Mary Poppins: um dos mais expressivos símbolos britânicos do século XX |
Vamos combinar que estas
cerimônias de abertura de jogos olímpicos e que tais, há muito perderam o
impacto representativo de revelar a surpresa, o poder de receber e o sentido de
dar um recado ao mundo. Minha memória anda falhando, mas eu me lembro da célebre
abertura de Moscou, do caráter espetacular de Barcelona. No mais, é mais do
mesmo.
Esta abertura de Londres
2012 foi empolgante. Um show extraordinário. Mas, uma estranha sensação de old-fashioned.
James Bond, Mary Poppins, Paul MacCartney, ninguém em sã consciência pode
desprezar o legado dos britânicos. Nem subestimar a capacidade que eles têm de
produzir civilização. Não fosse a Inglaterra Vitoriana e certamente parcelas
ponderadas do planeta ainda estariam divididas em práticas tribais.
Rudyard Kipling, um dos pais
de todos os modernos jornalistas, em seu romance O Homem que queria ser Rei,
magnificamente levado ao cinema por John Huston, em determinado momento escreve
a seguinte cena: Dani e Peach, os dois aventureiros, ex-soldados britânicos na
Índia, que imaginavam tornarem-se reis do Kafiristão, abordam uma vila nativa e
surpreendem a população pelo uso dos rifles. O líder tribal, assustado,
pergunta se eles são deuses. E Dani responde:
- Não. Ingleses. O que é
mais ou menos a mesma coisa.
Em outra passagem, Peach
treina os nativos e diz:
- Vocês tem que se
esforçar para serem como os soldados ingleses e poder levar a civilização a
todas as partes do mundo.
Humildade nunca foi uma
característica inglesa. Certa vez, eu estava em Londres e se abateu sobre a
cidade um daqueles fogs tremendos: aeroportos fechados, trens parados,
navegação no canal suspensa. No dia seguinte o The Times publicou como
manchete: O continente está isolado!
Não há dúvidas de que na
segunda metade do século XIX, Londres era o centro do mundo. Para onde afluíam os
pensadores mais atuantes e revolucionários: Darwin e Burton eram britânicos,
Marx era alemão. Freud era austríaco. E a lista é enorme.
O poderio britânico no
início do século XX era tanto que o Kaiser Guilherme II, quando soube que um
atentado militar a Bélgica traria os ingleses para a Grande Guerra, quis voltar
atrás. Sobrinho da rainha Vitória, ele sofria de inveja do charme de Paris em
plena belle-epoque e tinha uma ponta de ressentimento com os ingleses,
sobretudo depois da morte de Edward VII.
Barbara Tuchmann, prêmio
Pulitzer de 1963, em sua obra prima “Canhões de Agosto” descreve assim a cena
do féretro real:
“No centro da primeira
fila cavalgava o novo rei, George V, ladeado à esquerda pelo Duque de
Connaught, único irmão sobrevivente do falecido rei, e à direita por um
personagem a quem, segundo The Times, “cabe o primeiro lugar entre todos os
estrangeiros presentes”, e que “mesmo com as relações estremecidas, nunca
perdeu sua popularidade entre nós”: William II, Imperador da Alemanha. Montado
em seu cavalo cinzento, usando o uniforme escarlate de um marechal-de-campo
inglês e empunhando o bastão deste posto, o Kaiser mostrava por trás do famoso
bigode voltado para cima, uma expressão “grave, quase ao ponto da severidade”.
Suas cartas nos dão alguns indícios das várias emoções que fervilham em seu
peito sensível: “Tenho orgulho em chamar de lar este lugar e de ser um membro
desta família real”, ele escreveu para casa, depois de passar a noite nos
antigos aposentos de sua mãe no castelo de Windsor”.
Bárbara é enfática. Para
ela, o equilíbrio entre os sentimentos e a nostalgia, o orgulho e a arrogância
romperiam com o desaparecimento de Edward VII:
...”A voz abafada do Big Bem
anunciava as nove horas quando o cortejo deixava o palácio, mas no relógio da
História o dia terminava e o sol do Velho Mundo morria com um último clarão de
esplendor, para nunca mais nascer”.
Seria impossível voltar
atrás. A sentença do general Moltke, chefe do estado maior alemão, deixava
claro que a aventura germânica contra a França teria que massacrar a Bélgica e
trazer a Inglaterra para o conflito.
Com o fim da Grande
Guerra, a assunção da burguesia europeia, o fim dos Habsburgos e as eternas conturbações
da Quinta República francesa, os ingleses pareciam prontos para cumprir o seu
destino e efetivar o domínio do seu império em todo o mundo. “O sol nunca se
põe sobre o império britânico”, dizia o lema da rainha Vitória.
Veio o pós-guerra e com
ele a terrível crise do capitalismo, a revolução soviética, a depressão
americana, o fascismo, o nazismo e quando a Europa, mais uma vez, parecia
fadada ao tacão militar alemão, eis que os britânicos conseguem o milagre da retirada
de Dunquerque. E surge a figura espetacular de sir Winston Churchill: “Nós
lutaremos nas praias, nos lutaremos nas colinas. Nós nunca nos renderemos”.
Outra de Churchill diante
da possibilidade de negociação com a Alemanha: “Uma nação que se rende sem
lutar tende a desaparecer. Se a breve história da nossa ilha vai acabar, vamos
lutar até nos afogar no nosso próprio sangue”.
Com o fim da Segunda
Guerra e o começo da Guerra Fria, entretanto, o poderio britânico pelo mundo
começou a declinar. A libra esterlina deixou de ser o padrão monetário do
mundo, substituída pelo dólar. A Índia e outras colônias passaram a ter
aspirações de independência. E o leão britânico decidiu que manteria seu poderio
criando um poderoso manto protetor chamado commonwelth.
Nos anos 60, os britânicos
passaram então a usufruir, até de maneira espontânea, de uma característica
inimaginável no passado: a transgressão. Veio então o rock dos Beatles e dos
Rolling Stones, a mini-saia e o clamor de uma juventude que queria romper com
os padrões históricos de comportamento. Graham Greene, George Orwell, o resgate
de Oscar Wilde, Hitchcock, Ian Fleming, e agora mais recentemente o poderoso
Harry Porter, novamente a velha Londres passou a representar, na pior das
hipóteses, um ponto de referência no pensamento ocidental.
Pena, entretanto, que uma
história tão magnífica não tenha se revelado em toda a sua pujança na cerimônia
de abertura de Londres 2012. Foi tudo muito bonito. Mas, e o futuro?
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