segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Neschling e a OSM diante da sinfonia “intocável”





Neschling ensaia a OSM: quinta de Mahler reafirmou a evolução do conjunto 






Certa vez um jovem clarinetista prestava concurso para uma orquestra sulamericana. Quando chegou na prova de primeira leitura, ele constatou aterrado que a banca lhe dera um solo, pequeno é verdade, de uma sinfonia de Mahler. O rapaz simplesmente guardou o instrumento no estojo, agradeceu a banca e se retirou.

A fama de Mahler ser intocável persegue o compositor desde que ele iniciou a composição de suas sinfonias. Durante os ensaios da quinta, por exemplo, considerada a mais difícil delas, os músicos da Orquestra Filarmônica de Viena empreenderam uma rebelião, que culminou com uma greve de 36 dias. Uma bobagem!

Mahler além de ser uma espécie de virtuosi da composição, ainda era um regente exigentíssimo. Impunha ensaios de 12 e até 14 horas. Repetia uma passagem mais de 20 vezes, até que se sentisse reconfortado com os sons obtidos.

Esta dificuldade em interpretar Mahler foi responsável pelo ostracismo que as obras do compositor viveram entre os anos 40, até meados dos anos 70. Exceção a Bruno Walter, seu pupilo, poucos maestros se aventuravam a encarar suas partituras.

Curiosamente foi o cinema que trouxe Mahler de volta a ribalta. Lucchino Visconti, um melômano juramentado, imaginou a cena inicial de Morte em Veneza, quando uma gôndola preguiçosamente balança até alcançar a praça São Marcos, inteiramente sob o som do Adágio da Quinta Sinfonia. Ele já fizera algo parecido em outros filmes, quando usou a música de Bruckner, sem nenhum resultado prático. Desta vez, não.

Quem diria, Gustav Mahler, 60 anos depois da sua morte, se tornaria pop. A indústria fonográfica viu ali uma grande oportunidade comercial. E logo todos os selos passaram a lançar a íntegra de suas sinfonias. Karajan gravou, Solti gravou, Bernestein gravou, Haitink gravou, a Columbia relançou as gravações de Bruno Walter com a Nova York, com a Columbia Orchestra e com a Viena. E não foram só as sinfonias. Todos os ciclos de canções incluindo a magistral Canção da Terra.

Todos os grandes maestros e outros nem tão grandes dedicaram-se a executar Mahler. Os resultados foram bastante heterodoxos. Para dizer o mínimo.

Tive o privilégio de acompanhar o maestro John Neschling diante da Sinfônica Municipal em ensaio da “diabólica” quinta sinfonia.

Neschling e Mahler tem muito a ver. Vi o maestro brasileiro brilhar na 1ª,3ª, 4ª e 9ª. Não foi diferente na quinta. Impressiona a forma como ele lê a partitura valorizando os detalhes mágicos de cada melodia, de cada acorde, de cada entrada.

Foi impressionante constatar o que aconteceu com a Orquestra Sinfônica Municipal nestes três anos em que Neschling está à frente do nosso conjunto orquestral. Mesmo diante de uma partitura considerada dificílima, eles responderam com perfeição, brilho e talento.


Em fevereiro, Neschling rege a OSM na segunda sinfonia, chamada Ressureição. Com ela fica completo o ciclo de sinfonias baseadas nas canções Das Knaben Wunderhorn. Ficarão faltando a sexta, a sétima e a monumental oitava, chamada a Sinfonia dos Mil. Mahler era louco mesmo. Compôs uma sinfonia para duas orquestras, quatro coros e seis solistas. Uma maravilhosa loucura.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015


O Aedes Aegipti: vilão de doenças, legado que os portugueses trouxeram da Africa






Houve um tempo em que as crianças iam para cama, ajoelhavam-se antes de dormir e pediam ao papai do céu que zelasse para que os malucos da Casa Branca, em Washington, ou do Kremlin, em Moscou, não acabassem com o mundo e a humanidade em algum surto de madrugada.  Foram tempos duros que começaram no dia que os americanos explodiram as duas bombas no Japão em Hiroshima e Nagasaki, 6 de agosto de 1945.

Esta neurose acabou nos anos 90, quando enfim o Muro de Berlim foi para o chão e a chamada Guerra Fria, ocidente-oriente, leste-oeste, capitalistas-comunistas, azuis-vermelhos, acabou.

Pessoalmente sempre achei que a humanidade era uma construção extremamente elaborada para que um maluco acabasse com tudo ao apertar um botão. Mas, acho que o mundo pode acabar de forma muito mais prosaica, por conta de um mosquito como o Aedes Aegypti ou uma maldita pulga de um rato.

O Aedes é um inimigo antigo do Brasil e do mundo.  Ele foi responsável, por exemplo, pela epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro no início do século XX. Este ser infeliz chegou ao país no século XVII, provavelmente em navios negreiros, que, claro, vinham da África. Mais uma herança genial dos portugueses. As vezes acho que o terremoto de 2 de novembro de 1755, foi pouco pela desgraça que os lusitanos impuseram ao mundo.

Os primeiros casos de febre amarela surgiram em 1685 no Recife e, em 1692, em Salvador. Entre 1849 e 1850 surgiu a primeira grande epidemia, que atingiu quase todo o pais.

No final do século XIX um cientista cubano, Carlos Juan Finlay descobriu que a porcaria da febre amarela era transmitida pelo Aedes Aegypti . Não tinha nada a ver com o clima, o solo ou os ares. Entre 1880 e 1889 o aedes vitimou com a febre amarela 9.376 pessoas.

Oswaldo Cruz: brigadas sanitaristas
O sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz conhecia o trabalho do dr.Finlay e sabia que o presidente Rodrigues Alves havia perdido um filho para a febre amarela. Por isso não foi muito difícil convence-lo de que o combate sem quartel ao mosquito era a única forma de livrar o Rio de Janeiro da febre amarela.

Nomeado diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, o sanitarista paulista criou as brigadas do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, formada por sanitaristas, que não tinham nenhum prurido em invadir residências e propriedades privadas para atacar os focos do Aede Aegypti. Lavavam caixas d’água, jogavam inseticida em ralos e bueiros, limpavam telhados e calhas, instalavam redes de proteção. E se encontrassem alguém doente ou contaminado pela doença processavam imediatamente o seu isolamento.

Foi uma gritaria danada. Mas, o danado do Aedes foi para o espaço. O Rio se livrou da febre amarela. Mas, Oswaldo Cruz ainda teve que lidar com a varíola e com gripe espanhola, que vitimaram milhares de brasileiros. Em tempo: o presidente Rodrigues Alves tombaria morto,  vítima da gripe espanhola.

O Aedes voltaria apenas nos anos 80. Este desgraçado é o responsável pela dengue. E agora pela chicungunha e pelo zika vírus, que entre outras coisas, provoca má formação de cérebros, a chamada microcefalia, e a Síndrome de Guillan Barret, uma estranha doença que simplesmente liquida com as membranas que delimitam as células musculares.  Uma beleza!


Rodrigues Alves: vítima da gripe espanhola
São Paulo deve ter no próximo ano, segundo cálculos baratos, mais de 150 mil casos de dengue. Há focos do maldito mosquito em toda a cidade. Cerca de 80% deles dentro do ambiente residencial.  Ou seja, se cada morador tiver um mínimo de bom senso e seguir as normas mais que conhecidas: não deixar água parada, cobrir reservatórios, cuidar de vasos, plantas e flores, pneus abandonados, calhas, etc... A gente acaba com o maldito.

Não vai acontecer. Tem gente que se nega inclusive a permitir que os agentes sanitários entrem nas casas para verificar. Tem gente que apesar dos mais de 100 ecopontos, prefere jogar lixo na rua. São Paulo gasta mais de R$ 1 bilhão por ano apenas para varrição de vias públicas (!!!!!!!!) Absurdo total.


Como as crianças do tempo da guerra-fria, agora é rezar para o inverno chegar logo e rigoroso. A única coisa que acaba com este infeliz é uma sequencia de cinco dias com temperaturas abaixo dos 15 graus centígrados. Foi o inverno rigoroso de tempos de antanho que manteve São Paulo longe da febre amarela.            

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Sobre baleias, jornalistas, maestros e destinos


Ahab, senhor do convés do Pequod: É uma baleia branca, homens





“Há um deus no firmamento e um capitão no convés do Pequod!”

A frase evidentemente é do romance clássico Moby Dick, de Herman Melville, e surge no momento em que o imediato Starbuck, convencido da loucura do capitão Ahab, tenta convencer os oficiais do baleeiro que aquela aventura ensandecida atrás da baleia branca resultaria na morte de todos.

Curiosamente quando Ahab sucumbe amarrado a própria baleia, quem dá o comando de ataque a Moby Dick, para surpresa de todos, é o próprio Starbuck. Questionado ele lança mão de um argumento pragmático ao extremo: “É apenas uma baleia, uma baleia branca, gigantesca, mas uma baleia. E nós somos baleeiros. Só existimos porque caçamos baleias”...

Fico imaginando nos meus delírios, o que aconteceria se Starbuck convencesse os outros imediatos a destituir Ahab do comando do Pequod e abandonado a corrida contra Moby Dick. O baleeiro teria voltado para a Nova Inglaterra abarrotado de óleo. Os marinheiros imediatamente processariam as viúvas, donas do navio e seus administradores quakers,  por assédio moral do capitão. Afinal, como se definiria aquela cena louca no meio da tempestade em pleno Oceano Índico, quando o capitão para incitar seus marinheiros a navegar, simplesmente agarrou o fogo de San Thelmo.

Alguém poderia trocar o convés do Pequod pelo palco de um teatro de concerto. E logo a frase de Melville ficaria assim: “Há um deus no firmamento e um maestro no pódio”.

E isso me remete a Arturo Toscanini.

Me corrige o maestro Neschling com propriedade. No caso de Toscanini o conceito é ainda mais radical: "Pode haver um único deus no firmamento, mas com certeza há um único maestro no pódio".  

Imagino o volume de ações que o genial maestro italiano teria que responder por assédio moral. Afinal, ensaios de 12, 14 horas.

Mas, poderia ser o contrário.

- Senhores, esta passagem do compasso 35 ao 60 não me sensibilizou. Que tal repeti-la? – diria o maestro.

- Olha maestro, para nós está muito boa. O senhor com esta mania de procurar a perfeição nos obriga a repetição, o que atenta contra a nossa conduta profissional.

Devo muito do que sei hoje ao que aprendi do mestre Mino Carta. E se alguém acha, ou não acha coisa nenhuma, prevalece sempre a máxima: “Há um deus no firmamento e um único chefe de redação”.

- Olha jovem, de tanto talento e formosura, este texto está confuso. Você não acha que falta um lead? Talvez um approach mais apropriado? E estas fontes que você cita, não deveriam ser mais qualificadas? Reflita sobre isso e me entregue um novo texto amanhã.

Não é assim que funciona. Ahab pregou um dobrão espanhol no mastro que premiaria o primeiro marinheiro que avistasse a baleia branca. Era mais ou menos como o Mino fazia antes de sairmos da redação: “Its a white wale, man!”

Meu compadre Bastião, o jornalista Tão Gomes Pinto, além de mestre, amigo, ensinava jornalismo nos pequenos e nos grandes gestos. Era uma espécie de Starbuck fiel.

Certa vez, no meio de um fechamento brigado, quer dizer quando a luta por espaço no espelho da revista faria uma trincheira da Grande Guerra virar um local de picnic, ele mandou seus repórteres jantarem o maldito arroz com linguiça e ovo, enquanto deliberava o que iria fazer. Na volta colocou todos nós no entorno da sua mesa. Uma bobagem:  José Meirelles Passos, Otávio Pena Branca Ribeiro, Caco Barcelos e eu. Tínhamos apurado sobre uma rebelião na Casa de Detenção e tínhamos dados suficientes para escrever um livro cada um.

- Muito bem senhores, temos seis páginas, não mais e temos que publicar várias fotos. Vou começar a escrever o lead e depois cada um de vocês será chamado a dar informações.

“E o Metrô sequer diminuiu sua velocidade. Passava ligeiro enquanto embaixo da estação Carandiru, 15 detentos faziam a direção do presídio e mais seis convidados reféns de uma rebelião”.  Assim o bom Tão começou e nós acabamos.

Roberto Stuckert o grande fotógrafo de Brasília certa vez me disse que eu era mau. Ou seja, fazia o pessoal que trabalhava comigo sofrer muito. Nunca havia me dado conta disso.

Uma vez ao chegar na redação disse a uma estagiária que não fosse embora antes de falar comigo. A menina foi parar na enfermaria.

De outra vez, minha editora teve que sair mais cedo por qualquer motivo e eu mandei um recado para dois focas, que eles deveriam fechar comigo. Os dois entraram na sala tremendo como varas verdes e soando a píncaros. Depois se habituaram, hoje os dois estão na grande mídia e brilham nas páginas. Em tempo: e são meus amigos.

Aprendi com meus mestres, duros mestres, que a melhor forma de alcançar o melhor resultado é ensinando. Foi assim comigo e tive o privilégio de ensinar os filhos do Tão, do Mino e do Caraballo. Sinal que eu fui um bom aluno.

Acho que de um jeito ou de outro, todos estamos no convés do Pequod, com os olhos no mar em busca da baleia branca. Diante de nós o implacável capitão Ahab, obcecado pelo destino, não só dele como o de todos nós. Quem leu, sabe como Melville acabou o romance. E aí somos todos Ishmael. Sobrevivemos para poder contar esta história.


quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Puxa! Bem que o final podia ser outro



Colin Firth e Emily Blunt: brilhantes como rea a tradição britânica de atores




As vezes a surpresa vem por acaso. Numa noite tensa a gente descobre um filme de título não inspirador “Meus Anos Incríveis”. Na verdade o filme se chama “Arthur Newman”. Com um par de atores britânicos que para dizer o mínimo estão arrebentando a boca do balão: Emily Blunt e Colin Firth. A tv a cabo, principalmente estes pacotes gratuitos tipo Telecine Play, tem a vantagem de permitir arrependimentos e até adiamentos.
O roteiro de Beck Johnston é bastante animador: um cara que pretende largar a vida anônima de alto executivo do Federal Express em Orlando-Flórida, onde segundo ele mesmo dirigia um andar, as lembranças ou lambanças de um casamento que se desfez; um filho que o considerava um chato renomado; a namorada bancária cuja maior tarefa na vida era conferir os extratos dos depositantes. Para tanto, ele engedra o sonho recorrente de qualquer mortal, ganhar uma segunda chance. Matar, literalmente, a existência atual e abraçar outra, novinha em folha, ou no mínimo com pouco uso.
Não se trata digamos de uma sacada nova. Antonioni fez isso em Profissão Repórter, com Jack Nicholson e Maria Schneider; Pirandello escreveu o maravilhoso As Duas Vidas de Matias Pascal, que Mastroianni e Monicelli fizeram para a TV italiana.
Firth tem se revelado um ator brilhante. É bem verdade que tem filmado demais. Blunt é simplesmente divina. Honra a tradição britânica de atrizes competentes e desgraçadamente belas e sensuais.
As primeiras linhas de sua personalidade são interessantíssimas. Ela vai presa por roubar um carro de um caso eventual e se livra porque ameaça contar a esposa dele o que havia ocorrido. Como se não bastasse toma uma overdose de um xarope a base de morfina e vai parar em um hospital. Nosso herói, por sua vez, havia acabado de encenar a própria morte numa praia, havia arrumado documentos falsos com o nome de Arthur J. Newman e flanava livre, leve e solto, a bordo de um SL 280 conversível.
O roteiro neste momento transforma o filme num road-movie clássico. Ele busca o sonho de ser professor de golfe em uma academia na Carolina do Norte, acho, e ela o acompanha, até porque não tem coisa melhor a fazer. O embate do caretão chato e da descolada mundana é pincelado ainda com a transgressão conjunta de viverem personagens reais que encontram pelo caminho. Encenam a lua de mel de um casal de idosos que havia acabado de se casar e saído de férias, invadindo a casa vazia dos dois. Depois a relação de um fotógrafo e de uma modelo e assim por diante.
Neste momento, a capacidade interpretativa dos dois atores chega a ser impressionante. Mas, a medida que a história se desenvolve Johnston se vê numa encalacrada. Como chegar ao final. A narrativa é tão boa que eu confesso passei a temer pela conclusão.

Antonioni matou o jornalista que havia assumido a personalidade do traficante, apenas porque o novo personagem era jurado de morte. Pirandello condena Pascal a viver no anonimato em uma biblioteca provinciana do Veneto. A solução de Johnston é um desastre. Moralista e absurda. Não vou contar. Mas, pensem... Não pensem nada. Vejam o filme e me contem depois.  

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A magia de uma atriz que canta


Débora Duboc: atriz e cantora na peça "Sou toda Coração": noite de magia e música







Vamos começar definindo algumas verdades e alguns parâmetros: sou fã de carteirinha de Débora Duboc, destes de uivar para a lua na fila do gargarejo do teatro. Sempre vi nela a capacidade extraordinária de incorporar os personagens que representa. Isso e mais um raro aspecto bergmaniano, ou melhor, de estrelas bergamanianas como Bibi Vogel, por exemplo, de deflagar uma verdadeira batalha entre o interprete e o personagem. Desta guerra emerge sempre uma interpretação coerente, lúcida, teatralmente engajada.

Isto posto, a mãe do Theo e do Otto, também sempre me chamou a atenção pelo raro timbre de voz, um registro mediano entre a mezzo soprano e a contralto. Um vozeirão capaz de bambear os lustres. Ainda me lembro da primeira vez que a vi. No Teatro da Funarte em Brasília. Faz 20 anos, no mínimo, e algumas existências. Valente Débora. Sua primeira imposição no palco era a voz, como sempre compete as grandes estrelas. Sua fala era clara.

Isso me chamou muito a atenção. Lembro que comentei com a minha esposa, Rejane: “Esta menina, a esposa do Toni, daria uma excelente cantora”.

Alguns anos depois, para minha surpresa, ela montou um espetáculo dificílimo, com canções de Friederich Wiedekin, o fundador da escola de Munique. Foi o “Espírito da Terra”. Uma maravilha que felizmente me rendeu um CD que guardo com imenso carinho e gosto de ouvir quando a mordacidade e a ironia são chamadas para aplacar o meu desespero com a existência. Pois é. Aí a voz da Débora vira a de um anjo. Um anjo meio bravo a me chamar a atenção: “Galateia......”

Compartilho com a minha estrela a paixão por Pirandello. Pelos textos mais esculturais. Pelo som das palavras. E tenho agora o privilégio de partilhar também a voz da interprete, da cantora diferenciada. Débora estrela o musical “Sou toda coração”. Uma joia pura de 22 canções que se tornam mágicas, recriam climas, projetam lembranças. De Domenico Modugno e Kurt Weill a Cazuza, Chico Buarque e Lamartine Babo; de Jards Macalé a Waldick Soriano.

Debbie, você está bárbara. Maravilhosa. Obrigado por uma noite de música e magia.

E aí vai o servição:
“Sou toda coração”
Quartas e quintas as 21 horas no Teatro Itália – Avenida Ipiranga, 344;
Ingressos: R$ 40,00 (20 na meia); grátis para professores e estudantes da Rede Pública, de verdade, com comprovação e tudo. 

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Wagner, limpo e puro



Duas cenas de Lohengrin: acima o anúncio da chegada do Rei, com o coro na posição
 de comentarista; abaixo a cena de duelo entre Frederico Telramund e Lohengrin.



Sem entrar na discussão burra que contrapõe o maestro Giuseppe Verdi e o maestro Richard Wagner, dois gênios absolutos da ópera e do drama lírico, é forçoso reconhecer, entretanto, que o gênio alemão tem um grau de exigência que transcende aos libretos propostos. Nada em Wagner é linear. O vilão nem sempre é vilão, como em O Holandês Voador, nem o herói é tão herói como em Tannhauser. Nem vou descer as minúcias da tetralogia, onde definitivamente nada é o que parece.

Wagner é um contador de histórias, cheias de conteúdo simbólico, e onde a orquestra e a consequente música por ela executada fazem parte definitiva da trama. Mesmo quando ele ainda ensaiava o que mais tarde seria o leitmotiv, como neste Lohengrin, que estreou no Theatro  Municipal ontem, quinta, dia 8.

O comando preciso de John Neschling com os concursos de Yannis Kounellis (cenografia) e Henning Brockaus (direção de cena) culminaram com um Wagner soberbo. Puro. Sem afetamentos. E permitiram aos cantores, o tenor croata  Tomislav Muzek, a soprano suíça, Marion Ammann, a mezzo Marianne Cornetti e ao baixo barítono islandês, Tómas Tómasson, brilharem unicamente pela beleza de suas vozes e pela capacidade de dar vida aos personagens que interpretavam.

Neschling por sua vez não deu trégua à orquestra. Exigiu as minúcias absolutas, sobretudo nos prelúdios do primeiro e terceiro ato e nos longos interlúdios orquestrais. E a brava Orquestra Sinfônica Municipal respondeu a altura. Soou com brilho e com musicalidade. O Coro Lírico Municipal foi muito bem preparado pelo maestro Bruno Facio, desde fevereiro, e serviu maravilhosamente ao papel duplo que lhe coube: o de comentarista das ações que se desenvolviam na trama e o de personagem na mesma trama.

Yannis Kounellis, o cenógrafo, é um dos fundadores do movimento Arte Povera, que prosperou na Itália, sobretudo nos anos 60, valendo-se de elementos muito simples e casuais para compor uma cenografia. Brockaus é discípulo da escola de Bertold Brecht, entusiasta do teatro mínimo. Sua concepção de Parsifal fez muito sucesso na Europa.

Lohengrin não é uma ópera fácil de ser encenada. Ela anda perigosamente no limite do kitsch e do mal gosto. Não é o caso. Em nenhum momento os diretores da versão paulistana perderam o controle da montagem. E a narrativa foi tão eficiente que houve um frisson no teatro quando da revelação do cavaleiro encantado.

Wagner já tinha concluído o seu Lohengrin quando teve de fugir para a Suiça depois de se envolver na revolução liberal de 1848. Aos 37 anos, arrancou até o último florim de Liszt para lhe entregar os manuscritos, que afinal serviram de base para a estréia em 28 de agosto de 1850, em Weimar. O compositor permanecia em Zurique e orientou o célebre maestro e professor húngaro por farta correspondência.

Foi a última das composições de Wagner ainda no modelo italiano de números. Com duetos, trios, quartetos, árias e coros. A partir daí ele mergulharia na tetralogia, no Tristão e Isolda, Mestres Cantores de Nuremberg e Parsifal. Todas consagradas ao drama lírico.

Este Lohengrin certamente fará história no Theatro Municipal de São Paulo. É uma das mais competentes montagens da gestão Neschling. 


O segundo elenco desta versão paulistana do Lohengrin de Richard Wagner conta com o concurso do jovem tenor russo Viktor Antipenko, da soprano americana Natalie Bergeron, da mezzo islandesa Johana Rusanen  e do baixo barítono alemão, Johmi Steinberg. A regência é do jovem maestro Eduardo Strauzzer, assistente de Neschling.
Primeiro elenco, dias 11, 15, 17 e 20;
Segundo elenco, dias 10, 13 e 18.
Aos domingos as 18 horas e nos outros dias as 20 horas.   

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Mais um fim do mundo à vista


Seita americana diz que o mundo acaba amanhã: previsão é de um grande choque



Uma seita cristã americana refez os cálculos e chegou à conclusão de que o mundo, como o conhecemos, acaba amanhã. Quarta-feira dia 7.

A previsão anterior, 21 de maio de 2011, evidentemente não se concretizou. Mas, o líder da seita, Chris McCann, agora garante que não tem jeito mesmo. “O mundo se irá para sempre. Será aniquilido. E destruído pelo fogo”.

Há uma certa lógica nisso. Afinal, da outra  vez que o Todo-Poderoso se indignou com a humanidade, liquidou com tudo, ou quase tudo, na base de chuvas torrenciais que provocaram uma inundação total e aniquiladora. Desta vez, para que não pairem dúvidas, o melhor mesmo e torrar toda a humanidade e o planeta junto.

No passado, uma visionária missionária do Meio-Oeste americano também teve uma visão do fim do mundo. Obrigou a comunidade a cavar uma fortaleza nas montanhas, forrar tudo com chumbo. Ah! Sim, nessa visão o mundo acabava por força de uma reação nuclear. Na data aprazada, encheram o refúgio com comida até a tampa e levaram todos para dentro. Passados sete dias, os primeiros voluntários saíram para conferir os estragos provocados pela ira do Senhor. E, surpresa, constataram  que não havia acontecido nada.

Eu mesmo certa vez fui alvo de uma visionária. Uma tarde comum, quente, estava eu fechando a edição de IstoÉ, quando me avisaram que uma senhora fazia questão absoluta de falar comigo e só comigo. Arrumei uma sala e fui recebê-la, sem ter a menor idéia do que se tratava.

A senhora sem nenhum constrangimento, nem preparação logo me fuzilou com a sentença:

- Olha o mundo vai acabar no dia 23 de maio. Uma nave siriana vai pousar na Paulista e destruir todos os humanos. Não vai sobrar ninguém para contar a história.

Não havia ciclovia na Paulista e portanto os sirianos (para quem não sabe, habitantes da estrela Sirius) teriam todas as facilidade em estacionar a sua poderosa nave destruidora.

A convicção da mulher foi tanta que só me restou a pergunta:

- E o que a senhora espera que eu faça?

Nada. Mas, eu vim aqui porque o senhor foi escolhido entre os 50 humanos que sobreviverão à catástrofe.

- Puxa! Quanta honra. E por que eu?

A mulher gaguejou um pouco mas seguiu: “O senhor é muito conceituado no outro mundo”.

- Pois bem e como a senhora imagina resgatar estas 50 pessoas?

- No fundo do Lago Titicaca na fronteira entre o Peru e a Bolívia está submersa uma nave espacial, que foi colocada pelos sirianos quando estiveram aqui pela primeira vez, cujo objetivo é justamente dar continuidade a humanidade.

Claro que a pergunta que emergiu imediatamente na minha cabeça foi: “E como a senhora sabe disso?”

Não sei até agora porque eu perguntei, mas a resposta foi dramática.

- Eles falaram para mim.

- Eles? Quem? Os sirianos? A senhora fala com os sirianos?

Depois de ouvir as respostas afirmativas que eu temia, balancei a cabeça e disse para ela que sem os meus filhos eu não iria. Ela me pareceu inconformada.

- Mas, o senhor é fundamental no ressurgimento da humanidade.

- A senhora tem certeza que está falando com a pessoa certa? Eu não sou fundamental para coisa nenhuma. Não tenho nenhum prestígio e nunca vi um siriano nem em sonhos.

A mulher finalmente se deu conta que eu não acreditava na história dela e que, ainda que acreditasse, não iria pagar o mico de mergulhar no Lago Titicaca atrás de uma nave perdida e largada lá pelos sirianos há mais de dois mil anos. Acompanhei-a até a saída. E ela se despediu avisando que me ligaria uns dias antes de iniciar a jornada para a Cordilheira dos Andes.

Mas, nem todas as experiências míticas sobre o fim do mundo tiveram uma solução parecida com essa. Certa vez mandei a Kiki (que saudades!) entrevistar uma médium baiana que prestava serviços para o CENIPA, o órgão da FAB que investiga acidente aéreos.

Quando ela voltou, a médium veio junto, teria tremendas revelações a nos fazer.

Convidamos ela para almoçar no restaurante da revista Manchete, no Rio, onde eu era editor executivo.

- Olha eu queria dizer para vocês que tudo isso aqui vai ruir. Esta empresa vai acabar. Vai dar um calote genial em todo mundo. Seus donos vão fugir para os Estados Unidos.

Confesso que engasguei com aquela maldita feijoada koecher que o Jaquito fazia questão de servir as quartas-feira. Uma coisa insuportável.

- A senhora se deu ao trabalho de vir de Salvador aqui para nos dizer isso? Nós estamos carecas de saber que é isso mesmo o que vai acontecer.

O meu jeito peninsular as vezes não ajuda muito. Mesmo assim, a mulher me olhou com carinho, nem no fundo dos meus olhos, e sentenciou.

- Você não quer. Mas, vai voltar para Brasília. E ainda vai ficar um bom tempo lá. De quebra ainda vai ganhar mais um filho. Na verdade uma filha.


Foram 15 anos e a Nina de quebra. O mundo não acabou. A Manchete sim. Entre curvas, perspectivas e não-perspectivas, minha vida só mudaria mesmo em 2013.

domingo, 13 de setembro de 2015

Bem-vindo à ópera Fernando Meirelles








Montagem de Meireles para Bizet: um desafio bem resolvido




Caro amigo Fernando Meirelles, seja bem-vindo ao mundo da ópera.

Nesta altura do campeonato você já deve ter percebido que a linguagem operística é uma evolução da linguagem teatral. Para quem admitiu que só conhecia uma meia dúzia de árias, até que você foi bem demais.

É verdade que você enfrentou um desafio e tanto. Esta Pescadores de Pérolas, de Georges Bizet, não é uma obra qualquer.  Composta ainda na fase de maturação do compositor, que mais tarde se tornaria famoso pela Carmem, ela confronta claramente o modelo francês da segunda metade do século XIX. Não tem balé, não tem trios, quartetos ou quintetos. Tem muito coro, muita música, muito exotismo.

Duas ou três árias do trio de personagens centrais: Leila, Nadir e Zurga. Dois duetos, um masculino (Nadir e Zurga) e outro de amor (Leila e Nadir).

Os franceses do século XIX sempre apelaram para o exotismo. Meyerbeer, Massenet, Gounod,  Saint Saens e Delibes entre outros adoravam os grandes balés e os cenários exóticos, da Índia, do Ceilão e até de Madagascar. Bizet flertou com o perigo em sua primeira ópera ao aceitar musicar o libreto de Michel Carré e de Eugene Cormon, que trata de um triângulo amoroso em meio a uma comunidade brahmani de pescadores de pérolas do Sri Lanka. Apelou para os coros e para muita, mas muita música. 

E aí, amigo, dá para entender que você sentiu falta de um coral lírico mais preparado, de uma orquestra mais refinada e de um regente mais aplicado.

Por outro lado, você contou com um trio maravilhoso de cantores: Fernando Portari é de longe o melhor tenor brasileiro da atualidade, Camila Titinger é uma de nossas melhores promessas e Leonardo Neiva fez um Zurga primoroso. Verônica Julian teve o mérito de fazer figurinos desojados, como convém a pescadores. Tenho certeza que você também encontrou respaldo no trabalho de Gilberto Chaves e de Mauro Wrona.

Foi uma grande noite a da estréia. E aqui vale fazer uma referência ao Teatro da Paz, de Belém. Foi construído em 1870, quando nem a Capital, Rio, nem São Paulo possuíam teatros deste porte. Era a época da borracha, dinheiro não faltava. Por alguma razão, quando voltou da Itália, consagrado como um dos maiores compositores do verismo, Carlos Gomes foi exilado na capital da Província do Grão Pará.

A borracha minguou e o Teatro da Paz, que ganhou este nome para comemorar o fim da Guerra do Paraguai, caiu no mais absoluto ostracismo. Ressurgiu agora.
Fernando não recuse novos desafios como este. O mundo da ópera precisa de talentos como o seu. Seria ótimo que diretores brasileiros de cinema e de teatro criassem coragem para montar óperas no Brasil.