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Ilyushin com matrícula líbia interceptado em Manaus: armas para a A.Central |
Todo jornalista que se
preza desperta do torpor da manhã com a ambição de entrevistar um prêmio Nobel,
de descobrir uma estranha operação de arrombamento em um edifício na capital da
República, conhecer aquela bomb shell amante do senador evangélico que se
mostra como um Quaker ou se transportar para uma cidade prestes a ser
bombardeada pela Força Aérea Americana. Embora pareça marcada o tempo todo por
aventuras, nossa atividade é quase sempre burocrática. No final do dia, sobram
uma conversa com o ex-ministro Mailson da Nóbrega, dois ou três telefonemas com
um assessor de imprensa, uma viagem pela internet e uma materinha de 20 linhas
chupada do Diário Oficial.
O bom repórter sonha com
um frenesi de informações e personagens. Gosta de se ver todos os dias nas
páginas do seu jornal. E se diverte com o constrangimento que provoca quando
chega, por exemplo, a um restaurante e obriga as pessoas a mudarem de assunto.
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Bernstein e Woodward: notícia fria sábado de manhã |
A grande notícia, a grande
aventura, na maioria das vezes atropela o repórter. E para isso é preciso estar
sempre preparado, com os poros abertos, contar com a sorte e muito, mas muito
trabalho. Bob Woodward, por exemplo, estava com os dias contados no Washington
Post quando foi destacado em um sábado de manhã para cobrir o julgamento de um
bando de cubanos que na noite anterior tentara arrombar a sede do partido
Democrata no edifício Watergate. Ele foi arrancado da sonolência quando percebeu
que os acusados estavam sendo defendidos pelos melhores advogados da cidade.
Certa vez fui destacado
para entrevistar o homem forte do Suriname. Era um sargentão, de nome Desi
Bouterse, que dera um golpe de estado apoiado pela burguesia holandesa que
ainda mandava na antiga colônia. Evidentemente eu me senti o próprio Hemingway
quando embarquei num avião novinho da VASP para Manaus, onde faria a conexão
com a Air Suriname. Não passava pela minha cabeça que Paramaribo era uma cidade
barrenta, pobre, chuvosa. Um calor miserável. Na verdade, eu sonhava em
encontrar a Lauren Bacall, com 20 anos é claro, e contar a história da minha
vida.
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Lauren Bacall: me esperava em Paramaribo |
Mas, o destino reserva
surpresas para um repórter. Quando o A300 pousou em Manaus, me chamou a atenção
três aviões estranhos, com inscrições árabes, estacionados ao lado da estação
de passageiros, embora fossem cargueiros e cercados por soldados armados. Minha conexão era de seis horas e eu decidi
procurar o responsável pelo aeroporto para saber do que se tratava.
- Olá! Que confusão é esta.
Que aviões são esses?
O superintendente do
aeroporto suava em bicas, embora o ar condicionado de sua sala estivesse no
último volume. Claramente estressado começou a falar sem parar:
- Estes aviões foram
interceptados pela FAB durante a madrugada. São de fabricação russa, matrícula Líbia,
e aparentemente estão carregados de armas para alguma guerrilha na América
Central.
Com um low profile
artificial, muito bem encenado, me mostrei solidário ao funcionário do
aeroporto e instiguei-o a me contar mais detalhes:
- Parece que um quarto
avião, um Hércules, teve problemas na travessia do Atlântico e foi obrigado a aterrissar
em Recife. Ao fazer a manutenção,
descobriram que ele carregava armas. Soou o alarme e dispararam uns F5 da Base
de Natal para obriga-los a descer aqui.
Ainda pensei um instante
nos cabelos loiros da Bacall, que certamente me esperava em um obscuro e
esfumaçado cabaré de Paramaribo. Em seguida zarpei célere para o comando
militar de Manaus. Não passei nem da guarida.
Próxima parada: Polícia
Federal. É fácil de imaginar a confusão que reinava. Toda a tripulação das
aeronaves estava detida na delegacia. Um delegado me disse que o comandante de
toda a expedição era um mercenário americano, mas que havia de tudo, líbios,
palestinos, alemães e até chineses.
- Mas, do que eles são
acusados? – perguntei.
- Não tenho a menor idéia.
Recebi ordens para retê-los aqui e farei isso.
Um dos problemas de ser um
repórter de revista é que uma história como essa não vai resistir até
sábado. Ninguém sabia o que estava
acontecendo, ainda.
Voltei para o aeroporto.
Não eram nem duas horas da tarde. Liguei para meu amigo e mestre Badaró, no
escritório da ANSA-Agenzia Nationale Stampa Associata- em São Paulo:
- Badaró, te prepara. Vou
te dar um furo sensacional.
- O que é Nunziotto?
- Pega uma máquina de
escrever que eu vou ditar.
À medida que as palavras
iam saindo da minha boca, ao ritmo do som das teclas da máquina de escrever do
Badaró, eu ouvia suas exclamações:
- Puta que pario! Que história!
Caramba!
Em poucos minutos, graças
ao poder dos teletipos da agência nacional italiana, o mundo todo soube do que
estava acontecendo. No início da noite uma horda de jornalistas nacionais e
internacionais desembarcou em Manaus. Parecia a festa da mixirica.
Ainda me dei ao trabalho
de ver do terraço do aeroporto o 737 da Air Suriname decolar. Lauren Bacall
terá que esperar uma nova oportunidade.
Esta história
continua.....
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