (provavelmente toscano), ele foi erigido com pedra de coral retirada do mar e possuía nada menos do que 180 canhões de tal forma dispostos que cobriam todos os 360 graus de visão. Suas paredes são inclinadas de forma a repelir o bombardeio de canhões inimigos e impedir o impacto dos projéteis, eventualmente arremessados.

A principal batalha de Cartagena se deu na primeira metade do século XVIII, depois que um pirata ou corsário de nome Robert Jenkins, foi aprisionado em abril de 1731, por um guarda costas espanhol. O capitão Julio Leon Fandiño, não satisfeito, ainda cortou a orelha de Jenkins e o mandou de volta a Jamaica, não sem antes dizer “Ve e dile a tu rey que lo mismo le hare si a lo mismo se atreve”.


Com minha filha Nina: fortaleza indevassável de Barajas
O clamor britânico foi tremendo. Jorge II, o rei inglês, ungiu Edward Vernon comandante da frota britânica organizada na Jamaica, que atacou Porto Bello, hoje no Panamá, e mais tarde a fortaleza de Cartagena, principal porto espanhol no Caribe.

O ataque a Cartagena só seria superado em volume pela Invasão da Normandia, em 6 de junho de 1944. Nada menos que 186 navios e mais de 27 mil fuzileiros. Mal sabia Vernon que o esperava um dos mais brilhantes generais espanhóis de todos os tempos. Um estrategista à frente de seu tempo, marcado pela guerra de forma indelével, Blas de Lezo, chamado de Médio Hombre, por ter perdido uma perna, um braço e um olho em outras batalhas.

Blas de Lezo contava apenas com três mil homens entre soldados e milícia urbana. Informado das intenções britânicas, afundou um pequeno navio de forma a bloquear uma das entradas do porto. E se preparou como pode para enfrentar os britânicos. O cerco começou no dia 13 de março de 1741.

Vernon cometeu o erro de achar que dominado o porto teria dominado também a cidade. Os espanhóis entrincheirados no forte de San Felipe de Barajas receberam o que seria o ataque definitivo na noite de 19 de abril. Foi então que a surpreendente engenharia do forte fez a diferença. Os ingleses não conseguiam firmar posições e acabaram imobilizados apesar dos bombardeios contínuos dos navios.

Lezo deu ordens para a artilharia quando os granadeiros ingleses estavam encurralados diante das muralhas. Foi uma mortandade sem precedentes. Na aurora do dia 20, os espanhóis desceram do forte e massacraram os assaltantes. Nada menos do que seis mil soldados britânicos foram mortos apenas nesta manhã. Vernon recuou para os barcos, levantou o assédio e no dia 9 de maio, deu meia volta e dirigiu-se a Jamaica. Foi a maior derrota naval britânica de sua história.






Escravocratas portugueses


Outra revelação impressionante desta Cartagena das Índias é a história de São Pedro Claver, canonizado por Leão XIII, em 1888. Jesuíta, ele chegou a Colômbia no início do século XVII, como missionário, se ordenou padre em Santa Fé de Bogotá. Dedicou-se, e aí vem a surpresa, a amparar escravos negros que eram trazidos por empreendedores portugueses para trabalhar na indústria de extração de riquezas espanhola. Ou seja, os traficantes lusitanos já alimentavam esta malfadada atividade, aprisionando negros em Serra Leoa, Angola e outras colônias portuguesas na África, desde o final do século XVI, quando no Brasil e nos países ao sul, Paraguai e Argentina, os jesuítas ainda estavam as voltas com a escravidão indígena.

O tráfico de escravos na Colômbia acabou com a Independência, em 1811. A abolição veio em 1850.



quarta-feira, 9 de julho de 2014

O desastre do Mineirão ou Mineirazo

Brasil 1 x Alemanha 7: o que estes meninos do Mineirão tem a ver com a gente




Muita tinta e muito papel foram gastos nas ultimas 24 horas para explicar o desastre do Mineirão ontem. Não vou falar sobre isso. Mas, sobre uma questão que provoca meus filhos, mais precisamente minha filha mais nova, e alguns dos meus amigos: por que não me identifico com a seleção brasileira.

Sou apaixonado por futebol. Acompanho com interesse os campeonatos daqui e de fora, principalmente o argentino, o italiano, o inglês e o alemão.

Gosto do futebol jogado, com todas as suas estratégias, com o brilho intenso dos jogadores, com a capacidade de decidir num arroubo. Quando o marketing e este maldito culto as celebridades passaram a ser a tônica, me desencantei.

Certa vez, estava na fila da companhia telefônica, na rua Sete de Abril, para pagar uma conta e percebi que atrás de mim, um senhor negro, muito bem vestido aguardava pacientemente a vez de se apresentar ao guichê e pagar a sua fatura. Era ninguém menos do que o grande Djalma Santos, bi-campeão mundial na Suécia e no Chile, um dos maiores em sua posição em todo o mundo e certamente o maior brasileiro.

Djalma Santos: craque inesquecível na fila do tel.
Quando o reconheci, ele me fitou de forma carinhosa, colocou o indicador nos lábios, movimento que foi suficiente para que eu me aquietasse. Terminada a operação pagamento de conta dedicou com prazer um bom tempo de conversa, enquanto caminhávamos em direção ao ponto de ônibus!

Tenho certeza que histórias como estas existem aos milhões. Mas, hoje são impensáveis. Qualquer cabeça de bagre se acha o máximo, deita a maior marra. Vive a bordo de um carrão, equipado com uma Maria Chuteira malhadíssima e se acha a bala que matou Kennedy.

Pobres coitados! Ganharão o galhardão da mediocridade.

Não há dúvidas que o futebol brasileiro precisa ser repensado. Reestruturado e reorganizado. Diria que este privilégio não é só nosso. Deveria permear o esporte na Argentina, no Uruguai e em toda a América Latina. Nossas seleções não podem ser formadas por jogadores que jogam na Europa, alguns desde a mais tenra
idade, e que não guardam relação nenhuma com a realidade das pessoas normais, terrenas, que vivem por aqui.

Desculpem, mas por mais talento que possua, não da para conviver com o fato de que Neymar receba um cheque mensal de USS 3 milhões por mês. Nem da para Ronaldo Fenomeno ser considerado gênio da raca, comentarista esportivo da principal rede de televisão brasileira. É uma inversão total de valores.

O futebol virou um grande negócio, um cassino, onde interesses econômicos maiores estão em jogo. A bola é meramente um acidente nesta história. E isso não começou no Brasil. Àqueles que não tem memória, lembro que na Espanha, os jogadores brasileiros tinham suas placas de anunciantes preferidas nos estádios para comemorar seus gols. E que daquela seleção, Edinho, Falcão, Batista, Cerezzo, Sócrates e Zico, entre outros, partiram para contratos milionários do futebol italiano. Isso apesar do desastre do Sarriá.

Reverter isso agora parece missão impossível. Mas, não custa tentar. As federações sul-americanas e a Concacaf deveriam organizar uma Copa América competitiva e interessante, a cada dois anos, com eliminatórias e tudo, ainda que tivessem de fazer isso sem os craques milionários da Europa. A Libertadores deveria ser um torneio ainda mais valorizado. O calendário deveria ser igual ao da Europa, com férias em julho e agosto, e temporadas bi-anuais. Os campeonatos regionais e nacional de base deveriam ser mais valorizados, com disputas transparentes e calendários conhecidos.

Ganhar ou perder faz parte deste esporte em que 22 marmanjos correm atrás de uma bola. O duro é perder para eles mesmos.

By the way, não amo odiar, nem odeio amar ninguém. Adoro o futebol bem jogado. Tenho orgulho das minhas paixões. E fico indignado quando tentam manipular meus sentimentos a favor de interesses que desconheço ou que não são os meus, ou das pessoas que estão a minha volta. Não acho que a Giselle Bundchen é a pátria na passarela, nem que o Fernando Meirelles é a nação atrás de uma objetiva.

Em 1982, quando a Itália ganhou de forma brilhante o Mundial da Espanha, a CGIL – Confederazione Generale Internationale del Lavoro – publicou um anúncio muito apropriado, e que me impressionou muito: “Você só se sente nacional quando vê a azurra em campo?”

É para se pensar. Aqueles meninos no Mineirão tem alguma coisa a ver com o cotidiano de milhões de brasileiros que acordam todo dia e que suam a camisa, amarela ou não, para ganhar o seu sustento e o sustento de sua família. Para fazer um pais melhor para seus filhos? Ou são pavões empedernidos que nunca ficaram na fila da telefônica para pagar a conta?

sábado, 5 de julho de 2014

O "Homem Novo" italiano

Matteo Renzi, 39 anos: um sopro de idéias para chacoalhar a velha política








O professor Giorgio Romano, coordenador do curso de relações internacionais da Universidade Federal do ABC, publicou notável artigo na Folha de hoje (05.06), em que finalmente se enxerga uma luz alternativa no final do túnel, o que evitaria fazer com que o século XXI repetisse as mesmas tragédias do século XX.

“A crise econômica e seu desdobramento social provocaram resultados eleitorais muito flutuantes nos diversos países europeus. Aumenta a desconfiança em relação aos partidos tradicionais e à política no geral. Parte deste descontentamento é capitalizado por partidos da extrema direita, nacionalistas, ou antissistema. Outra parte, menor, pela esquerda radical”.

Romano acredita, e diz isso no seu texto, que a Itália – sempre ela a inovar para um lado e para o outro – apresenta agora uma nova liderança popular e pró-européia, capaz de higienizar e ventilar o corroído Partido Comunista Italiano, que agora se chama Partido Democrata e absorveu as chamadas forças da esquerda católica.

A novidade se chama Matteo Renzi, ex-prefeito de Florença, de 39 anos, o mais jovem primeiro ministro da história da Itália. Desde a candidatura do professor Romano Prodi, na última década do século XX, a esquerda italiana não se sentia tão viva.

O Partido Democrata sob o comando de Renzi conquistou 40,8% dos votos nas eleições europeias e levou a Itália ao menos absenteísmo de sua história. Nas eleições municipais, das 243 cidades com mais de 15 mil habitantes, que passaram por escrutínio entre os meses de maio e junho, a centro-esquerda avançou de 128 para 167 municipalidades.

O segredo de Matteo Renzi é vender com um estilo informal e descontraído que as coisas podem melhorar para os italianos a partir da retomada dos investimentos públicos. E para se libertar dos grilhões teutônicos do liberalismo exacerbado da primeira ministra Angela Merkel, o italiano defende uma flexibilização do Pacto da Estabilidade. Ou, em bom português, excluir do limite do déficit público de 3% do PIB (limite acordado entre os países da união europeia), todos os investimentos públicos ligados diretamente a geração de renda e emprego, mais os gastos com educação, pesquisa e desenvolvimento.

Epa! O professor Giorgio Romano tem razão. Temos uma novidade aí. Depois da desgraça imposta pelo magnata Sílvio Berlusconi, pelo furacão monetarista que praticamente destruiu a economia dos países europeus, sobretudo os periféricos, este jovem toscano aparece e tem a audácia de propor uma solução inovadora: capaz de manter a unidade europeia e ao mesmo tempo garantir empregos e renda para os trabalhadores de Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Turquia, entre outros países varridos pela hegemonia franco-prussiana.

Quem é Matteo Renzi¿



O atual primeiro ministro italiano tem obsessão pela expressão “rottamatore”, algo como reciclar a sucata ou trocar alguma coisa muito velha por algo mais novo, com o reaproveitamento de alguns pedaços. Tem manifestado insistentemente a necessidade de dar vez a uma nova geração política. E de acabar com o sistema vigente, desacreditado e manchado pela corrupção, pelo imobilismo e pelo fisiologismo.


Renzi fala da Itália, mas poderia estar falando do mundo. Seus traços de juventude e de impetuosidade lembram um pouco Rafael Correa, o presidente do Equador, ou Fernando Haddad, o prefeito de São Paulo. E é claro, como os dois políticos latino-americanos, ele enfrenta o mal humor de parcelas da classe média, o reacionarismo de setores mais conservadores e, sobretudo, dos donos do poder, à esquerda ou à direita, empedernidos defensores do mais descarado “gattopardismo”.



A seu favor, conta é claro, o Partido Democrata e a mobilização dos trabalhadores italianos, encantados com o discurso de mudanças. Farto dos políticos tradicionais e de suas soluções, o mais organizado movimento trabalhista da Europa, enxerga nele a possibilidade de se livrar dos acordos estapafúrdios e as concessões ao liberalismo econômico.