Guernica de Picasso: "Que diabos é essa Guerra Civil Espanhola?" |
Numa semana em que se
discutiram os indicadores de aprendizado de crianças e jovens brasileiros me
assaltaram algumas diferenças e algumas lembranças, que confirmam a minha tese
de que a busca do saber tem a ver também com uma questão geracional e
ideológica. Saber para que e por quê?
Tive um professor na
gloriosa Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, o genial romancista
José Geraldo Vieira, que era surdo como uma porta. Ele tivera a felicidade de,
filho de abastada família cafeeira, ser mandado para estudar Medicina em Paris
nos anos 30. Ou seja, pegou em cheio a chamada geração perdida.
Claro, ele poderia ter
passado seu tempo com meretrizes em Pigalle, ou nas mesas de jogo em Monte
Carlo, ou ainda em companhia de playboys europeus, contemplativos e niilistas.
Mas, Vieirinha preferiu entender o seu tempo e conviveu com aquela turma toda
de malucos e visionários, que está maravilhosamente descrita no filme Meia
Noite em Paris, de Woody Allen.
José Geraldo Vieira se
formou médico radiologista em Paris. A exposição ao raio-x custou-lhe a audição. Mas, ele inscreveria
seu nome na história com romances espetaculares. Cito dois que me
impressionaram muito: A Túnica e os Dados e Ladeira da Memória.
Vieirinha: mestre e romancista |
As aulas de Vieira eram
programadas sempre para as sextas-feiras, no período noturno, das 19 e 30 as 23
e 30. Mesmo assim eram concorridíssimas, salas apinhadas, ninguém nem
respirava. Usávamos uma técnica absolutamente insólita. Escrevíamos o tema que
queríamos naquela noite no quadro. “Ah! Vocês querem uma aula sobre Malraux” –
dizia o velhinho. E tome quatro horas ininterruptas. E assim se seguiram
Eisenstein, Buñuel, Hemingway, Jean Renoir e etc...
Duas das lições do
Vieirinha, jamais me esquecerei. Em uma ele me cumprimentava por um texto sobre
Dolores Ibaburri, La Pasionária, e me dizia: “Ficou muito bom. Mas, faça
melhor, faça mais curto”. Em outro ele dizia: a frase perfeita tem sujeito,
predicado, complemento e ponto. Nada mais.
Quando cheguei ao
Ministério da Educação, diante de uma
equipe de jovens e talentosos profissionais de comunicação, recém aprovados em
concurso público, todos eles graduados com brilho, sobretudo na UnB, procurei
ensinar que o poder de síntese de um período ou de um acontecimento histórico
pode resultar em um único livro ou em uma pintura, ou ainda em uma escultura.
Citei como exemplo Guernica, de Pablo Picasso, síntese absoluta da Guerra Civil
Espanhola.
Voltei para a minha sala e
alguns minutos depois, fui interrompido em meus afazeres por um casal,
rigorosamente inconformado, que me questionou: Guernica nós conhecemos, mas o
que diabos foi a Guerra Civil Espanhola?
Menos mal que a
inquietação aflorou. Mas, nem sempre é assim.
Certa vez, em uma aula na
FIAM, tentava ilustrar que não se podia desprezar a capacidade documental do
cinema. E conclamava os alunos a assistirem o clássico Uma ponte longe demais,
um belíssimo trabalho sobre a arrogância britânica e o desastre da frustrada
tentativa de invasão da Holanda, na Segunda Guerra Mundial.
Alguns dias depois, um
aluno me procurou e comentou que havia
visto o filme, mas não entendera nada. Como assim? Respondi incrédulo.
“Eu não entendi quem
brigava com quem, o que os alemães faziam na Holanda. Aliás, não sei dizer quem
eram os alemães e quem eram os ingleses”.
No desespero, expliquei
que os alemães falavam alemão e os ingleses falavam inglês. E o aluno me
respondeu: “Mas, eu vi uma versão dublada”.
A busca do conhecimento tem
uma relação clara de causa e efeito. Saber para que? Para poder transformar,
para poder entender, para ganhar mais dinheiro e viver mais confortavelmente,
para ser reconhecido socialmente, para seduzir, para se afirmar, para justificar
uma existência. Mas, a sociedade moderna não entende assim.
Esta sociedade do século
XXI é por demais pragmática. Quer apenas a oportunidade e restringe o saber
unicamente a etapa de produção que cabe a cada um. Discrimina aqueles que se
sobressaem na busca do inusitado, do novo, ou do antigo. Tem horror ao
sedentarismo físico, mas não se incomoda com o sedentarismo intelectual. Busca
as emoções de uma montanha russa. Mas, não reflete que a vida, a existência, é
toda ela uma montanha russa, com altos e baixos, com sucessos e com fracassos,
com avanços e com recuos.
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