sábado, 14 de outubro de 2017

C H U R C H I L L

Churchill: em uma de suas maiores habilidades, como comunicador de rádio


As vezes a omissão de uma informação, ou a análise de um conceito, pode deformar de forma irremediável uma história. Fui ver ontem o filme Churchill de Jonathan Tepliak com roteiro de Alex Tunzelmann. Como ocorreu com Dunkirk, de Christopher Nolan, parece claro que os britânicos pretendem rever alguns episódios militares do século XX, pelo menos cinematograficamente, com a visão do retrovisor da História.

Em Churchill, Tunzelmann mostra a figura do mitológico primeiro ministro britânico como de um homem inseguro, autoritário, rude mesmo. Uma interpretação maiúscula de Brian Cox. Mas comete um pecado irremediável sob o ponto de vista histórico, mas tolerável sob o cinematográfico. Não é novidade para quem se aprofundou no estudo da personalidade de Winston Leonard Spencer Churchill (1874-1965) seus traços de autoritarismo e rudeza. O erro está em atribuir a sua insegurança com relação a Operação Overlord, ou a invasão da Europa, unicamente por conta das lembranças do desastre da batalha de Gallipoli, na Turquia, na Primeira Guerra, da qual o então First Sea Lord foi apontado como um dos responsáveis.

Tunzelmann dá de barato que todo mundo sabe o que ocorreu em Gallipoli. E para quem não é versado sobre as grandes batalhas da Primeira Guerra, fica tudo no ar. Com efeito, a arrogância britânica, associada a um sentimento de subestimação da resistência turca, lançou em 19 de fevereiro de 1915, uma ofensiva que pretendia tomar a Península de Dardanellos e assegurar um corredor marítimo até a Rússia, como forma de manter uma linha de abastecimento. Nada menos do que 480 mil soldados da Entente, a maioria formada por tropas australianas e newzelandesas, mais a marinha britânica, foram lançadas em uma operação suicida. O resultado final, quando a batalha terminou em 9 de janeiro de 1916, foi de 220 mil baixas, 43 mil mortos, dos quais 33.600 apenas entre as tropas da ANZAC ( australianos e newzelandeses). A passagem jamais deixou de estar sob controle dos turcos.

Churchill pagou muito caro por este desastre militar. Perdeu o cargo e foi condenado a um profundo ostracismo político. Mesmo na segunda metade da década de 30, quando ele já antevia a barbárie nazista, o fracasso de Gallipoli era frequentemente jogado na sua cara.
Natural, portanto, que as lembranças desta batalha lhe assomassem a mente, principalmente diante do que se imaginava fosse, e foi, a maior concentração de soldados e recursos da história militar: a invasão da Normandia.

Mas, o temor do fracasso não foi privilégio dele. O general americano Dwight Eisenhower, o supremo comandante aliado, e todo o seu estado-maior, o general De Gaulle e praticamente todos os militares que planejaram a Overlord,  passaram muito mal naquele início de junho de 1944.

Desde 1942, Stalin pressionava ingleses e americanos a estabelecerem um novo front no Oeste, que lhe desse algum desafogo, principalmente depois da heroica vitória dos russos em Stalingrado. As vitórias no Norte da África e a invasão da Itália não eram suficientes. Churchill e Roosevelt temiam que um novo front na França repetisse a carnificina da guerra de trincheiras e postergaram o quanto puderam. Mas, em 44, a invasão da França não só isolaria os alemães que resistiam na Itália, como poderia libertar Paris e colocar os soldados aliados praticamente nas margens do Reno. Passou a valer a pena o risco.

A Overlord concentrou 155 mil soldados (franceses, ingleses e canadenses), 14.200 barcos, 600 navios e milhares de aviões de transporte de tropas para atacar cinco praias (Omaha, Sword, Juno, Gold e Utah). Assim como parecia óbvia para os ingleses, também era óbvio para os alemães que mais dia, menos dia, sabiam que haveria uma invasão pela Normandia.

Churchill era contra. Temia a superioridade tecnológica alemã e a competência dos generais da Wehrmacht. Preferia manter a pressão no Norte da Itália e na Polônia. Naquele verão chuvoso de 44, as condições climáticas pareciam prenunciar o desastre. As águas do Canal da Mancha estavam revoltas, com ondas de até três metros de altura. O vento era inclemente e mudava de direção todo o tempo. Chovia muito e, quando não, descia um enorme nevoeiro.

Com este clima, os generais alemães estavam seguros que a invasão não se daria naqueles dias. Nem Eisenhower seria louco de lançar uma operação militar gigantesca naquelas condições. Subestimaram a capacidade britânica de prever o tempo.

Os oficiais meteorologistas da RAF encontraram uma brecha entre as 4 horas da manhã e a tarde do dia 6 de junho. Era aquele momento, ou então, somente em setembro. Eisenhower bastante inseguro, pediu ao seu imediato, o general Ben Bradley, que fizesse uma simulação de baixas.

Bradley, segundo alguns historiadores, pressionado pelo comandante britânico Bernard Montgomery, teria subestimado alguns fatores para apresentar um número perto de 60%. Ou seja, 93 mil soldados morreriam naquela invasão. Eisenhower considerou tolerável. Churchill foi à loucura. Dada a ordem da invasão, os dois se apavoraram.

Exceção ao desastre americano em Omaha, a invasão foi um sucesso. O número de baixas foi inferior a 10%, a maioria deles americanos e canadenses. A cabeça de ponte se consolidou, Paris foi libertada, e a guerra na Europa terminaria em maio do ano seguinte, dez meses mais tarde.

Animado pelo sucesso da Normandia, Churchill ainda autorizaria Montgomery a realizar a invasão da Holanda, Em 17 de setembro de 44. Um plano singelo, nascido na cabeça doente do marechal inglês, que imaginava uma invasão de paraquedistas ingleses, canadenses e americanos para dominar as pontes holandesas, enquanto tropas blindadas de infantaria se deslocariam até a cidade de Arnhem, ultrapassariam a ponte sobre o Reno, tomariam o Rur, o parque industrial alemão e forçariam um armistício.

Aqui sim, o desastre foi absoluto. A inteligência britânica desprezou a informação de que havia duas divisões panzers comandadas pelo notável general alemão Wilhelm Bittrich, em Arnhem, e nada menos do que 60 mil experientes soldados alemães, veteranos de batalhas, inclusive na frente oriental, que descansavam estrategicamente para enfrentar a invasão da Alemanha.

Foi uma carnificina com mais de 17 mil soldados aliados mortos ou desaparecidos, dos quais 13.226 eram britânicos. Muito mais do que na Normandia. Arnhem nunca caiu.

De volta ao filme, Tepliak tem o mérito de mostrar um Churchill bastante realista. Mas, reitero que não chega a ser novidade a sua insegurança, o seu temperamento forte, obstinado e autoritário. Também não chega a ser novidade as dificuldades de relacionamento que ele tinha com sua esposa, Clementine, magnificamente interpretada por Miranda Richardson. O casamento dos dois embora tenha durado mais de meio século, foi marcado por idas e vindas, um abalo terrível com a morte de uma de suas filhas e um affair seríssimo vivido por Clemie, ainda nos anos 30.


Churchill foi retratado direta ou indiretamente por mais de uma dezena de filmes. O de Tepliak, ainda que restrito a um período muito curto, os primeiros dias de junho de 44, tem o mérito de mostra-lo de forma muito próxima do que se imagina seja a realidade. Ninguém passa incólume por duas guerras mundiais, uma gigantesca depressão econômica, a guerra fria, o turbilhão de novidades da virada do século XIX para o século XX, o período pós vitoriano, a luta pela independência das colônias britânicas, tudo isso, apenas como um galã de cinema. Mesmo para seus críticos, é inegável que Winston Leonard Spencer Churchill é um dos mais importantes personagens do século XX. E isso não é pouco. O filme é obrigatório.      

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A maior aventura humana









Yuri Gagarin no Túmulo de Lênin: ele ainda repousa na Praça Vermelha em Moscou
Minha filha Bianca é quem faz o diagnóstico mais fulminante: “Pai, diz ela, você é um romântico incorrigível”.

Acho que ela tem razão, sobretudo porque sou daqueles patetas que se emocionam com os feitos da humanidade, com a importância de eventos históricos e detesto aquela expressão “é, mas...”

Esta semana fiquei impressionado com um docudrama russo que capturei na Netflix: “Gagarin First in Space”. Produção de 2013, conta de forma muito criativa a espetacular corrida espacial soviética nos anos 50 e faz um perfil básico de três heróis: Yuri Alekseivitch Gagarin, Gherman Titov e Sergei Pavlovich Korolev.

O episódio mais marcante do filme é a reconstrução do pouso de Gagarin, no dia 12 de abril de 1961, em uma fazenda no Cazaquistão. Os engenheiros soviéticos erraram duas vezes a trajetória final e o primeiro cosmonauta da história, que se ejetou sete mil metros acima do solo, pousou de paraquedas em meio a uma plantação de girassóis, para terror dos camponeses.

“Não fujam” – dizia ele. “Sou soviético como vocês”.

Eu era um moleque metido uma barbaridade, mas me lembro até hoje do impacto de nomes como Vostok, Sputinik e os feitos impressionantes de Gagarin e de Gherman Titov, o segundo no espaço.

E, se há uma razão para explicar porque os soviéticos perderam a corrida para a Lua para os americanos, além da impressionante capacidade de investimento de Tio Sam, a morte prematura do engenheiro Sergei Pavlovich Korolev, em 14 de janeiro de 1966, aos 59 anos, pode explicar.

Korolev era o corpo e a alma do programa espacial soviético. No filme ele trava uma discussão com um marechal do exército vermelho, que se mostrava incomodado com o fato de Gagarin ser um filho de um marceneiro, ou carpinteiro, e de uma camponesa. De ter passado boa parte de sua infância em uma área ocupada pelos alemães na Segunda Guerra e de ter uma personalidade refratária a decisões imperativas.

É impressionante a resposta que ele dá: “Camarada, você não acha que já passou da hora de acabarmos com estas bobagens stalinistas¿”

Ucraniano como Sergei Nikita Kruschev, ele experimentou o cárcere nos anos 30, por seis anos, por razões inexplicáveis, como todas, de Stalin. Foi resgatado depois da morte do “Tovarich” e lhe foi confiada a missão quase impossível de colocar um satélite, um cão e um homem no espaço. Ele fez isso.

Confesso que fiquei emocionado com o relato do filme. Sobretudo a reação popular, o regime só divulgou a informação quando Gagarin já orbitava a terra. Melhor foi o diálogo entre dois manifestantes que caminhavam sem destino pelas ruas de Moscou:

“Para onde vamos¿” – perguntou a menina.

“Acompanhar o pouso do nosso cosmonauta” – respondeu o menino.

“Onde será¿”

“Na praça Vermelha, onde mais¿”


Com efeito, Yuri Alekseivitch Gagarin está mesmo repousando na praça Vermelha, no célebre túmulo de Lenin e dos grandes heróis soviéticos. Estranhamente ele foi vítima de um desastre de um MIG-15, no dia 27 de março de 1968. Até hoje as investigações sobre o acidente suscitam dúvidas. O que se diz é que o cosmonauta da paz ficou muito deprimido anos depois do vôo histórico e se tornou um problema para o regime. Mas, aí é o que eu chamo de “É.Mas...” Prefiro lembrar dele como o herói da humanidade, o destemido aviador, humilde e competente.