Vieirinha: mestre querido e saudoso |
Um dos meus mestres mais queridos, dos poucos que sobraram da minha experiência acadêmica, é o notável romancista, brilhante escritor e professor querido, José Geraldo Vieira.
Incrível ele era professor de cinema e foi ele que me apresentou ninguém menos do que Sergei Eisenstein.
Aliás, o Vieirinha era surdo como uma porta. Perdeu a audição no exercício de sua profissão: ele era médico radiologista. Nós tínhamos o hábito de escrever no quadro negro o tema que queríamos que ele abordasse naquelas aulas, que embora fossem programadas sempre para as noites de sexta-feira, das 19 e 30 até as 23 e 30, tinham audiência plena e dezenas de bicões.
Certa vez, tive a audácia de propor a ele um tema: a “belle epoque”!
Ele sorriu e começou a falar dos amigos que ele conhecera no período que viveu na Rive Gauche, em Paris, entre 1920 e 1935.
Um de seus temas preferidos era falar sobre Andrés Malraux, com quem ele convivera em um sótão de Paris, de Camille Claudel, que ele conheceu já internada, e do casal Frida Kahlo e Diego Rivera.
Li todos os livros do Vieirinha, dois me impressionaram demais: Ladeira da Memória e A Túnica e os Dados. Os dois talvez sejam encontrados ainda em algum sebo, quem sabe.
Ainda me lembro daquela aula que tive a petulância de propor. Ele explicou com uma proverbial facilidade que a “belle epoque” era um modo de vida. E que para destruí-lo foi preciso uma guerra, a primeira. Vieira dizia que uma das razões da agressão alemã a França, em 1914, foi a inveja de que Berlim, por mais atraente que fosse, jamais teria o charme e a beleza de Paris.
Não riam. Historiadores sérios concordam com ele.
Inspiração de Lautrec: Moulin Rouge |
Na comparação com a virada do século XX para o século XXI, pode-se dizer que há um verdadeiro massacre. Toda a cultura ocidental que gravitava sobre a Paris daqueles anos nos deu o impressionismo, Debussy, Satie e Ravel; Zola e o naturalismo; se reescreveu o socialismo e o realismo. E nesse meio tempo, bebia-se absintho, cognac e champagne. O restaurante mais badalado do mundo era o Pré-Catalan, o Maxim’s e suas grisettes eram cultuados e o Moulin Rouge era o templo do Can Can, onde La Goulue inspirava Lautrec.
As vezes tinha a impressão que o Vieirinha podia me transportar pelo tempo. Adquiri o desejo de ter vivido na “belle epoque”. Quando voltei a Paris passei a ver o fantasma da cidade que ele descrevia, o frisson das novas idéias que surgiam pelas ruas como ventos frios a enregelar idéias conservadoras.
Infelizmente era apenas uma das não raras alucinações que freqüentam a minha cabeça e certamente freqüentavam a mente privilegiada do velho mestre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário