Madres Mayo: a mesma plataforma de luta de todas as mães latino americanas |
Se há uma coisa ridícula que une brasileiros e argentinos no mesmo tom de agressividade é a disputa mútua, diria ódio mesmo.
Qual é a lógica?
No Brasil, argentinos são ridicularizados até em comerciais de televisão. São apresentados sempre como arrogantes e ultrapassados. Na Argentina, os brasileiros são prepotentes, exagerados e assim por diante.
Brasileiros e argentinos levam o campo de disputa esportiva para dentro de suas vidas. São intolerantes em relação ao vizinho, os aspectos mais comezinhos.
Mas, no fundo. No fundo mesmo. Admiram-se mutuamente.
Certa vez fiz um ponto com comunistas argentinos em Buenos Aires e fiquei perplexo com a descrição política que eles faziam do Brasil. Davam a entender que a revolução estava a um passo e que seria fruto da ousadia de costumes apresentada nas novelas da TV Globo.
Ficaram decepcionados e incrédulos quando eu disse que era mais fácil D.Pedro I se transformar no fantasma de D.Sebastião e passar a assustar a todos do que as classes proletárias brasileiras empreenderem uma revolução. Não entendiam porque Jorge Amado não era o grande motor da ânsia socialista e porque uma figura como Luís Carlos Prestes não tinha no Brasil o mesmo papel importante que desempenhava nos países da América Latina.
Outro dia me contaram que na gloriosa UnB, aqui de Brasília, professores desfilavam a tese esdrúxula de que o Brasil não faz parte da América Latina. Por suas peculiaridades históricas e pelo seu tamanho, ele se constituiria num continente próprio, lindeiro destes pobres países de fala espanhola.
Como se sabe, nós brasileiros sempre nos consideramos a bala que matou Kennedy. Assim como somos os melhores neste negócio de correr atrás da bola, somos também os campeões da desigualdade, do preconceito contra pobres, da concentração de renda e uma série de outros campeonatos. Esquecemos que a nossa história é trágica. Que nos livramos e mal da escravidão, aliás fomos um dos últimos países do planeta. Que empreendemos pelo menos uma guerra estúpida contra a Argentina. E que ganhamos o apelido de “macaquitos” por conta de uma dominação imensa em Buenos Aires , onde nossos valorosos soldados não deixaram uma única mulher intocada. Como nossos soldados eram negros alforriados...
Camponeses sem terra: no Brasil como em qualquer pais vizinho |
Muita coisa une argentinos e brasileiros. A imbecilidade de suas classes médias, rigorosamente idêntica. O descomprometimento absoluto com a construção de seus países. O poder devastador da colonização cultural.
Outras coisas nos separam. A revolução educacional na Argentina se deu ainda com Sarmiento, no século XIX. No Brasil, efetivamente no início do século XXI. Quando nós conseguimos chegar eles já estão saindo. Resultado: os argentinos aproveitaram melhor o século XX. Nós o desperdiçamos.
Militares argentinos e brasileiros se odeiam, talvez por serem igualmente intervencionistas, reacionários, e estarem sempre a soldo de uma classe dominante corrupta e vendida aos interesses das potências colonialistas.
O Brasil é gigante, multirracial, primitivo em alguns aspectos. A Argentina é pequena, européia, sofisticada e praticamente centralizada em Buenos Aires.
Brasileiros tem um Atlântico quente e praias formosas. Argentinos tem a neve e a imponência da Cordilheira dos Andes.
Argentinos são italianos que falam espanhol e pensam que são ingleses. Brasileiros são um bando de loucos, preguiçosos, dependentes de um estado patrimonialista.
Deveríamos aprender uns com os erros e os acertos do outro. Deveríamos construir uma nação só, separada talvez e, afortunadamente, pela língua. Deveríamos conviver em paz e nos preocupar com nossos irmãos uruguaios, paraguaios, chilenos, bolivianos, peruanos, equatorianos, colombianos e venezuelanos. Deveríamos ter a modernidade de entender que nossos adversários são os mesmos: os países colonialistas que insistem em nos dominar e que não desistem. Deveríamos entender que juntos seríamos fortíssimos, absolutos, auto-suficientes.
Lula entendeu isso. Por isso tornou-se um padrão de orgulho brasileiro e latino-americano. Fernando Henrique nunca se preocupou com isso e ganhou o esquecimento. Dilma poderia propor derrubar de vez as barreiras alfandegárias entre nós. Que mal as economias vizinhas poderiam provocar na nossa?
Poderíamos intercambiar nossas políticas públicas. Ensinar e aprender. Derrubar o preconceito e a arrogância mútua.
É bom parar por aqui. Logo vai aparecer alguém e me chamar de bolivariano, ou de guevarista. Afinal, o Che disse com todas as letras, ainda menino, no Leprosário de São Paulo, no Peru, nas barrancas do rio Amazonas: “Saúdo este continente maravilhoso, do rio Grande a Patagônia, que se consolida em uma única nação multirracial e oprimida”.
Grande Guevara! Nascido na Argentina, herói cubano, cidadão do continente. Sempre à frente de seu tempo, com a visão terna e firme dos revolucionários.
Ainda temos muito para construir. O primeiro passo talvez seja acabar com esta rivalidade ridícula entre brasileiros e argentinos, peruanos e equatorianos, colombianos e venezuelanos. Terminar com as desconfianças mútuas, eternamente plantadas pelo colonizador, pode ser um bom começo.
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