Salão de refeições do antigo Cad'Oro: presença marcante de Emílio Locatelli |
Faz algum tempo que eu não
escrevo sobre comida. Então, para atender uns poucos seguidores e amigos deste
blog, vou expressar aqui alguns conceitos que desenvolvi e aprendi com grandes
mestres da cozinha como Emílio Locatelli, Isaac Corcias, entre outros.
A primeira coisa a fazer é
derrubar o mito de que a cozinha do dia-a-dia é marcada por grandes tempos de
preparo, altas temperaturas, etc...Isso podia ser verdade no tempo de nossas mães
e avós, quando a indústria alimentícia ainda gatinhava. Hoje, com produtos
semi-prontos e ingredientes concentrados, não há mais razão para isso. Além do
que, ninguém tem tempo disponível para passar horas e horas na cozinha
constantemente.
Tá bom! Também ninguém
precisa fazer como aquele personagem de “A Assassina”, que enche um carrinho de
supermercado de raviólis em
lata. Nem a exuberância de Bridget Fonda seria capaz de
segurar uma barbaridade destas.
Todos os chefs de cozinha
são unânimes e o bom senso também. Não há a menor possibilidade de se encontrar
um bom resultado na cozinha sem os ingredientes certos e de boa qualidade. Cozinheiros
são alquimistas, não mágicos.
Isaac Corcias, amigo
querido, mestre das paellas, dos assados, da cozinha do improviso, conta que
certa vez dois espanhóis se encontraram e um cobrou do outro:
- Aquela receita de paella
que você me deu, fracassou retumbantemente.
- Como assim?
- Ficou muito ruim.
Ninguém comeu.
- Não é possível. O que
será que você fez errado? Usou arroz de primeira.
- Não. Não encontrei, usei
uma quirela que comprei no armazém.
- Usou camarões graúdos e
descascados?
- Não. Eram muito caros.
Usei sete barbas cinza e não tive tempo de tirar as cascas.
- Usou um bom azeite de
oliva extra-virgem?
- Não. Preferi usar óleo
de soja.
Outro desastre previsível é
tentar enganar a pessoa para quem se cozinha. Certa vez, fiquei tremendamente
aborrecido numa casa do Dânio Braga, no Rio. Não por nada. Havia pedido um
prato de raviólis e recebi um prato de capelettis. Estava até saboroso. Mas,
decididamente não era o que eu tinha pedido. Será que ele achou que eu era um
imbecil que não sabia a diferença entre as duas pastas? Custava ter me alertado
para o fato de que os raviólis haviam acabado?
Certa vez, num dos meus
restaurantes prediletos de Brasília, que infelizmente não existe mais, pedi um
coelho a Lionesa. Alguma coisa deu errado no preparo. Veio duro como pau, impossível
de ser mastigado. Como eu tinha paixão pela chef, fiquei na minha, cutuquei o
bichinho e deixei-o de lado.
Pobre da minha chef
querida. Não dormiu naquela noite. No dia seguinte, me ligou preocupada e com
desculpas. Convidou-me para uma revanche e aí com garbo preparou um dos
melhores coelhos que eu já comi.
O que dá errado na
cozinha, na maioria das vezes é um detalhe tolo. Uma bobagem. Certa vez recebi
um casal de amigos queridos em casa, a Paula e o Eugênio Bucci. Programei-me
para servir arengue suavemente assado e um ratatouille a minha moda. Nossa! Que
fiasco. O peixe se desfez em
pó. Sobrou só o ratatouille. Até hoje estou devendo uma revanche
para eles. O que aconteceu? Provavelmente a temperatura do forno, sei lá.
Outra coisa. Na cozinha, a
máxima do marques de Itararé – de onde não se espera nada é de lá que não vem
nada mesmo – não se aplica. As melhores práticas, não raro, vem de onde menos
se espera. A melhor fritada de siri que eu comi na minha vida – lembra Deborah?
– foi num barracão em
Nossa Senhora do Ó, em Pernambuco. O melhor
filhote ao tucupi foi num almoço despretensioso em Marajó, quando o prato
principal era carne de búfalo e o peixe era a opção. A melhor muqueca de
namorado comi na mesa do então governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, no
Palácio Anchieta, em um jantar de trabalho com Fernando Haddad. A melhor paella
de pato (ressalvada a obra prima do mestre Corcias) comi em um posto de
caminhoneiros na Catalunia. A melhor Coda a Vacinara em um restaurante no
bairro judeu em Roma.
Uma vez, percorria o
Estado de Rondônia, então Território Federal, com meu irmão João Bittar, a
bordo de uma caminhonete do INCRA. Quando chegamos em Presidente Médici
(naquele tempo a estrada não tinha um metro de pavimentação) eu estava morrendo
de fome e decidimos parar em um refeitório (restaurante seria demais) embaixo
de uma ponte, onde se lia: Servem-se refeições.
No caso, refeições era um
eufemismo. Era mesmo um prato feito com arroz, feijão, bife, batata e salada. Bom
repórter, o João enquanto eu lavava as mãos, meteu-se na cozinha e descobriu
que a casa de pasto era conduzida por um alemão, ex-engenheiro da Volkswagen,
que por alguma razão houvera abandonado tudo e se metido naquele fim-de-mundo.
O proprietário veio
trazido pelo João, começamos a conversar enquanto a mulher trazia os pratos já
montados da cozinha. Pode parecer insólito, mas enquanto deglutíamos um bife
duro como pau, um arroz empapado e uma salada murcha, falávamos sobre as
maravilhas da cozinha alemã. Em determinado momento, o alemão ficou colérico,
recolheu os pratos que comíamos e falou com aquele sotaque inconfundível:
- Por favor, me dê uma
meia hora e parem de comer esta porcaria!
No tempo aprazado, a
criatura teutônica voltou com os ingredientes para fazer um Steak Tartar, preparou na nossa frente,
como manda o figurino. Trouxe ainda batatas fritas sequinhas e amarelas e
torradas quentes.
Nem o grande Werner Herzog
poderia imaginar isso: um Steak Tartar perfeito no coração de Rondônia!
Outra coisa importante. A
marca de uma boa cozinha invariavelmente é de quem inspirou as receitas. Certa
vez, cheguei a São Paulo tarde da noite, acompanhava o falecido senador Carlos
Wilson, então presidente da Infraero, e outras pessoas – tenho impressão que o
Lalá também estava – e decidimos fazer uma refeição rápida no restaurante do
hotel. O que não era nenhuma loucura, porque estávamos hospedados no antigo
Hotel Cad’oro.
Todos pediram uma canja ou
uma salada. Lembrei-me com saudade do mestre Emílio Locatelli que emprestou
fama aquela cozinha maravilhosa, uma das melhores, se não a melhor de São
Paulo.
Emílio já cozinhava nas
panelas do paraíso há uma década. Mas, eu senti a sua presença, como no tempo
em que íamos para lá no meio do fechamento da revista Istoé, nas noites de
quinta-feira, com outro craque do paladar, mestre Mino Carta. Lembrei-me do
carinho e do prazer que ele transpirava ao nos receber, jornalistas famélicos e
ansiosos.
Chamei o maitre e
perguntei: “Nos tempos do Emílio, ele fazia uma polenta com queijos cremosos,
você se lembra?”
- Claro! Respondeu-me o
maitre.
- Será que você consegue
me repetir aquela combinação?
- Vamos tentar.
Minutos depois enquanto
meus amigos alimentavam-se com canjas e saladas, eu degustava uma polenta
quente, amarelinha, cujo calor servia para derreter pedaços de queijo brie,
gorgonzola e camembert. Não me fiz de rogado e acompanhei isso tudo com um bom
San Giovese toscano.
Ah! O Velho Cad’Oro, quem
comeu, comeu. Quem não comeu, não come mais. Não é Silvio Lancellotti, meu irmãozinho?
Para terminar vou publicar
uma receita campeã, que eu aprendi em Roma com Albino Castro Filho e Isa Freaza,
muito anos atrás e que até hoje faz um sucesso danado:
Spaghetti Al Lemone
(quatro pessoas)
Ingredientes
1 Limão Siciliano
1 pacote de spaghetti
italiano (Di Ceccho é o melhor!)
1 maço de salsa e
cebolinha
1 pedaço de 150 gramas de queijo
Grana Padano
Sal e pimenta do reino a
gosto
Azeite de oliva
extra-virgem
Óleo de cozinha neutro (girassol,
canola, milho)
Modo de fazer
Fervo dois litros de água
em uma panela, coloco uma colher bem cheia de sal e um pouco de óleo de
cozinha. Enquanto a água ferve, ralo a casca do limão e reservo e ralo também o
Grana Padano em lascas bem generosas ( no ralador mesmo). Espremo o limão com o
cuidado de tirar as sementes e coloco em um liquidificador. Lavo a salsa, com o
cuidado de cortar os caules, e a cebolinha e também coloco no liquificador. Acrescento
150 ml de azeite de oliva, sal e pimenta a gosto. Bato tudo. Exatos oito
minutos de cozimento, com a massa al dente, portanto, escorro o espaghetti e
coloco numa travessa. Por favor não lavem o macarrão. Jogo o resultado da
batida no liquidificador, acrescente as cascas raladas, mexo bastante e por fim
acrescento o Grana Padano. Sirvo com um San Giovese ou Cabernet Savignon.
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