domingo, 30 de setembro de 2012

Uma receita do Vico D'Oscugnizzo




O ambiente radicalmente napolitano do Vico: receitas simples e saborosas




Diante do sucesso da receita do Spaghetti al Limone, recebi uma série de mensagens  com comentários sobre a simplicidade da receita e outros que pediam novas receitas assim, digamos, tão fácil de fazer.

Meu irmão Sílvio Lancellotti, gênios das panelas e um dos jornalistas mais competentes do planeta, ensina que a qualidade dos ingredientes é fundamental e que a mistura de temperos exige mais que intuição, conhecimentos mínimos de alquimia. Assim, o melhor é mesmo não misturar. Querem um exemplo?

Receitas tradicionais, algumas centenárias, misturam alho e cebola. Ainda que a minha mãe fique brava comigo, quando os dois ingredientes e misturam, invariavelmente tudo vira alho. Outra temeridade, misturar ervas ou pimentas.   Não é recomendável.   Quando uso uma erva, como rosmarinho ou basilicão ou orégano, uso apenas uma delas.

Isso posto vou reproduzir aqui uma receita mágica do meu amigo Beto Vizzone, do Vico D’Oscugnizzo, de São Paulo, uma agradável casa napolitana, na rua Arthur de Azevedo, quase na esquina com Henrique Schaumann. Trata-se de um clássico.

Spaghetti Corre e Fuge

1 pacote de spaghetti de grano duro;
500 gramas de carne moída de primeira, alcatre ou coxão mole;
Pimenta vermelha ou verde a gosto; peperoncino, dedo de moça, calabresa;
1 cabeça de alho, descascada e cortada na vertical;
1 galho de alecrim fresco
1 copo de azeite de oliva extra-virgem;
Sal a gosto

Modo de fazer

Atenção para cozinhar um bom macarrão é fundamental ter água abundante, mesmo que isso implique em ter paciência para esperar que ela ferva. Um pacote de spaghetti, apenas para se ter uma base, requer dois litros e meio de água, duas colheres de sal e uma de óleo de cozinha.

Aqueço o azeite, frito o alho até amorenar, coloco o rosmarinho (alecrim) a pimenta e frito a carne. Ao final corrijo o sal.

Escorro o macarrão, coloco em uma travessa, coloco a carne por cima e pulverizo com queijo parmesão ralado em lascas grossas. Cubro a travessa pelo tempo suficiente para chegar a mesa. Sirvo com um vinho de uva sangiovese ou um chianti. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A transgressão do conhecimento






Glenda Jackson em Mulheres Apaixonadas: ver o filme era uma transgressão 






Recebi no início da noite de sexta-feira a sempre iluminada visita do meu mestre Tão Gomes Pinto. Voltou a chover em Brasília, enfim. A primavera chegou com ventos de incerteza e o anúncio de um futuro incerto. O Brasil pelos dados do PNAD, apurados pelo IBGE, vai muito bem. Há mesmo uma nova classe média, os indicadores de miséria absoluta são residuais; o analfabetismo recua; as crianças estão na escola; quase todo mundo leva a vida com trabalho e perseverança.

Claro, estamos longe de ser uma Dinamarca ou uma Coréia. Ainda bem. Há problemas com a faixa dos 15 aos 17 anos. A molecada anda meio perdida. Nem estuda e nem trabalha. Anda sem saber para onde, premida por um volume gigantesco de informações. É um problema grave, que precisa de um estudo mais apurado. Não se pode menosprezar o drama existencial dos adolescentes modernos. Trabalho, estudo, ou os dois? Autonomia, independência, futuro, hormônios a mil, uma sociedade individualista que se anima cheia de novidades, materialista. O universo atual dos adolescentes é aborrecido. Urge criar uma utopia, uma nova versão de Woodstock, uma primavera de Paris, sei lá...

Outro dia, Fernando Haddad estava em campanha na periferia de São Paulo e defendia a educação integral. Ou seja, jornadas escolares de dia inteiro. Alguns adolescentes quando entenderam do que se tratava saíram de fininho. A gente se esquece de que a escola é uma prisão. Pode ser linda, cheia de atrativos, com professores maravilhosos. Mas, sempre será um porre. A não ser que este sacrifício temporário tenha um significado futuro. Tem?

A minha geração, e já se vai meio século, era marcada pela transgressão. Ultrapassar a barreira do permitido. Chocar. E assim aos trambolhões atravessamos os anos 60 e 70. Ficamos deslumbrados com as descobertas. Fomos para frente e para trás, num movimento intenso de busca de uma resposta singela: que diabos estamos fazendo aqui?

Atos simples como assistir a Mulheres Apaixonadas, de Ken Russel, significava por si um ato de transgressão. Deixar a barba ou o cabelo comprido era mais um ato político de que um gesto de estética. Podia-se ver a transgressão em Mozart ou nos Beatles. Em Schiller ou em Plínio Marcos. No Redondo ou no Blue Riviera. No sexo grupal ou num arroubo romântico a la Cyrano. Os punhos de Marcelus Cassius Clay, mais tarde Muhammed Ali, representavam uma transgressão tremenda. Malcolm X, Martin Luther King, Miriam Makeba, Geraldo Vandré, Milton Nascimento, Chico Buarque, o esporte transgredia, o cinema transgredia, a música transgredia. Não vivíamos para conformar. Vivíamos para confrontar.

Não. Não era apenas um movimento contra os militares brasileiros ou latino-americanos, ou contra a Guerra Fria. Era uma forma de enfrentar o determinismo: as coisas são assim e sempre foram assim. A utopia? Sei lá, um estado de liberdade absoluta, onde cada um de nós pudesse fazer o que quisesse, sem amarras políticas ou sociais, onde todos fossem felizes. Não haveria fome ou exploração, nem um estado opressor ou um rol de obrigações.

Nos anos 90 veio o yuppismo e nos transformamos exatamente naquilo que tanto combatíamos. Colocamos uma gravata e começamos a valorizar a forma, o politicamente correto, os valores e a ascensão social. Castramos o poder de transgressão de nossos filhos e passamos a envolvê-los em uma bolha de proteção. Sob o manto do politicamente correto, passamos a impor normas de comportamento e conduta, que nós tanto combatemos.

Alguém pode me dizer, pelo amor de deus, que graça tem em transar com a namorada na casa dos pais, com a família toda reunida assistindo ao Faustão? Qual é o sentido de participar de uma jornada ecológica para coletiva seletiva de lixo no bairro, ou uma pedalada ecológica? Ou passar horas e horas em uma academia de ginástica?

Certa vez, lecionava para alunos de classe média em Brasília, e me submeteram um jornal “clandestino”. Muito bem feito, tratava de questões de convivência e de aprendizagem. Fiquei chocado. Não havia uma única maldade. Não se falava da professora gostosa, do professor alcóolatra, nem havia uma coluna de fofocas e de fuxicos.

- Ninguém come ninguém nesta escola? – indaguei.

Os alunos me olharam com ar de profunda perplexidade. Notei mesmo uma ponta de vergonha.

Será possível?

O novo está no inusitado ou no inesperado. No Beijo no Asfalto de Nelson Rodrigues, na prostituta que se perde em um orgasmo do Abajur Lilás, de Plínio Marcos. Ou se quiserem na inveja doentia que Elizabeth I sentia de Maria Stuart, no texto brilhante de Schiller. Meu amigo Helvécio Raton, gênio mineiro do cinema brasileiro, repartiu comigo um prato de pappardelle no Luca esta semana. E me disse: “As pessoas hoje gostam mesmo é de acompanhar histórias previsíveis, onde os personagens façam apenas o que se espera deles. Sem sobressaltos, sem novidades”.

Isso explica porque as pessoas ficam imbecilidades com estes modernos seriados de tevê, em sua maioria de uma mediocridade brutal. Ou ainda o sucesso destes panfletos novelescos medíocres. Tudo é previsível. Tudo é medíocre.

Uma vez perguntaram a John Huston porque os filmes dele não tinham um final clássico, onde o bandido, ou malvado se ferrava, e o herói ou o bom moço, acabava feliz da vida. Ele deu de ombros e respondeu: “O final não é importante. A forma como chegamos a ele é que conta”.

Aprendi ao longo dos meus 60 anos, que quando tudo está certinho, arrumadinho, alguma coisa está errada. O avanço se dá no caos, jamais no consenso. Apenas para citar mais uma vez o velho Nelson: “a unanimidade é burra”. E eu acrescentaria: e manipulada.

Transgredir pode ser sinônimo de questionar, de criticar ou de discordar.  Trata-se, portanto, de um exercício bastante complicado e desconfortável. É muito mais cômodo ceder à mediocridade, deixar-se levar pelos ventos do politicamente correto e seguir a manada.

A tendência natural da humanidade a mediocridade em contra-partida deixa claro que a principal transgressão é o conhecimento. Não é difícil entender. Se a maioria prefere orelha de livros, finais previsíveis e novelas globais, a forma de confrontar é contrapor a visão mais ampla, mais profunda e mais complexa. Se as pessoas não pensam, aquele que pensa choca.

Quando Beethoven se apresentou para o rei da Áustria, no começo de sua carreira, foi severamente criticado porque estava desalinhado e sujo. Apenas um atento Mozart sentenciou: “Este será o maior de todos!”

O gênio de Bonn era um genial transgressor. Arrasou com um andante no segundo movimento da Terceira Sinfonia, a chamada Marcha Fúnebre. E quando poderia ser cultuado pela originalidade, preferiu a discrição e a solidão.

O que é preciso fazer os jovens entenderem é que o segredo da transgressão é o conhecimento. E que a sua busca é a maior transgressão possível. Do contrário é melhor mesmo cuidar do corpo, porque a mente não vai ter jeito mesmo.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Fraternidade na desgraça


Dilma e Cristina: problemas de câmbio e de crescimento




Recentemente acompanhei o ministro Mercadante à reunião dos ministros da Educação do MERCOSUL, em Buenos Aires. Ao chegar, fomos tomar um café com um alto funcionário da embaixada, que discorreu com um desdém tremendo sobre a crise no país vizinho. Não é a primeira vez que isso ocorre.

Desta vez, entretanto, confiado no saber econômico do meu chefe, tasquei de cara: “Meu chapa, você me desculpe, mas na economia global e de blocos, a crise de um afeta a todos".

Reportagem de O Globo publicada no sábado corrobora meus argumentos: a crise na Argentina afeta mais o Brasil do que a turbulência na Europa.  Os argentinos foram responsáveis por 32% da redução das exportações brasileiras, com o encolhimento de US$ 1,67 bilhão menos, ou 27% do total  da queda das vendas brasileiras.

As perdas mais nítidas foram sobretudo em bens de capital (-14%) e de consumo duráveis (-12%) – dos quais os principais compradores são os argentinos com 60% do total exportado pelo Brasil.

A crise argentina é sobretudo cambial. Sem reservas em dólares, Cristina Kirchner e seu ministro Guillermo Moreno querem segurar a moeda norte-americana de qualquer jeito, nem que para isso tenham que criar barreiras aos produtos brasileiros ou incentivem o mercado negro de uma forma jamais vista no país. Uma das alternativas que está sendo estudada, pelos dois governos, é alimentar o comércio com as moedas locais, o real e o peso argentino.

Sem o comércio com a Argentina, o crescimento do PIB brasileiro fica comprometido. E se o Brasil não crescer a taxas superiores a 3%, morremos todos abraçados na recessão ou assistimos a disparada da inflação. Por esta razão, meu caro hermano Gustavo Iaies, Dilma está suportando todos os desaforos de Cristina e ainda busca encontrar uma saída: entre os males da economia em bloco está a máxima que quando cai um, caem todos. Vide o que ocorre na Europa, né?

Dá série meu-saco-rompe-com-ruído-de-lataria alguém poderia me explicar por conta de que eu tenho que pagar mais caro para viajar na janela de emergência (tem mais espaço) ou na primeira fila de um avião da TAM, se não pago menos quando viajo na última fila e a cadeira não reclina?







domingo, 16 de setembro de 2012

O zippo, o desodorante e as velhinhas contrabandistas



O clássico isqueiro Zippo: uma séria ameaça a segurança aérea



Alguém já disse que atividades de inteligência não combinam com a ação burocrática da polícia do Estado. Por esta razão, a entrada ou saída de um aeroporto – e esta não é necessariamente uma característica latino-americana – é sempre uma surpresa. Por exemplo, qual a razão para que se tire um lap top ou um tablete na hora de passar no raio-x. Ou, porque um isqueiro tipo zippo é considerado um perigoso instrumento que atenta contra a segurança de um voo internacional?

Como dizem os argentinos, nada!

Não há uma maldita explicação para isso. Apenas algum gênio do alto da sua sabedoria e da sua postura burocrática, decretou que um isqueiro é um perigo, mesmo que seja um bic. E pronto.

Certa vez, embarcava em Brasília e durante o raio x implicaram com um tubo de desodorante. Tomaram. Andei menos de 10 passos. Entrei na Free-Shop e comprei exatamente o mesmo frasco, com o agravante que estava cheio, e embarquei sem nenhum problema. Qual é a lógica?

Não há lógica. Há sim uma clara intenção de criar constrangimento. Se o meu tubo de desodorante era um atentado de tal maneira violento que permitia ao agente do estado se apropriar dele. Por que o mesmo tubo comprado na free-shop não era?

Nunca vou me esquecer de uma cena que testemunhei na ponte da amizade, em Foz do Iguaçu, na fronteira com a República del Paraguay. Uma excursão de avós caiu provavelmente no mau humor do delegado de plantão, que decidiu que as velhinhas seguramente estavam atentando contra a economia nacional. Todas desceram do ônibus já escoltadas por agentes com coletes a prova de bala, bombas de efeito moral, metralhadoras e fuzis de repetição. Levadas para uma sala foram obrigadas a abrir todos os presentes que compraram no comércio de Ciudad del Leste, para netas, noras, genros, filhos e assim por diante. Os agentes com uma delicadeza jamais vista, rasgavam os pacotes e os embrulhos. Certamente imaginaram ver nas páginas dos jornais a manchete: Polícia Federal descobre conexão sexagenária na fronteira.

Que pasó? Nada.

As velhinhas voltaram para o ônibus com seus presentes totalmente decompostos. A maioria com a pressão arterial bem alterada e o alívio da sensação de que seriam condenadas a viver seus últimos dias em um presídio sobre a acusação de contrabando.

Aliás, são comuns as batidas em ônibus fretados exclusivamente em São Paulo, Curitiba, Rio ou Brasília para transportar as famosas sacoleiras. Enchem os bagageiros com bagulhos de toda a sorte, para revender com pequeno lucro e desconto das despesas de viagem. Os valentes agentes da Receita Federal, defensores intransigentes da equidade republicana, não raro confiscam tudo. Como se estas pobres famílias suburbanas, muitas das quais sem encontrar outro meio de subsistência, fossem perigosos contrabandistas, tentáculos de máfia ou dos cartéis colombianos de drogas.

Em Brasília, capital da República, existe uma célebre Feira de Importados, também batizada de rua do Paraguay, onde se pode comprar desde uma cafeteira italiana, lap tops e todos os produtos made-i n-paraguay que se pode imaginar. Tudo muamba! Mas, curiosamente há até uma agência do Banco do Brasil, praça de alimentação, os lojistas são bem organizados, etc... É uma das grandes atrações turísticas da capital. Assim, bem medido, instalada a cinco quilômetros da sede da Receita Federal.

Nada contra.

O problema é que a minha mãe ou a minha tia podem ser suspeitas de promover contrabando em Foz do Iguaçu. E ao mesmo tempo podem comprar o mesmo produto na rua do Paraguay em Brasília. Eu posso ser confundido com um perigoso terrorista árabe porque tentei embarcar com um tubo de desodorante ou com um zippo, instrumentos que certamente me permitiriam sequestrar um avião e lança-lo contra, vejamos, pelo meu humor atual, o centro de treinamento do Palmeiras na Barra Funda.

Quando trabalhava na Infraero dei de frente com um projeto inspirado pelo glorioso comando da Força Aérea Brasileira que pretendia colocar barreiras especiais nos portões dos aeroportos brasileiros. Estas engenhocas, quando acionadas, fariam surgir pontas de aço cujo propósito seria dilacerar os pneumáticos de qualquer viatura.

Não lembro exatamente quanto dos recursos públicos seria investido nesta indispensabilíssimo equipamento que permitira, por exemplo, impedir que sequestradores do Al-Queada, muito frequentes nos aeroportos brasileiros, pudessem ganhar as seguríssimas ruas e avenidas das cidades brasileiras. Mas, era uma baita grana. Outra coisa que me chamava à atenção era que a metragem dos portões nunca batia. Coisa que, aliás, parece recorrente na administração pública: a eterna dificuldade em conviver com o sistema métrico-decimal.