domingo, 21 de junho de 2015

Uma sinfonia do seu tempo



Ottorino Respighi: violinista, violista, maestro e professor

A vida revela surpresas. E as duas coisas, a vida e as surpresas, se renovam de forma impressionante. Ontem, sábado, abertura da Virada Cultural em São Paulo, quem poderia dizer que um concerto sinfônico hermético, com o Theatro Municipal completamente lotado por um público que majoritariamente estava naquele ambiente pela primeira vez, alcançasse sucesso tão retumbante, com aplausos e manifestações flagrantes de carinho e de satisfação.

A peça apresentada, uma única, foi a monumental Sinfonia Drammatica de Ottorino Respighi. Uma composição que ficou perdida durante décadas e que não figura na maior parte das biografias do compositor italiano nascido em Bolonha em 1879 e morto em Roma em 1936. Na virada do século estudou com Nicolai Rimsky-Korsakov, em São Petersburgo, e com Max Bruch, em Berlim.

Respighi assumiu uma cadeira de professor na Academia Santa Cecília, de Roma, em 1913, e sintetiza em si mesmo um pouco de cada movimento, ou cada tendência musical de um período tão rico. Na Sinfonia Drammatica há Korsakov claro. Bruch também. Debussy, Richard Strauss e muito do sinfonismo alemão de Mahler e Bruckner. Mas, a amarração de tudo isso resulta numa visão peculiar do compositor. Afirma sua personalidade como um acadêmico de seu tempo.

Neschling e Respighi: uma agradável relação de descoberta
O maestro John Neschling tem uma agradável relação de descoberta com Respighi. Sua visão do tríptico romano (Fontes, Pinheiros e Festas Romanas) revelada no célebre concerto com a Fura Del Bals, na abertura da temporada do ano passado, mostrou que sua leitura dialoga perfeitamente com a visão delicada, minuciosa e melódica do compositor. Se não bastasse, Johnny regeu a Filarmônica Real de Liege, documentado em CD pelo selo BIS, com a belíssima Impressões Brasileiras, fruto de uma viagem ao Brasil que o compositor fez entre 1927 e 1928. Completa o registro a memorável Butique Fantástica (1918), música de balé a partir de uma coletânea de melodias de Rossini, seu conterrâneo de Bolonha.

Neschling é antes de tudo um estudioso. Ele sabe que Respighi debruçou-se sobre esta sinfonia e deu vazão a uma série de sentimentos que atordoavam a Europa no final de 1914, quando os campos da Bélgica já estavam banhados de sangue e o que era para ser uma guerra rápida se transformaria num açougue humano que vitimou mais de 10 milhões de pessoas e fez mais de 25 milhões de mutilados. Por isso, enfatizou corretamente os andamentos marciais, ao mesmo tempo em que pontuou outras passagens com a marca da perplexidade.


Umas poucas palavras para terminar sobre a nossa orquestra, a Sinfônica Municipal. Se alguém tinha alguma dúvida da sua capacidade vou reproduzir a frase do maestro Neschling em torno de um pedaço de pizza no final daquele noite memorável: “Podem tocar tão bem quanto nós, melhor eu !” 

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Um triângulo, um duelo e um fora gigantesco


Svetlana Aksenova, na cena da carta: declaração de um amor juvenil



O que se espera de uma ópera?

Tem gente que vai ao teatro em busca de montagens luxuosas, figurinos extraordinários, um grande baile, a possibilidade de fazer um selfie na escadaria, ver e ser visto.

Eugene Oneguin é a quarta produção deste ano do Theatro Municipal de São Paulo. A primeira foi Otello, de Verdi, depois o Homem Só, de Camargo Guarnieri, e Ainadamar de Osvaldo Golijov. A ópera de Tchaikovsky é extremamente frequente em todos os teatros do mundo e é uma opção segura para o repertório russo.

O texto original do poeta Alexander Pushkin surgiu no ápice do romantismo e foi publicado em série, como uma novela, entre 1825 e 1832. Trata-se de um romance em versos, que fez um sucesso tremendo na Rússia e, de resto, em toda a Europa, com versões em alemão, francês e inglês.

Tchaikovsky escreveu a música da ópera, que estreou em 1879, como um grande exercício para os alunos do Conservatório de Moscou. A orquestração para os moldes tchaikosvikianos é tímida, sem contra-fagote, nem tuba, nem percussão. Sem as madeiras dobradas, como nas suas sinfonias ou na maioria dos seus balés. Em compensação exigiu e muito do coro e dos cantores.


Cena do coro no primeiro ato: sentimentos extravasados
Nesse sentido, a montagem do nosso Theatro esteve irrepreensível. Bruno Facio fez com que as vozes do coro extravasassem os sentimentos.

Svetlana Aksenova, Alisa Kolosova, Larissa Diadkova e Alejandra Malvino fizeram, no primeiro elenco, um quarteto de vozes perfeito. A cena da carta, monólogo de quase 20 minutos de Tatiana, foi encarado por Aksenova com uma naturalidade surpreendente.

Aliás, Aksenova e Kolosova deram aos personagens de Tatiana e Olga aquele vigor e aquele calor tão típicos dos personagens dos romances russos.  Larissa Diadkova fez a ama Felipevna, como uma matruska apaixonada por sua pupila. Seu passarinho como ela diz.

Fernando Portari e Andrei Bondarenko: cena do duelo perfeita
O barítono ucraniano Andre Bondarenko fez um papel título correto, introvertido, sofrido mesmo, como compete ao personagem. O brasileiro Fernando Portari, por seu lado, fez um Vladimir Lenski maravilhoso, esfuziante e apaixonado. Venceu com tranquilidade toda a dificuldade em cantar em russo. Jacques Delacôte impôs uma regência suave.  Como sempre, a orquestra ofereceu solos perfeitos, notadamente no naipe das trompas, e teve uma performance perfeita.


Muito bem, para quem quer ver e ouvir boa música este Eugene Oneguin merece todas as recomendações. Marco Gandini, o diretor de cena,  apresentou uma versão espartana, mas muito moderna e apropriada.