segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A magia de uma atriz que canta


Débora Duboc: atriz e cantora na peça "Sou toda Coração": noite de magia e música







Vamos começar definindo algumas verdades e alguns parâmetros: sou fã de carteirinha de Débora Duboc, destes de uivar para a lua na fila do gargarejo do teatro. Sempre vi nela a capacidade extraordinária de incorporar os personagens que representa. Isso e mais um raro aspecto bergmaniano, ou melhor, de estrelas bergamanianas como Bibi Vogel, por exemplo, de deflagar uma verdadeira batalha entre o interprete e o personagem. Desta guerra emerge sempre uma interpretação coerente, lúcida, teatralmente engajada.

Isto posto, a mãe do Theo e do Otto, também sempre me chamou a atenção pelo raro timbre de voz, um registro mediano entre a mezzo soprano e a contralto. Um vozeirão capaz de bambear os lustres. Ainda me lembro da primeira vez que a vi. No Teatro da Funarte em Brasília. Faz 20 anos, no mínimo, e algumas existências. Valente Débora. Sua primeira imposição no palco era a voz, como sempre compete as grandes estrelas. Sua fala era clara.

Isso me chamou muito a atenção. Lembro que comentei com a minha esposa, Rejane: “Esta menina, a esposa do Toni, daria uma excelente cantora”.

Alguns anos depois, para minha surpresa, ela montou um espetáculo dificílimo, com canções de Friederich Wiedekin, o fundador da escola de Munique. Foi o “Espírito da Terra”. Uma maravilha que felizmente me rendeu um CD que guardo com imenso carinho e gosto de ouvir quando a mordacidade e a ironia são chamadas para aplacar o meu desespero com a existência. Pois é. Aí a voz da Débora vira a de um anjo. Um anjo meio bravo a me chamar a atenção: “Galateia......”

Compartilho com a minha estrela a paixão por Pirandello. Pelos textos mais esculturais. Pelo som das palavras. E tenho agora o privilégio de partilhar também a voz da interprete, da cantora diferenciada. Débora estrela o musical “Sou toda coração”. Uma joia pura de 22 canções que se tornam mágicas, recriam climas, projetam lembranças. De Domenico Modugno e Kurt Weill a Cazuza, Chico Buarque e Lamartine Babo; de Jards Macalé a Waldick Soriano.

Debbie, você está bárbara. Maravilhosa. Obrigado por uma noite de música e magia.

E aí vai o servição:
“Sou toda coração”
Quartas e quintas as 21 horas no Teatro Itália – Avenida Ipiranga, 344;
Ingressos: R$ 40,00 (20 na meia); grátis para professores e estudantes da Rede Pública, de verdade, com comprovação e tudo. 

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Wagner, limpo e puro



Duas cenas de Lohengrin: acima o anúncio da chegada do Rei, com o coro na posição
 de comentarista; abaixo a cena de duelo entre Frederico Telramund e Lohengrin.



Sem entrar na discussão burra que contrapõe o maestro Giuseppe Verdi e o maestro Richard Wagner, dois gênios absolutos da ópera e do drama lírico, é forçoso reconhecer, entretanto, que o gênio alemão tem um grau de exigência que transcende aos libretos propostos. Nada em Wagner é linear. O vilão nem sempre é vilão, como em O Holandês Voador, nem o herói é tão herói como em Tannhauser. Nem vou descer as minúcias da tetralogia, onde definitivamente nada é o que parece.

Wagner é um contador de histórias, cheias de conteúdo simbólico, e onde a orquestra e a consequente música por ela executada fazem parte definitiva da trama. Mesmo quando ele ainda ensaiava o que mais tarde seria o leitmotiv, como neste Lohengrin, que estreou no Theatro  Municipal ontem, quinta, dia 8.

O comando preciso de John Neschling com os concursos de Yannis Kounellis (cenografia) e Henning Brockaus (direção de cena) culminaram com um Wagner soberbo. Puro. Sem afetamentos. E permitiram aos cantores, o tenor croata  Tomislav Muzek, a soprano suíça, Marion Ammann, a mezzo Marianne Cornetti e ao baixo barítono islandês, Tómas Tómasson, brilharem unicamente pela beleza de suas vozes e pela capacidade de dar vida aos personagens que interpretavam.

Neschling por sua vez não deu trégua à orquestra. Exigiu as minúcias absolutas, sobretudo nos prelúdios do primeiro e terceiro ato e nos longos interlúdios orquestrais. E a brava Orquestra Sinfônica Municipal respondeu a altura. Soou com brilho e com musicalidade. O Coro Lírico Municipal foi muito bem preparado pelo maestro Bruno Facio, desde fevereiro, e serviu maravilhosamente ao papel duplo que lhe coube: o de comentarista das ações que se desenvolviam na trama e o de personagem na mesma trama.

Yannis Kounellis, o cenógrafo, é um dos fundadores do movimento Arte Povera, que prosperou na Itália, sobretudo nos anos 60, valendo-se de elementos muito simples e casuais para compor uma cenografia. Brockaus é discípulo da escola de Bertold Brecht, entusiasta do teatro mínimo. Sua concepção de Parsifal fez muito sucesso na Europa.

Lohengrin não é uma ópera fácil de ser encenada. Ela anda perigosamente no limite do kitsch e do mal gosto. Não é o caso. Em nenhum momento os diretores da versão paulistana perderam o controle da montagem. E a narrativa foi tão eficiente que houve um frisson no teatro quando da revelação do cavaleiro encantado.

Wagner já tinha concluído o seu Lohengrin quando teve de fugir para a Suiça depois de se envolver na revolução liberal de 1848. Aos 37 anos, arrancou até o último florim de Liszt para lhe entregar os manuscritos, que afinal serviram de base para a estréia em 28 de agosto de 1850, em Weimar. O compositor permanecia em Zurique e orientou o célebre maestro e professor húngaro por farta correspondência.

Foi a última das composições de Wagner ainda no modelo italiano de números. Com duetos, trios, quartetos, árias e coros. A partir daí ele mergulharia na tetralogia, no Tristão e Isolda, Mestres Cantores de Nuremberg e Parsifal. Todas consagradas ao drama lírico.

Este Lohengrin certamente fará história no Theatro Municipal de São Paulo. É uma das mais competentes montagens da gestão Neschling. 


O segundo elenco desta versão paulistana do Lohengrin de Richard Wagner conta com o concurso do jovem tenor russo Viktor Antipenko, da soprano americana Natalie Bergeron, da mezzo islandesa Johana Rusanen  e do baixo barítono alemão, Johmi Steinberg. A regência é do jovem maestro Eduardo Strauzzer, assistente de Neschling.
Primeiro elenco, dias 11, 15, 17 e 20;
Segundo elenco, dias 10, 13 e 18.
Aos domingos as 18 horas e nos outros dias as 20 horas.   

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Mais um fim do mundo à vista


Seita americana diz que o mundo acaba amanhã: previsão é de um grande choque



Uma seita cristã americana refez os cálculos e chegou à conclusão de que o mundo, como o conhecemos, acaba amanhã. Quarta-feira dia 7.

A previsão anterior, 21 de maio de 2011, evidentemente não se concretizou. Mas, o líder da seita, Chris McCann, agora garante que não tem jeito mesmo. “O mundo se irá para sempre. Será aniquilido. E destruído pelo fogo”.

Há uma certa lógica nisso. Afinal, da outra  vez que o Todo-Poderoso se indignou com a humanidade, liquidou com tudo, ou quase tudo, na base de chuvas torrenciais que provocaram uma inundação total e aniquiladora. Desta vez, para que não pairem dúvidas, o melhor mesmo e torrar toda a humanidade e o planeta junto.

No passado, uma visionária missionária do Meio-Oeste americano também teve uma visão do fim do mundo. Obrigou a comunidade a cavar uma fortaleza nas montanhas, forrar tudo com chumbo. Ah! Sim, nessa visão o mundo acabava por força de uma reação nuclear. Na data aprazada, encheram o refúgio com comida até a tampa e levaram todos para dentro. Passados sete dias, os primeiros voluntários saíram para conferir os estragos provocados pela ira do Senhor. E, surpresa, constataram  que não havia acontecido nada.

Eu mesmo certa vez fui alvo de uma visionária. Uma tarde comum, quente, estava eu fechando a edição de IstoÉ, quando me avisaram que uma senhora fazia questão absoluta de falar comigo e só comigo. Arrumei uma sala e fui recebê-la, sem ter a menor idéia do que se tratava.

A senhora sem nenhum constrangimento, nem preparação logo me fuzilou com a sentença:

- Olha o mundo vai acabar no dia 23 de maio. Uma nave siriana vai pousar na Paulista e destruir todos os humanos. Não vai sobrar ninguém para contar a história.

Não havia ciclovia na Paulista e portanto os sirianos (para quem não sabe, habitantes da estrela Sirius) teriam todas as facilidade em estacionar a sua poderosa nave destruidora.

A convicção da mulher foi tanta que só me restou a pergunta:

- E o que a senhora espera que eu faça?

Nada. Mas, eu vim aqui porque o senhor foi escolhido entre os 50 humanos que sobreviverão à catástrofe.

- Puxa! Quanta honra. E por que eu?

A mulher gaguejou um pouco mas seguiu: “O senhor é muito conceituado no outro mundo”.

- Pois bem e como a senhora imagina resgatar estas 50 pessoas?

- No fundo do Lago Titicaca na fronteira entre o Peru e a Bolívia está submersa uma nave espacial, que foi colocada pelos sirianos quando estiveram aqui pela primeira vez, cujo objetivo é justamente dar continuidade a humanidade.

Claro que a pergunta que emergiu imediatamente na minha cabeça foi: “E como a senhora sabe disso?”

Não sei até agora porque eu perguntei, mas a resposta foi dramática.

- Eles falaram para mim.

- Eles? Quem? Os sirianos? A senhora fala com os sirianos?

Depois de ouvir as respostas afirmativas que eu temia, balancei a cabeça e disse para ela que sem os meus filhos eu não iria. Ela me pareceu inconformada.

- Mas, o senhor é fundamental no ressurgimento da humanidade.

- A senhora tem certeza que está falando com a pessoa certa? Eu não sou fundamental para coisa nenhuma. Não tenho nenhum prestígio e nunca vi um siriano nem em sonhos.

A mulher finalmente se deu conta que eu não acreditava na história dela e que, ainda que acreditasse, não iria pagar o mico de mergulhar no Lago Titicaca atrás de uma nave perdida e largada lá pelos sirianos há mais de dois mil anos. Acompanhei-a até a saída. E ela se despediu avisando que me ligaria uns dias antes de iniciar a jornada para a Cordilheira dos Andes.

Mas, nem todas as experiências míticas sobre o fim do mundo tiveram uma solução parecida com essa. Certa vez mandei a Kiki (que saudades!) entrevistar uma médium baiana que prestava serviços para o CENIPA, o órgão da FAB que investiga acidente aéreos.

Quando ela voltou, a médium veio junto, teria tremendas revelações a nos fazer.

Convidamos ela para almoçar no restaurante da revista Manchete, no Rio, onde eu era editor executivo.

- Olha eu queria dizer para vocês que tudo isso aqui vai ruir. Esta empresa vai acabar. Vai dar um calote genial em todo mundo. Seus donos vão fugir para os Estados Unidos.

Confesso que engasguei com aquela maldita feijoada koecher que o Jaquito fazia questão de servir as quartas-feira. Uma coisa insuportável.

- A senhora se deu ao trabalho de vir de Salvador aqui para nos dizer isso? Nós estamos carecas de saber que é isso mesmo o que vai acontecer.

O meu jeito peninsular as vezes não ajuda muito. Mesmo assim, a mulher me olhou com carinho, nem no fundo dos meus olhos, e sentenciou.

- Você não quer. Mas, vai voltar para Brasília. E ainda vai ficar um bom tempo lá. De quebra ainda vai ganhar mais um filho. Na verdade uma filha.


Foram 15 anos e a Nina de quebra. O mundo não acabou. A Manchete sim. Entre curvas, perspectivas e não-perspectivas, minha vida só mudaria mesmo em 2013.