terça-feira, 21 de junho de 2016

Programa obrigatório no final de semana




Zemlinsky no piano com seu aluno de contraponto Schomberg:amigos inseparáveis


Depois do momento Boston Pops, o maestro Neschling e a Orquestra Sinfônica Municipal voltam a mergulhar nos programas mais intensos. Por isso mesmo, o concerto deste final de semana, sábado as 20 e domingo as 17, é imperdível para quem gosta de apreciar música na exata acepção do termo e mergulhar até a alma no existencialismo complexo do início do século XX.

A Sinfonia Lírica de Alexander von Zemlinsky é uma obra prima poucas vezes executada. Trata-se de uma série de sete canções extraídas do livro O Jardineiro, escrito pelo poeta indiano Rabindranath Tagore, prêmio Nobel de Literatura de 1913 e traduzido para o alemão por Hans Heffenberger. Uma soprano e um barítono cantam alternadamente acompanhados por uma gigantesca orquestra sinfônica, com todos os naipes dobrados.

A obra é de uma dificuldade tremenda. Exige absurdamente dos músicos e do regente. São famosos os efeitos de glissando nas cordas e nos trombones. Coisa de maluco!

Zemlinsky, entretanto, não tem nada de maluco. Suas origens compõem um cadinho exótico: seu avo migrou da Hungria para a Áustria e sua mãe era uma austríaca típica. Por outro lado, sua mãe nasceu em Sarajevo, filha de um pai sefardita e de uma mãe bósnia muçulmana. Ao final, todos se converteram ao judaísmo.

Musicalmente ele encantou Johannes Brahms com um trio de clarinetes composto em 1896. Depois tocou na Polyhymnia, uma orquestra criada em 1895 por Arnold Schoenberg. Mais tarde, ensinou contraponto e foi seu único professor formal de música. O que convenhamos é um feito inigualável.
Zemlinsky também foi amigo de Gustav Mahler que regeu a estréia de sua ópera Es war einmal, em 1900. Era apaixonado por Alma Schindler, que, entretanto, viria a se casar com Mahler, em 1902.

A Sinfonia Lírica estreou no dia 4 de junho de 1924 em Praga, sob a direção do compositor. E tornou-se a sua obra, digamos, mais conhecida.

Neschling escolheu a soprano sueca Malin Hartelius e o barítono brasileiro Paulo Szot para a apresentação.

Completam o programa o concerto número 5 para piano de Camille Saint Saens, chamado o Egipcio, com o pianista chileno Gustavo Miranda Bernales. E a Abertura Trágica de Johannes Brahms.

Música! Mas, muita música. 

Ainda há ingressos disponíveis a preços populares.


Vamos exercitar um pouco os ouvidos e a imaginação.  

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Contra o quê estamos lutando?


Morador de rua em São Paulo: situação perene ou precária

Confesso que tenho perdido algum tempo preocupado com a minha sanidade mental. Não é raro eu me confrontar com a perplexidade. Menos ainda entender que eu não tenho capacidade intelectual para “entender os novos tempos”. Nesta semana lidei com várias críticas a política da Prefeitura com moradores de rua.

Pois bem. Foi comum ouvir que os abrigos municipais impõem regras rígidas para abrigar a população de rua. Horários. Hábitos de higiene. Proibição de consumo de bebidas alcóolicas e de drogas. “Os abrigos da prefeitura não atendem as minhas necessidades”, foi o que ouvimos. “Os banheiros são sujos. Tratam-me como se eu fosse um número. Falta carinho”.    

A condição precária da vida destas pessoas evidentemente não justifica que os serviços oferecidos pela Prefeitura sejam desumanos, precários, etc... Mas, em sã consciência, será que uma noite com temperatura abaixo de 10 graus, sensação térmica de três graus, embaixo de um viaduto ou numa praça pública, com ratos, pombos e outros bichanos é melhor que o pior abrigo municipal?

Algumas frases veiculadas pela CBN:

Valderi Israel da Luz: “É. Tem que acordar cedo, a gente vai para lá e às vezes acabam te roubando”.

Morador não identificado: “O banheiro é sujo, as privadas estão muito entupidas. Não tem descarga e o banho é gelado. E também falta um pouco de organização na hora da janta. Alguns moradores de rua furam a fila”.

Pedro Vila Nova: “Os banheiros todos sujos. Os caras fumam maconha lá dentro. Minha droga é cachaça e cigarro”.

Reportagem de Luiz Fernando Toledo publicada no Estadão de hoje:

Claudemir Cassiano: “Sou livre. Não gosto de ter hora para entrar e sair, hora para comer, hora para tudo. Gosto de fazer minhas regras”.

Ana Paula dos Reis: “Não gosto de albergue. Eu me sinto mais em casa na rua. Já conheço as pessoas e posso usar droga à vontade”.

Reportagem da Folha (Agora) sobre sete mulheres que vivem em comunidade embaixo de um viaduto na Zona Sul:

Ângela dos Santos: “Os abrigos são sujos e somos tratados como animais. Temos que sair de lá as cinco horas (não é verdade!)”.  

Sou de um tempo em que as bandeiras da esquerda eram por salário e moradia digna. E que a população de rua, ou aquela que vivia em acampamentos, ocupações, etc, lutavam para sair desta condição. Não para se perenizar nela.
O PT no poder trabalhou muito para tirar 30 milhões de brasileiros da miséria. Lutou para garantir educação e saúde pública para todos. Trabalhou para o pleno emprego.

A Prefeitura ofereceu na última semana 12 mil vagas em abrigos municipais. Em nenhum destes dias houve falta de oferta. Na noite de quinta para sexta feira 350 vagas ficaram ociosas.

A Guarda Civil Metropolitana não faz rondas noturnas na cidade. Não aborda moradores de rua de noite. Tem ordens para não recolher pertences pessoais, nem nada que possa ser carregado pelos moradores de rua. Entretanto, barracos e abrigos perenes são proibidos.

Contra o quê estamos lutando?

Seis moradores de rua morreram na última semana. Eles fazem parte de uma soma de 12 a 15 que morrem todos os meses na cidade, independente da estação do ano. Pode fazer frio ou calor. Morrem de doenças crônicas hepáticas, de pneumonia, de tuberculose, doenças cardio-vasculares, em sua maioria. O frio agrava este quadro. Sem dúvida. Mas, ninguém morreu por falta de atendimento ou por intervenção da Guarda Civil Metropolitana ou de qualquer funcionário da Prefeitura. O próprio Instituto Médico Legal informou que nenhum dos óbitos se deu por hipotermia.

Querem nos acusar de higienismo porque o prefeito não quer permitir que prosperem acampamentos, ou favelas, na cidade. Ele trabalha duro para garantir moradia digna para a população, inclusive de rua.

Ontem anunciou que vai instalar quatro tendas (as mesmas usadas na campanha contra a dengue) para abrigar e tratar moradores de rua, sobretudo, nas noites frias que ainda virão com o inverno. Institucionalizou um protocolo com a Defensoria Pública definindo o comportamento aceitável dos agentes públicos. O que pode e o que não pode ser apreendido. Ampliou o programa Braços Abertos, praticamente dobrou, para atender a população que quer trabalho e moradia, como forma de lutar contra o vício do crack.

De novo, contra o quê estamos lutando? E pelo quê estamos lutando?



segunda-feira, 13 de junho de 2016

Um deus no céu e um maestro no podium

Aida, primeira montagem desta gestão: participação de todos os corpos estáveis


Gosto de música desde que me conheço por gente. Aos seis anos debutei no Theatro Municipal numa matiné de Rigoletto. Acho que minhas duas primeiras paixões foram o futebol e os concertos matinais que ocupavam as manhãs dominicais. 
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Não tive a sorte de me dedicar a um instrumento, embora tenha dedilhado um piano e aprendido a ler uma partitura. Desta forma, decidi investir na capacidade de ouvir, de distinguir intérpretes, de analisar execuções. Por conta própria estudei um pouco de regência, história da música, harmonia, solfejo e fraseologia.

Este conhecimento me permitiu, por exemplo, perceber que Milton Nascimento é um compositor complexo. Não é qualquer cantor ou cantora que se aventura nas suas canções. Que Cauby Peixoto era um monstro de um cantor, capaz de transitar tranquilamente entre Conceição e Irving Berlin, ou Cole Porter. Que algumas canções de Chico Buarque, notadamente aquelas compostas para o teatro, tinham a estrutura de um musical, para não dizer de uma ópera.

E, claro! Meu ouvido educado permitiu distinguir a Filarmônica de Viena da Banda da Guarda Civil Metropolitana de Osasco. 

Nada contra nada. Adoro, por exemplo, ouvir um cantor de cantina se esgoelando com o Sole Mio ou com Por una Cabeza. Cansei de ouvir o Champagne per brindare un incontro, na voz do Giovanni Bruno (Ah! Que saudades!).

Na minha juventude frequentei muito o Teatro Lírico de Equipe, que às vezes se apresentava numa garagem com cantores amadores, outras tantas no Teatro Arthur de Azevedo, com high lights de grandes óperas acompanhadas apenas por piano. Era um prazer inenarrável ouvir um mecânico de automóvel se transformar no Conde de Luna, ou a gostosinha do bairro em Mimi.

Guiado por mestres fui levado a conhecer os grandes templos da ópera e das orquestras sinfônicas. Primeiro em gravações e depois, graças a minha profissão e a sorte de ter percorrido as principais cidades do mundo, presencialmente.

Falstaff: montagem criativa de alto nível artístico
Sempre soube que o maestro John Neschling é genial e genioso. E que entre suas maiores qualidades está a capacidade, só conferida aos gigantes mitológicos, de transformar um conjunto musical numa orquestra sinfônica. Não afeito às pachecadas ou aos lances midiáticos, ele é rigoroso ao extremo. Vive da música e para a música e assim construiu uma carreira que o transformou no século XXI em um dos maiores regentes do planeta.

Transformar o Theatro Municipal em uma casa de ópera e, eventualmente, de concertos em padrões internacionais, é uma destas missões que se confia a uma personalidade como Neschling.

Ainda me lembro da execução dos interlúdios orquestrais do Peter Grimes, de Benjamin Britten, nos primeiros concertos, em 2013. Poucos minutos antes da apresentação, o prefeito me questionou porque eu estava tão aflito. Na verdade, suava frio, tinha as mãos constritas, o batimento cardíaco acelerado. Era um divisor de águas. Depois daquela noite, pensava eu, nada mais voltaria a ser como antes. E não foi. 

Começamos a produzir em série: Aida, Falstaff, Il Trovatore, Salomé, Carmem, Tosca, Eugen Oneguin, D.Giovanni, Lohengrin, entre outras.

Fora do poço, a série completa das sinfonias de Mahler. Faltam apenas a 7ª e a 8ª. O Tríptico Romano de Respighi com a Fura del Bauls, As Quatro Últimas Canções de Strauss. Foram três anos de realizações que levaram o casarão de Ramos de Azevedo a figurar entre os maiores teatros do mundo, literalmente.

Sonhar era permitido: D.Carlos, Boris Goudonov, Contos de Hoffmann, Parsifal, Peter Grimes, o Tríptico de Puccini, La Fanciulla del West, Der Freischutz, O Cavaleiro da Rosa. A série integral das sinfonias de Bruckner. O Réquiem de Guerra, de Britten, quem sabe as duas sinfonias de Elgar. Com os corpos estáveis celetizados, o céu era o limite.

Mas, forças estranhas se articularam em uma espantosa velocidade para punir os sonhadores. Apoiados em um modelo jurídico ultrapassado, perpetraram descaradamente um assalto aos recursos do Theatro. Não se sabe ainda ao certo, se 10, 12 ou 15 milhões, em três anos. Mas, se sabe quem são os autores. Estão às portas do cárcere. Pelo menos eu espero.

Na ânsia de se livrar da cadeia e do fato de que foram pegos com a boca na botija, jogaram lama em pessoas honradas, que sonhavam com o melhor para a cidade e que vibravam a cada acorde e a cada ária.

Pior. Reabriram as portas para um debate oportunista. Se agora era a hora de discutir o aprimoramento do modelo jurídico, valendo-se inclusive do bem sucedido da exemplo da OSESP , preferem questionar a via artística. Exatamente o que deu e está dando certo. 

Com base em um democratismo ultrapassado, querem rebaixar tudo a um nível primário e devolver o Theatro à mediocridade de antes. Quem sabe com concertos de funk ou rap, apresentação de corais de igrejas, bandas militares, formaturas e assim por diante.

Nada contra estas atividades. A Prefeitura dispõe de uma dezena de teatros municipais para este fim.

Também não tenho nada contra a formação de conselhos artísticos, de administração ou do que quer que seja, desde que seus membros saibam com o que estão lidando. Um especialista em artes plásticas, não necessariamente entende de Robert Schumann, ou de Claude Debussy. Um carnavalesco não entende de uma montagem de ópera. Um diretor de cinema pode muito bem aprender, mas sua habilidade com uma câmara não é suficiente para que ele entenda de balé.
Adoraria que a nossa orquestra tivesse a maturidade e a experiência da Filarmônica de Viena, que escolhe ela mesma os regentes que a dirigem. Ou a Concertgebown de Amsterdam, cujos músicos participam da sua programação artística. Quem sabe um dia a gente chega lá. Por enquanto, é fundamental termos uma direção autoral, assessorada e fiscalizada. Um deus no céu e um regente no podium.

Neschling: um dos dez maiores regentes em todo o mundo
E este regente tem de ser o melhor. Ter experiência. Formar músicos e cantores. Ser distinguido em todo o mundo. Atrair público de toda a parte. Desenvolver uma programação específica para formar plateias, sem rebaixar o nível artístico. Oferecer o melhor. É o que temos com Neschling.

Deve ser apoiado por uma política de marketing que desenvolva o orgulho da população em ter um teatro de ponta, reconhecido internacionalmente, com história e excelência. Possa angariar apoios financeiros que assegurem sua independência e não onerem o poder público. Foi assim que as maiores orquestras americanas foram criadas. Foi assim que as principais orquestras europeias passaram pelo horror da segunda guerra e ressurgiram.

São Paulo se orgulha muito da sua vida cultural. E tem razão para isso. Pode ser também um dos maiores centros de difusão de música clássica e ópera em todo o planeta. Para isso, basta levar a sério e aprimorar o bem sucedido projeto que está em execução. Os teatros de ópera e de concerto de todo o país foram dizimados pelo voluntarismo de uma meia dúzia de “entendidos”. Não vamos, nós também, cometer este mesmo erro.

sábado, 4 de junho de 2016

Lá se vai o maior atleta do século XX


Na manhã de hoje Alá abriu as portas do paraiso: adivinhem quem ele encontrou lá


Tenho um grande amigo que se pauta tanto por posições politicamente corretas que até a seleção de um singelo picolé é avaliada sobre esta luz. Certa vez, revelava a ele minha paixão por Ernest Hemingway. Dizia a ele que me fascinava o vulcão que habitava o seu interior, a capacidade de unir o repórter ao escritor, a ficção a realidade, o narcisismo e o sentimento de derrota que permeou toda a sua vida e culminou com o suicídio.

Este amigo me olhou com aquele ar superior, próprio de quem tem a posse de um sentimento de verdade e sentenciou: mas este cara era um merda. Ele adorava boxe.

Confesso que fui atingido por um raio. Não só porque nutro pela amigo um sentimento de profundo respeito, mas porque eu também sou apaixonado pelo que chamam, ou chamavam, esporte dos reis.

O que há de tão errado no boxe¿

Hoje pela manhã recebi de outro amigo querido a notícia de que Cassius Marcellus Clay Jr. ou Muhammad Ali deixou este mundo.

Ali é certamente o maior atleta do século. Está em uma galeria onde despontam Pelé, Emil Zatopek, George Babe Ruth, Mark Spitz e Michael Jordan. Especificamente no ring, ele superou mitos como Joe Louis, Rock Marciano, Jack La Motta, entre outros.

Seu estilo era impressionante. Comportava-se como um bailarino. Lutava na ponta dos pés, com a guarda na altura do ventre e não parava um minuto sobre o ringue, circundava o contendor e vez por outro desferia seus potentes jabs, que segundo um estudo da época, equivaliam ao deslocamento de um bloco monolítico de concreto.

Na primeira hesitação do adversário, despejava seu repertório inteiro com uma velocidade espantosa e em segundos colocava-o na lona.

Arrogante, convencido, prepotente. Verdade. Mas, parecia humilde quando conversava sobre o esporte que o consagraria. Certa vez, em São Paulo, no Ginásio do Ibirapuera, apresentou-se numa clínica para uma dezena de lutadores. No embate final enfrentaria o campeão brasileiro dos pesos pesados, um capitão da PM de nome Luís Faustino.

Não era uma luta para valer. Apenas exibição. Faustino estava com capacete protetor e nutria uma enorme admiração por seu contendor. Trocaram jabs. Ali dançava em volta do brasileiro. Até que, sem se controlar, o americano despejou uma série de golpes. Quebrou o braço direito do seu oponente. Ficou mortificado sobre o ringue. Durante décadas sustentou a família do PM.

Fora do ringue, Ali se equiparou aos gigantes Martin Luther King Jr.  e Malcolm X na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Confrontou o governo americano ao recusar convocação para servir na Guerra do Vietnam. Valeu-se da sua condição de deus do esporte para defender o seu povo e a liberdade.


Vai Ali, que Alá o receba no Paraíso.