quinta-feira, 21 de maio de 2015

The Big Five







Esta é uma foto que merece um post. Trata-se da ocasião de um banquete em Berlim, em outubro de 1929. Bruno Walter, Arturo Toscanini, Erich Kleiber, Otto Klemperer e Wilhelm Furtwangler, uma bobagem.

Walter naquela época era o diretor da Berlim City Opera; Toscanini deixara a direção do Scala de Milão e estava a caminho para assumir a direção da Filarmônica de Nova York; Kleiber dirigia a Berlim State Opera e Otto Klemperer regia o Kroll Theater. Furtwangler era o diretor da Filarmônica de Berlim.


Era o ápice da República de Weimar, quando um dólar chegou a valer um milhão de marcos, ou mais. A capital da Alemanha tinha três teatros de ópera e três orquestras sinfônicas. As reproduções fonográficas eram sofríveis, as transmissões radiofônicas também. As viagens eram feitas de trem e de navio e demoravam meses. O cinema tinha falado há apenas um ano.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

O ruído do século XX


Mahler e Strauss: tuneis da mesma montanha que se encontraram




Talvez uma das perguntas mais frequentes de neófitos de uma maneira geral seja: o que aconteceu com a música depois dos impressionistas¿ Por que aquela febril produção do fim do século XIX e que seguiu até os anos 30 foi interrompida¿

A resposta mais competente está em um livro brilhante de Alex Ross chamado “O Resto é Ruído – Escutando o século XX”, da Companhia das Letras. Ross é um crítico musical americano (trabalha na New Yorker) que nasceu em 1968. Este é o seu primeiro livro e foi finalista ao Prêmio  Pulitzer de 2008.

É brilhante a contraposição que abre o trabalho: Mahler de um lado e Richard Strauss de outro. Também é muito feliz a definição de que a música do século XX começa com aquele acorde da clarineta que se desmancha no acender das luzes da Salomé.

Não há como negar que Gustav Mahler carregava consigo os estertores de um mundo que desabaria. Neste sentido, nada é mais emblemático do que o ciclo Das Lied Von der Erde, uma de suas últimas composições, apoiada em poesias chinesas adaptadas para o alemão por Hans Bethge.

Mahler nunca regeu este ciclo. Morreu antes em 1911. A estreia coube ao maestro Bruno Walter, seu aluno, apenas em 1912. A última canção, Farewell, escrita originalmente por Mong-Kao-Ken e Wang Wei, a mais longa do ciclo com mais de 20 minutos, é uma despedida da terra, do planeta. Não só do compositor. Não é uma profecia de que o mundo iria mudar, que não haveria mais lugar para o romantismo tardio. É uma sentença.

Gostaria de dizer que existem dezenas de gravações da Canção da Terra, mas nunca ouvi nada mais perfeito que uma gravação de 1952 ( o ano em que eu nasci), com a contralto britânica Kathleen Ferrier, o tenor Julius Patzak e a Filarmônica de Viena regida por Bruno Walter.

Se este era o testamento do antigo, o manifesto do novo ocorreu seis anos antes, no dia 16 de maio de 1906, na cidade austríaca de Graz. Para lá acorreram todas as cabeças coroadas da música europeia, como diz Ross. Giacomo Puccini, o próprio Mahler, o jovem Arnold Schomberg, Alban Berg, entre outros. Cinco meses antes, Strauss havia passado dos limites com a apresentação de uma ópera escrita sobre um tema bíblico, ultradissonante, baseada numa peça de um degenerado irlandês, cujo nome não se mencionava em sociedade. Uma obra que inspirava tamanho horror ao retratar a lascívia adolescente que os censores imperiais a baniram da Corte de Viena.

Poderia haver propaganda melhor¿ Uma multidão acorreu a pequena Graz, provinciana e pequena cidade do interior da Áustria.

Na tarde que antecedeu a estreia Strauss e Mahler passaram a tarde caminhando nas colinas próximas da cidade. Almoçaram incógnitos em uma taberna. Strauss tinha 41 anos. Mahler 45. “Strauss e eu cavamos um túnel a partir de lados opostos da montanha. Um dia nos encontraremos” – disse Mahler antes de morrer.

Mahler, como de resto todos no Stadt Theater da provinciana Graz, ficaram maravilhados com Salomé. Era o início de um novo tempo. O limiar de uma nova era. O mundo começava a se preparar para o Pelleas de Debussy ou a Sagração de Stravinsky. Não sei precisar quem foi o gênio, talvez o próprio Schomberg, que chegou a brilhante conclusão de que a música do século XX não faria concessões comerciais ou melódicas. Não teria apelo popular e não se preocuparia em se fazer entender por ouvidos despreparados para, por exemplo, o duodecafonismo.

Vale dizer que para estes senhores, o realismo socialista de Prokofiev e Shostakovitch, se resumia a música popular, contratada pelo governo central de Moscou.

Vamos combinar¿ Uma pretensiosa e vergonhosa bobagem.

Pois o século XX se dividiria nestas duas correntes, os primitivos e os sofisticados, os harmônicos e os desarmônicos, os populares e os inacessíveis. O jazz negro americano tomou o mundo com seus improvisos arrojados. Duas guerras (sobretudo a primeira) liquidaram com a arrogância austríaca e depois alemã. Compositores americanos, latino-americanos, soviéticos, o folclore, o nacionalismo, o neo-classicismo, tudo isso rolou de forma impiedosa e massacrante.

Emblemático também é o fato de que Richard Strauss compôs aproximadamente 200 canções ao longo de sua carreira. E que entre a primavera e o outono de 1948 ele tenha composto quatro, três delas com texto de Herman Hesse e a quarta de Joseph Von Eichendorff, como epílogo de sua vida. Mais curioso ainda é que nestas obras absurdamente maravilhosas, ele tenha retomado a escrita romântica alemã.


Ainadamar (acima) e Um Homem Só: século XXI e século XX




Nesta semana, o Theatro Municipal de São Paulo conclui as seis récitas de duas óperas modernas, apresentadas na mesma noite. Um Homem Só, de Camargo Guarnieri, de 1972, e Ainadamar do argentino Osvaldo Golijov, de 2003.
Golijov parece apontar para um novo futuro. Sua ópera conta a história do assassinato do escritor espanhol Federico Garcia Lorca pela falange franquista. É um espetáculo completo, com balé, flamenco, sapateado, jogo de luzes, sons eletrônicos (há até um solo para lap-top), violão flamenco e percussão latina. Os cantores são exigidos no limite de suas competências. O contra-tenor italiano Luigi Schifano e as sopranos Marisu Pavon (argentina) e Camila  Titinger (brasileira) estiveram perfeitas. A Orquestra Sinfônica Municipal, sob a regência de Rodolfo Fischer e Eduardo Strausser, para variar, esteve maravilhosa.

Por outro lado, a partitura de Guarnieri e bem mais sofisticada e exigente do que a de Golijov. Menos pirotécnica, exige dos músicos, o tema básico de José Pires de Assunção, o acorde de três oitavas do piccolo e do fagote, é precioso. O dueto e cena de amor de José e Rita é praticamente a ópera inteira. O libreto de Gianfrancisco Guarnieri, infelizmente, é bem datado.

Rodrigo Esteves e Luciana Bueno estiveram perfeitos.

Uma ressalva aqui para o trabalho do nosso maestro do coro, Bruno Facio. Impressionante. O polifonismo de Guarnieri, com coro misto, e a forma delicada com que ele trabalhou as 12 cantoras (narradoras) para o Golijov.

O maestro John Neschling segue em seu trabalho de aprimorar cada vez mais os corpos estáveis do Municipal. A orquestra e o coral lírico estão cada vez melhores e respondem com serenidade e eficiência aos desafios que a programação lhes impõe. Agora é a contagem regressiva para Eugene Oneguin, de Tchaikovsky, a primeira ópera cantada em russo em São Paulo, depois de mais de 40 anos.