quarta-feira, 1 de maio de 2013

Cosa voi dire qualunque, qualunquismo?




Beppe Grillo: exemplo maior do cualcunismo italiano

Qualunquismo é um neologismo italiano que, ao pé da letra, quer dizer que qualquer um serve para qualquer coisa. Traz consigo a descrença, o desalento, o enfado e, quase sempre, o desatino. Surgiu em 1948 fruto do movimento dell'uomo qualunque.

Na Itália dos meus ancestrais o qualunquismo chega a ser uma doença, mesmo antes de se materializar como um comportamento político organizado. Desde jovem ouço uma anedota que explicita bem este sentimento. É aquela do grupo de velhos em torno de uma mesa de scoppa que não sabe eleger entre uma canção socialista, Bandera Rossa, ou uma fascista, Faceta Nera. Então alguém sentencia, “Merda por merda, toca a Marcia Real”.

O qualunquismo já produziu na Itália barbaridades e insanidades graves como Benito Mussolini (para quem governar o país era inútil) e seus camisas negras, Silvio Berlusconi e o gunga-gunga, Cicciolina e agora Beppe Grillo.

Mal comparando, seria como se no Brasil, Renato Aragão, a quem reverencio como um grandíssimo artista, postulasse a candidatura à presidência da República.

Foi o que aconteceu na Itália nas últimas eleições, o que gerou uma crise no singular parlamentarismo italiano, de tal sorte que o país ficou sem governo por dois meses e buscou uma solução numa insólita aliança entre direita e esquerda. Aliança que tem tudo para dar errado, embora qualquer coisa que ocorra naquela península mediterrânea seja possível.

Apesar da crise europeia, da fragilidade do euro, da dívida previdenciária, da inércia na economia, a Itália deu-se ao luxo de dar de ombros à crise do seu governo. E é aí que o qualunquismo tem sua característica positiva. Aos italianos pouco importa se seus políticos se matam nas câmaras e seus intelectuais, ou especialistas para usar jargão brasileiro, queimam seus neurônios para encontrar um novo modelo. E pouco importa se vai para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo.

É vida que segue. Na rotina do trabalho, de todos os dias, na pasta ou no rizzo nosso de cada dia. De vez em quando uma coda como secondo. Um pedaço de formaggio e um copo de San Giovese. O calcio dominicale, a Ferrari, o Giro de Itália. Esta segurança dos italianos chega a provocar calafrios e desdém em seus parceiros europeus e incompreensão do resto do mundo.

Esta postura se deve, sobretudo, ao fato de que primeiro os italianos não se levam a sério e não levam nada a sério. Opa, nada não. Levam muito a sério o Estado italiano e algumas conquistas adquiridas nos últimos 150 anos, que poucas civilizações atingiram. Qualquer tentativa de atentar contra o Estado, une os italianos do Friulli a Sicilia numa velocidade espantosa. Experimente um desavisado empresário peninsular, por exemplo, soltar um passaralho em suas linhas de montagem para ver o que acontece. O trabalho e sobretudo os postos de trabalho na Itália são mais sagrados que as colinas do Vaticano. O Estado italiano investe com fúria em defesa dos trabalhadores. Isso é uma certeza.

Sempre conto uma cena que testemunhei na Piazza Venezia, em Roma, muitos anos atrás, e que me parece emblemática do espírito italiano. Numa esquina de cinco vias, um guarda de trânsito sobre um praticável controlava pacientemente o trânsito, eternamente confuso desde os tempos das bigas. Um motorista inconformado com o tempo de espera descontava na buzina de seu Lancia, o tempo que aguardava para sua passagem. E mesmo diante da postura do oficial que lhe pedia paciência, mantinha a mão sobre este apetrecho tão ruidoso.

A insistência foi tanta, que o guarda largou sua posição e sentou-se numa mesa do Café Brasile e pediu um ristretto.

Claro, todos os motoristas sem a ordem, ainda que precária do guarda, avançaram ao mesmo tempo, estrangulando completamente a esquina e tornando qualquer passagem impossível. Seguiu-se violenta discussão entre os condutores, ao mesmo tempo em que o guarda mexia displicente o seu café e assistia a tudo impávido.

Depois de alguns minutos de discussão, os motoristas chegaram à conclusão que para chegar a seus destinos era fundamental que o guarda voltasse ao seu praticável e decidiram ir em comitiva implorar ao oficial que retomasse sua função.

O guarda parecia alheio a tudo. Fitava com olhar perdido o pavoroso monumento ao Estado, construído com o mal gosto dos fascistas, que os romanos chamam de Bolo de Noiva, ou máquina de escrever. Depois de muita insistência, pediu aos motoristas que pagassem o café e reassumiu suas funções.  Acabou com a confusão e retomou o caos anterior, como se nada tivesse acontecido.

Só dá certo mesmo na Itália, com qualunquismo e tudo.

Primeiro de maio da Força: eta pelegada danada
Hoje é primeiro de maio e acabei de voltar da festa da Força Sindical. Uma pelegada danada. Até o senador Aécio Neves estava lá. E, a favor dele, preciso registrar sua honestidade. Disse com todas as letras que o Brasil não pode se dividir entre capital e trabalho. E que juntos o país deve seguir rumo ao desenvolvimento. Esqueceu de dizer que quando o partido dele estava no poder tentaram de todo jeito enterrar a CLT, que hoje completa 70 anos. Também não disse que esta história de conciliar patrões e trabalhadores só favorece mesmo os detentores do capital.

Qualunque si. Ma in Itália. Non qui. Prego.