sábado, 17 de novembro de 2012

Delírios de um repórter sóbrio. Ou quase!



Ilyushin com matrícula líbia interceptado em Manaus: armas para a A.Central





Todo jornalista que se preza desperta do torpor da manhã com a ambição de entrevistar um prêmio Nobel, de descobrir uma estranha operação de arrombamento em um edifício na capital da República, conhecer aquela bomb shell amante do senador evangélico que se mostra como um Quaker ou se transportar para uma cidade prestes a ser bombardeada pela Força Aérea Americana. Embora pareça marcada o tempo todo por aventuras, nossa atividade é quase sempre burocrática. No final do dia, sobram uma conversa com o ex-ministro Mailson da Nóbrega, dois ou três telefonemas com um assessor de imprensa, uma viagem pela internet e uma materinha de 20 linhas chupada do Diário Oficial.

O bom repórter sonha com um frenesi de informações e personagens. Gosta de se ver todos os dias nas páginas do seu jornal. E se diverte com o constrangimento que provoca quando chega, por exemplo, a um restaurante e obriga as pessoas a mudarem de assunto.


Bernstein e Woodward: notícia fria sábado de manhã

A grande notícia, a grande aventura, na maioria das vezes atropela o repórter. E para isso é preciso estar sempre preparado, com os poros abertos, contar com a sorte e muito, mas muito trabalho. Bob Woodward, por exemplo, estava com os dias contados no Washington Post quando foi destacado em um sábado de manhã para cobrir o julgamento de um bando de cubanos que na noite anterior tentara arrombar a sede do partido Democrata no edifício Watergate. Ele foi arrancado da sonolência quando percebeu que os acusados estavam sendo defendidos pelos melhores advogados da cidade.

Certa vez fui destacado para entrevistar o homem forte do Suriname. Era um sargentão, de nome Desi Bouterse, que dera um golpe de estado apoiado pela burguesia holandesa que ainda mandava na antiga colônia. Evidentemente eu me senti o próprio Hemingway quando embarquei num avião novinho da VASP para Manaus, onde faria a conexão com a Air Suriname. Não passava pela minha cabeça que Paramaribo era uma cidade barrenta, pobre, chuvosa. Um calor miserável. Na verdade, eu sonhava em encontrar a Lauren Bacall, com 20 anos é claro, e contar a história da minha vida.

Lauren Bacall: me esperava em Paramaribo

Mas, o destino reserva surpresas para um repórter. Quando o A300 pousou em Manaus, me chamou a atenção três aviões estranhos, com inscrições árabes, estacionados ao lado da estação de passageiros, embora fossem cargueiros e cercados por soldados armados.  Minha conexão era de seis horas e eu decidi procurar o responsável pelo aeroporto para saber do que se tratava.

- Olá! Que confusão é esta. Que aviões são esses?

O superintendente do aeroporto suava em bicas, embora o ar condicionado de sua sala estivesse no último volume. Claramente estressado começou a falar sem parar:

- Estes aviões foram interceptados pela FAB durante a madrugada. São de fabricação russa, matrícula Líbia, e aparentemente estão carregados de armas para alguma guerrilha na América Central.

Com um low profile artificial, muito bem encenado, me mostrei solidário ao funcionário do aeroporto e instiguei-o a me contar mais detalhes:

- Parece que um quarto avião, um Hércules, teve problemas na travessia do Atlântico e foi obrigado a aterrissar em Recife.  Ao fazer a manutenção, descobriram que ele carregava armas. Soou o alarme e dispararam uns F5 da Base de Natal para obriga-los a descer aqui.  

Ainda pensei um instante nos cabelos loiros da Bacall, que certamente me esperava em um obscuro e esfumaçado cabaré de Paramaribo. Em seguida zarpei célere para o comando militar de Manaus. Não passei nem da guarida.

Próxima parada: Polícia Federal. É fácil de imaginar a confusão que reinava. Toda a tripulação das aeronaves estava detida na delegacia. Um delegado me disse que o comandante de toda a expedição era um mercenário americano, mas que havia de tudo, líbios, palestinos, alemães e até chineses.

- Mas, do que eles são acusados? – perguntei.

- Não tenho a menor idéia. Recebi ordens para retê-los aqui e farei isso.

Um dos problemas de ser um repórter de revista é que uma história como essa não vai resistir até sábado.  Ninguém sabia o que estava acontecendo, ainda.

Voltei para o aeroporto. Não eram nem duas horas da tarde. Liguei para meu amigo e mestre Badaró, no escritório da ANSA-Agenzia Nationale Stampa Associata- em São Paulo:

- Badaró, te prepara. Vou te dar um furo sensacional.

- O que é Nunziotto?

- Pega uma máquina de escrever que eu vou ditar.

À medida que as palavras iam saindo da minha boca, ao ritmo do som das teclas da máquina de escrever do Badaró, eu ouvia suas exclamações:

- Puta que pario! Que história! Caramba!

Em poucos minutos, graças ao poder dos teletipos da agência nacional italiana, o mundo todo soube do que estava acontecendo. No início da noite uma horda de jornalistas nacionais e internacionais desembarcou em Manaus. Parecia a festa da mixirica.

Ainda me dei ao trabalho de ver do terraço do aeroporto o 737 da Air Suriname decolar. Lauren Bacall terá que esperar uma nova oportunidade.

Esta história continua..... 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O dia que Stravinsky fez o pau quebrar no Teatro Municipal de São Paulo

 Concertgebown de Amsterdam: uma das melhores orquestras do mundo



No universo fantástico da música, como de resto de toda a criação humana, chama a atenção aquelas obras que provocam um salto na compreensão. Algumas rompem com o estabelecido, outras estão tão à frente de seu tempo, que foge ao entendimento como puderam ser concebidas precocemente.

Evidentemente salta aos olhos a genialidade do Renascimento, sobretudo o teto da Capela Sistina, no Vaticano. Mais recentemente o grotesco do desenho de Toulouse-Lautrec ou de Vincent Van Gogh, misto de gênio e louco. São obras que provocam desconforto pelo inusitado, pelo arrojo e pela coragem.

Na música, Beethoven bonapartista entusiasmado, decepcionou-se com o bombardeio francês a Viena, rasurou a dedicatória e compôs uma destas obras luminares, a Terceira Sinfonia, chamada Heróica. Nada mais seria como antes depois disso. Richard Wagner costumava dizer que esta obra marcava a divisão dos mundos. Não se deve esquecer que o gênio de Bonn escreveria depois a quinta e a nona sinfonias, provavelmente mais conhecidas, mas que não arrastaram o inusitado.

Coco&Stravinsky: encenação do estrago

Outro dia, vi pela televisão ao filme Coco Chanel & Igor Stravinsky. A primeira cena do filme é a encenação do estrago provocado pela estréia de A Sagração da Primavera, em Paris, em 1913. Bale primitivo criado por Diaghlev, com uma música absolutamente revolucionária de Stravinsky. Clique aqui para ouvi-la

Foi uma destas noites memoráveis em que nada mais seria como antes. As primeiras notas do fagote, 16 vezes mais agudas que o natural, o ritmo primitivo e a sequência melódica sempre interrompida provocaram tremendo tumulto na audiência. De um lado, os impressionistas aplaudiam de outro os conservadores gritavam impropérios. Tudo terminou em troca de sopapos, com a polícia invadindo o teatro e toda aquela gente de casaca e cartola indo parar na delegacia.

Curioso é que Stravinsky depois daquela noite iria ainda escrever pelo menos três quartas partes de toda a sua vasta obra, que inclui uma ópera, música de circo, música de jazz ( um notável concerto dedicado a Benny Goodman, o Ebony Concert), várias sinfonias, obras de câmara, e por ai afora... Mas, nada seria tão marcante quanto aquela notável Sagração.

A capacidade de criar tumulto da obra de Igor Stravinsky atingiu até a paulicéia. Ainda me lembro, e eu estava lá, do notável concerto da Concertgebown de Amsterdam, no início dos anos 70, no velho Teatro Municipal. Havia uma grande celeuma porque os críticos haviam elegido a orquestra holandesa a melhor do momento, desbancando a Berlim, de Karajan, a Viena, de Sawallisch e a Nova York, de Bernstein.

Lobby da Phillips? Talvez.

O certo é que a orquestra lotou o teatro, mesmo com ingressos absurdamente caros. Lembro-me que ficamos, eu e o tio Quico, como dois pedintes na entrada das galerias à espera de um porteiro amigo que nos colocasse para dentro. A alma caridosa apareceu. Tivemos que assistir o concerto lá de cima, em pé.

Haitink: Lá de cima só vimos a careca

Quando o maestro inglês, Bernard Haitink surgiu no palco, só vimos o cucuruto da sua careca. Mas, aos primeiros acordes da Abertura Trágica de Brahms, eu já me convencera de que não era lobby porcaria nenhuma. Era mesmo uma orquestra que soava inteira; as notas eram todas ouvidas com precisão, os silêncios eram marcantes.

Mas, foi na segunda peça do programa que o clima esquentou. Nada menos que a Sinfonia para Instrumentos de Sopro, de ninguém menos do que Igor Stravinsky. Primeira audição no Brasil.

A música é inquietante, por vezes desconfortável, mas soava como se alguém quisesse gritar a inconformidade com a forma. As dissonâncias eram expressivas, redondas e marcantes. Pois acreditem, 60 anos depois daquela noite memorável em Paris, o pau quebrou no Municipal de São Paulo. Começou com vaias e apupos nas galerias, passou pelas cadeiras de foyer e atingiu o teatro todo. Teve gente que trocou empurrões.

Haitink foi até o fim. Impassível. Sabia o que estava fazendo e o que estava provocando.

No intervalo, mais discussão, briga e empurrões. Lembro-me que discuti muito com um grupo que insistia em dizer que aquilo não era música. E me lembro que o mais exaltado era o maestro Olivier Toni.

Serenados os ânimos fomos para a conclusão do programa. Uma bobagem! A Nona Sinfonia de Mahler. Quando acabou, com os inconvenientes reacionários já em casa, constatamos todos que acabáramos de ouvir um concerto memorável, com a melhor orquestra do mundo, e de quebra reeditamos, mutatis mutantes, aquela noite de Paris, em 1913, quando o mundo conheceu A Sagração da Primavera.



    

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Revolución en la escuela, sin discurso vacío



Lula e Haddad: foco para valer na educação levou ex-ministro à Prefeitura


Por Gustavo Iaies EXPERTO EN EDUCACION, DIRECTOR DEL CEPP

(Publicado no jornal CLARIN, de Buenos Aires, no dia 07.11.2012)


El domingo 28 de octubre Fernando Haddad, ex ministro de Educación de Brasil en la gestión del presidente Lula, fue elegido Alcalde de San Pablo por el Partido de los Trabajadores. Haddad, un economista de tradición marxista, llegó a la elección con un gran activo en su currículum: haber hecho una verdadera revolución educativa en su país .
De acuerdo al último informe de resultados de la prueba PISA, Brasil fue el país del mundo con mayores avances en materia de calidad educativa a lo largo de la última década .
La clave de la estrategia de Haddad está planteada en su Plan Nacional de Desarrollo Educativo: “Los datos del SAEB (evaluaciones de la calidad), antes eran muestrales y ahora son censales, pasaron a ser divulgados también por red (municipio) y por escuela, lo que ha aumentado significativamente la responsabilidad en la gestión de la comunidad de padres, profesores, dirigentes y de la clase política con el aprendizaje. Con eso, responsabilidad en la gestión y movilización social tornan a la escuela menos estatal y más pública ”. La idea del tándem Haddad-Lula es que lo público de la escuela no está dado porque el Estado pague los salarios, sino por el compromiso de la comunidad educativa con la mejora.
El programa brasileño le asignó una “nota” a cada escuela, el IDEB (Índice de Desarrollo de la Educación Básica) y las comprometió con su propia mejora.
Dicho indicador mide lo que los alumnos aprenden y, al mismo tiempo, la capacidad de las escuelas de retenerlos . El mensaje es: “ni mejorar los aprendizajes dejando afuera a los alumnos con más dificultades, ni retenerlos al costo de renunciar a la enseñanza”. Así, cada escuela sabe lo que se espera de ella: mejores aprendizajes y capacidad de contener las trayectorias educativas de los alumnos. Aquellas que mejoran tienen más recursos y más autonomía; las que no lo hacen, reciben mayor intervención estatal.
Esta revolución educativa requirió de un Estado que diera información y asistencia a las escuelas . El cambio, justamente, se centra en que todos los actores tengan información y a partir de la misma generen sus propias estrategias de mejora o pidan asistencia para implementarlas.
En diciembre, Haddad puso en marcha el programa Ciencia sin fronteras que envió a 100.000 jóvenes brasileños a cursar maestrías y doctorados a las mejores universidades del mundo. Cerró su discurso de lanzamiento diciendo: “No vinimos a confrontar con la elite brasileña, vinimos a agrandarla, y a que los nuevos no lleguen por origen sino por mérito”.
El triunfo de Haddad es un merecido reconocimiento de la sociedad paulista , un homenaje al coraje intelectual y a la construcción de un proyecto educativo progresista que superó las frases políticamente correctas y se concentró en transformar la realidad, en mejorar el futuro de los niños y jóvenes, o sea, el futuro de Brasil.
Sería bueno “mirar” esta experiencia, no para copiarla, sino para animarnos a emprender una verdadera epopeya educativa, menos centrada en el discurso y más, en la capacidad de transformar la realidad.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A rede social e o ato de fazer a barba


O click e a postagem na rede: imagens sem nexo de um personagem sem sentido




Normalmente não escrevo aqui sobre temas relacionados com Educação, por razões óbvias. Mas, não há como passar ao largo desta questão dos candidatos ao ENEM-2012, que, mesmo diante da proibição de portar telefones celulares, levaram o equipamento para dentro da sala do exame. Pior: ainda se deram ao trabalho de tirar e postar fotos nas redes sociais. Resultado: 37 dançaram no sábado e 28 no domingo.

Confesso que foge a minha compreensão esta compulsão idiota de postar nas redes sociais fotos triviais do tipo “eu estou aqui” ou “o bebedouro onde vou beber”. Isso na versão mais singela. Há aqueles que postam desde a sobremesa do jantar, até detalhes da intimidade da sua última conquista. O que explica isso?

Qualquer analista, por mais rastaqüera que seja, dirá que se trata de um narcisismo exacerbado. Até aí, nenhuma novidade, estão aí os realitys shows com sucesso desmedido. Realmente o mundo está ávido por saber quem come quem e onde. Mas, quando um candidato joga todo um esforço da família por anos a fio pelo ralo, sabendo que está sendo monitorado. Sabendo que no dia anterior, outros se deram mal. Isso não é narcisismo, é burrice.  

Alguém dirá que as redes sociais, o telefone celular e o mundo digital devassaram completamente a intimidade das pessoas. A intimidade e a individualidade. E tem razão. É o enorme preço da modernidade. Para o bem e para o mal.

Quem dentre nós, diante de um espelho, com a cara cheia de espuma de barba, numa manhã ressacada, não olha para o passado (ou até para o presente) e não contempla um segredo? Uma maldade inconseqüente ou uma deliciosa transgressão que guardamos lá no fundo da alma.

Esta reflexão me levou a um livro que eu li há muitos anos. Chama-se Retorno de um Soldado e foi escrito pela britânica Rebecca West. Trata-se da história de um potentado inglês, arrogante e prepotente, senhor de terras, absolutamente insensível, agressivo, intolerante, de nome Chris Baldry. Ele partilhava o seu poder com a esposa Kitty, que se alimentava da sombra do marido.

Por alguma razão desconhecida, este animal acaba incorporado à força expedicionária britânica que vai lutar a primeira guerra mundial na Bélgica. Uma granada alemã explode na sua trincheira. Ele não apresenta nenhum ferimento aparente, mas mergulha numa amnésia dos últimos 15 anos.

Quando volta para a  Inglaterra, não é mais o homem prepotente e arrogante que saíra. É, de fato, o que ele era na verdade, um cara tímido, inseguro, que nutria uma paixão descontrolada pela namorada, uma camponesa de nome Margaret. Além disso era assediado pela prima ardente, Jenny.

O que mais impressiona no livro é que o Chris que volta não sabe do Chris que foi. E é feliz. Com os amores da camponesa e os jogos com a prima.

Desnecessário dizer que a esposa perpetra a suprema maldade de revelar a verdade a ele.

A versão cinematográfica de Alan Bridges não é tão boa quanto o livro. Mas, tem Alan Bates, como Chris, Julie Christie, como Kitty, a super deusa Glenda Jackson como a camponesa Margaret e, ninguém menos do que Ann-Margret, como a fogosa prima Jenny.

Na verdade, todo este volume de informações da intimidade e da individualidade das pessoas que circula pela infovia é apenas um reforço do exibicionismo de cada um. Os tais cinco minutos de fama, ou 1.500 seguidores que curtem estas imagens, a maioria sem nexo e sem sentido. A verdade de cada um, aquela do espelho pela manhã, esta ainda não inventaram nada que revele.