Esta é uma manchete histórica do vetusto jornal milanês Corriere della Sera e foi assinada pelo jornalista Alessandro Porro, então correspondente na América do Sul. Detalhe: foi escrita da sede da Editora Abril, na avenida Marginal do rio Tietê, em São Paulo-Capital .
Sandro escrevia como poucos. Descreveu com detalhes impressionantes a armadilha do exército boliviano, orientada por agentes da CIA, a morte e os fatos que se seguiram à execução do mais importante e mitológico guerrilheiro latino-americano.
A célebre foto de Guevara morto: Sandro escreveu da Marginal |
Aliás, se alguém não viu, não pode deixar de ver as duas versões da história do Che, na verdade Ernesto Guevara La Serna, magnificamente interpretado por Benício del Toro. São dois filmes: o primeiro conta a participação dele na revolução cubana e o segundo, a fatídica campanha boliviana, que culminou com a sua morte.
Mas, de volta ao Sandro, recentemente temos experimentado alguma insegurança, na cobertura sobretudo dos eventos do Norte da África e do mundo árabe. O Estadão outro dia publicou matéria claramente apurada em um hotel de Trípoli, garantindo que a Força Aérea de Muammar Gaddafi não bombardearia as posições de seus adversários. No mesmo dia, a Folha mostrava o bombardeio e as bombas espocando junto aos pés do seu repórter.
Agora, o correspondente do Estadão em Paris está desaparecido, provavelmente prisioneiro dos soldados de Gaddafi. Ele tentou entrar no país por terra pela fronteira com a Tunísia. Deus protege as crianças, os bêbados e os repórteres. Com certeza ele está bem e daqui a pouco vai contar a história toda.
Pior é o atrapalhado da TV Brasil/EBC que promete escrever um livro sobre uma reportagem que ele não conseguiu fazer no Egito. Mas, não vou falar mais nisso.
O correspondente de "O Estado de S.Paulo", Andrei Netto, está preso a oeste da capital líbia Trípoli, segundo o jornal. Em nota publicada hoje, o jornal diz que a embaixada brasileira na Líbia está tomando providências para libertar o jornalista. O jornal havia informado ontem (9) que um de seus jornalistas enviados para a cobertura dos confrontos na Líbia estava sem contato direto com a redação há uma semana. Segundo informações recebidas pelo jornal, o repórter Andrei Netto teria sido preso pelo governo líbio, junto com outro jornalista e um guia líbio, na região da cidade de Zawiya, palco de violentos confrontos entre opositores e forças de Muammar Gaddafi. |
Uma coisa é certa, Andrei você é um baleeiro. Aconteça o que acontecer, você dignifica a profissão de repórter.
A maioria das pessoas desconhece o que acontece em uma redação, notadamente em um conflito armado. É quando os especialistas, os jornalistas cuja vivência maior é a redação, se sobrepõe aqueles que estão na linha de frente.
Um dos casos mais impressionantes aconteceu no mesmo episódio do assassinato de Guevara. Um repórter argentino que estava na Bolívia recebeu a informação passou a redação em Buenos Aires , mas o editor não acreditou e jogou a reportagem no lixo.
Desacorçoado o repórter mandou a mesma reportagem para a Gazeta de Antofagasta, que acabou sendo o primeiro jornal do planeta a publicar a morte do célebre guerrilheiro argentino.
Afundamento do Belgrano: mil marinheiros mortos |
Pessoalmente, vivi uma experiência muito parecida, com um desfecho diferente. Depois de minhas andanças na Base da Marinha Argentina, em Baia Blanca , tive a informação do próprio comandante da arma, o almirante Juan Lombardo, de que os argentinos, durante a campanha das Malvinas, tinham finalmente conseguido o engate dos mísseis Exocet nos ultra-recentes aviões Super-Etandart.
Por que diabos o almirante Lombardo me deu esta informação? Não sei. Acho que ele queria impressionar os militares brasileiros. Ou foi com a minha cara. Sei lá.
Foi preciso uma boa meia garrafa de Jack Daniels para que eu conseguisse colocar todas as informações no papel, depois perfurar a fita, enviar por telex. Na redação, o editor da revista Istoé, Tão Gomes Pinto, queria uma capa. O editor de internacional, João Vitor Strauss, apoiado pelo correspondente em Londres, Fernando Pacheco Jordão, havia decidido que a minha informação não era crível.
Jornalista escolado, apaixonado pelos repórteres e pelas reportagens, o Tão decidiu peitar o staff da redação. Istoé saiu naquele sábado com uma revelação bombástica: os argentinos não só tinham os temíveis mísseis franceses, como estavam prestes a torná-los operacionais.
O Super Etandart da Marinha Argentina: engate do Exocet A Sheffield em chamas: obra do impossível |
A revelação levou os jornalistas do mundo inteiro a pressionar o Estado Maior Conjunto Argentino a confirmar a informação. Ninguém abriu o bico, o que me fez sorver a outra metade da garrafa de Jack Daniels. Ainda mais que no domingo, um submarino da Armada Real Britânica pôs a pique o encouraçado General Belgrano e levou a morte mais de mil marinheiros argentinos.
Na terça-feira, em represália, um Super Etandart decolou do velho porta aviões 25 de Mayo e detonou uma moderníssima fragata britânica de nome Sheffield. Um Exocet fez o serviço.
Deus me perdoe! Mas, foi a glória total.
Naquela tarde em Buenos Aires , cercado pelos colegas da imprensa internacional, na confeitaria El Reloj, brindei com todas as forças do meu pulmão:
- Ai putada. Hoje é meu dia. Ho visto Guevara morto!
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