sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O centurião romano, o cozinheiro judeu e a receita de arroz com lagosta

Legioes romanas: a conquista do mundo e o surgimento da civilização ocidental


Diálogo recente, via internet, com meu irmãozinho Isaac Corcias.




Como a reencarnação deve existir, e pelo nossos tamanhos ( você grandão e eu baixinho), numa encarnação remota você deve ter sido  comandante das legiões romanas que invadiram a Palestina. E deve ter mandado me levar escravo a Roma, onde eu dei um jeito de trabalhar na cozinha do melhor bordel da cidade.
Você então repartiu para conquistar o mundo conhecido. Prometeu antes me enviar temperos exóticos que encontraria nas tuas andanças.
Ontem à noite, sem sono, recebi o teu e-mail sobre a receita da lagosta.
Hoje cedo não sabia mais se eu tinha sonhado ou se era mesmo verdade.
Reli a receita que te mandei.
Para qualquer "leigo" em cozinha está pouco desenvolvida. Mas você deve acertar já que na vida já fez muitos risotos e de criança deve ter olhado a mamma cozinhando.
Ou seja a receita é apenas o rumo da estrada. O caminho é para você andar.
Vi os jornais de hoje. O mundo árabe continua se "mexendo" para no final das contas ficar como estava. Antes de Mubarak sair, o Mossad já deve ter se acertado com o próximo ditador para ele receber a grana do gás que ele vende, por fora, numa conta em um paraíso fiscal.
Vai mudar apenas o nome dos generais do Estado Maior no Cairo e o povo vai achar que ganhou a "revolução da primavera do Cairo".
Khadaff é mais doido e só sai morto mesmo ou matando feito louco como ele já esta fazendo.Não caiu ainda porque a Europa tem necessidade do petróleo da Líbia e as refinarias européias tardariam a se adaptar a outro tipo de petróleo.
Mas já esta fora do baralho. Rápido demais. Achei que com 40 anos no poder teria uma base, pelo menos repressiva, mais estruturada.
Mas incompetente mesmo são os americanos. Democracia nos países árabes? E as mulheres?
Vai contra a base religiosa. Mesmos direitos? Vão deixar usar biquínis e pegar o carro para ir a praia? Tudo isso é muito mais complicado do que aparentemente  possa parecer.
Bem amigo, como general romano desde encarnações imemoriais você tem muita noção da geo-politica. E como falava Cantinflas: "En este mundo traidor; nada es verdad ni es mentira; todo es del color del cristal con que se vea!"
Um abração meu general. (tribuno ?)


Caro Isaac:


Confesso que me agrada a idéia de ter sido um centurião romano, com andanças por todo o mundo. Não se negue o papel de modernidade que a República e depois o Império tiveram no mundo, é claro! Teria dificuldades para lidar com esta história de escravos. Ou, pior, de te escravizar (Cruzes!). Desde cedo aprendi pela boca do meu pai que a fusão das civilizações do Levante e do que sobrou de Roma constituíram a civilização ocidental. Aliás, você há de reconhecer, que seus patrícios sempre foram tratados com respeito e que nós convivemos muito bem durante séculos, até que aquele tarado do Mussolini fez a merda que fez. Ainda assim, são muitas as páginas que registram a revolta dos italianos com as deportações e os assassinatos perpetrados contra vocês. Certamente em um dos crimes mais bárbaros de toda a história do homem.
By the way, um de nossos orgulhos, de nós os italianos, é que Ben Gurion concebeu o Estado de Israel em Roma. Onde mais????
Quanto a receita entendi perfeitamente. Não se preocupe. Vai dar tudo certo. Modestamente também dou minhas patadas entre as panelas.
Quanto ao Khadafi e a chamada revolução árabe, dizia muito bem um célebre pensador italiano, siciliano como eu: "É preciso mudar para que tudo continue exatamente como está". Tomaso di Lampedusa em um livro glorioso chamado Il Gattopardo.
A Nina está imensa de grande, de teimosa e de mandona.
Agora passeia dentro dos cardápios e se diverte me surpreendendo. Outro dia estávamos em Paraty, em um belíssimo restaurante, e ela com uma segurança impressionante, pediu ao garçom: "De entrada quero mexilhões gratinados com manteiga de Scargot, depois Vol-au-vent com camarões ao porto".
Sua profecia vai se realizando. Imagina o que vai pastar o namorado desta menina.
Outro dia, em Fernando de Noronha, tomavamos um Torrontes argentino. Ela bebericou e concluiu: "Pai, um pouco frutado e muito novo!"
Quanto a sua conclusão do genial Mario Moreno (Cantinflas) vou parodiar com a do grande poeta argentino Enrique Discepolo: "Vivimos revolcados en un merengue. Qualquiera es un senor, qualquiera es un ladron. Mas vale un burro que un gran professor. El que no llora no mama, el que no mente es un gil!."


Lagostas: iguarias marinhas de sabor inigualável
A receita
(para quatro pessoas)


Duas caudas de lagostas, de 700 gramas cada uma;
100 gramas de cenouras;
100 gramas de vagens finas
100 gramas de ervilhas frescas
75 gramas de charlotte bem picadas
Pimenta do reino branca
Estragão
Cerefólio
250 ml de vinho Chardonnay
250 ml de caldo de peixe
2 xícaras de chá de arroz tipo Tio João
100 gramas de manteiga sem sal

Modo de fazer:

Tire as lagostas da casca e corte em forma de medalhões de dois dedos. Tempere com sal e pimenta do reino e reserve. Escalde as cenouras, as vagens e as ervilhas e também reserve. Refogue os medalhões na manteiga com a Charlotte bem picada. Acrescente o vinho branco e deixe refogar mais um pouco. Acrescente o caldo de peixe e o arroz. Um pouco antes de encontrar o ponto, acrescente os vegetais e deixe cozinhar mais um pouco.
Este arroz fica ótimo com maionese de alho e um bom vinho branco.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Alemães politicamente incorretos

Cenário de destruição: Alemanha em maio de 1945, nao sobrou pedra sobre pedra.
Não deve ter sido fácil para a humanidade, e mais especificamente para os alemães, absorverem o mundo que emergiu depois da derrota da Alemanha em maio de 1945. Mais do que um bando de fanáticos, lunáticos, malucos, corruptos, etc, o que caiu em Berlim não foi só um regime, mas tudo o que estava agregado a ele. Fosse na manifestação política, cultural ou artística.
É bem verdade que muita gente mudou de lado com a maior desfaçatez e fez de conta que não aconteceu nada. É o caso do maestro Herbert von Karajan, considerado o menino de ouro do Reich, que mais tarde se transformaria no maior vendedor de discos clássicos da história, titular da Filarmônica de Berlim até morrer.
Mas, haviam aspectos culturais mais arraigados. Ainda recentemente, meu amigo Luiz Massonetto, meu companheiro aqui no MEC e em aventuras gastronômicas, musicais, cinematográficas, me lembrava que um dos compositores mais identificados com o regime do fuhrer era o austríaco Anton Bruckner. Hitler adorava suas sinfonias.
Bruckner: vida marcada pela discrição
Dói imaginar que um músico tão inexpressivo quanto genial, que passou a sua existência nas sombras, como mestre-capela, sem nunca experimentar um sucesso ou uma badalação qualquer, sem freqüentar os círculos culturais da Europa, tenha esta marca. Bruckner era wagneriano juramentado, pangermanista assumido, mas passou toda a sua vida sem uma única polêmica, sem um elogio rasgado, mas era um sinfonista esplêndido.
E o que dizer então da obra extraordinária de Richard Wagner, um sujeitinho metido, para quem os fins justificavam os meios, que levou Ludwig II à loucura até conseguir o dinheiro para construir um templo a sua personalidade, o fantástico teatro de Bayreuth. Anti-semita, prepotente na mesma proporção que genial. Capaz de marcar o ponto zero da dramaturgia lírica.
Recebi pelo correio uma edição da tetralogia, as quatro óperas do ciclo do Anel dos Nibelungos (O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e Crepúsculo dos Deuses) gravada em 1953, em Bayreuth. Sob o comando do excepcional maestro Clemens Krauss estão reunidos ali os principais artistas da cena lírica alemã dos anos 40 e 50, ou seja a turma que ascendeu ao estrelato sobre as bênçãos do regime nazista.
Mais que isso, ou fez que não viu, ou participou ativamente das barbáries cometidas desde 1933. Na essência eles são apenas um recorte de uma nação que se submeteu inteiro, ou quase, a um bando de celerados.
Diabos! A nona sinfonia de Bruckner está entre as minhas prediletas. Mas, era também a predileta de Adolfo Hitler. Nazistas ou não, não posso deixar de dizer que este grupo de artistas que fizeram o Festival de Bayreuth, em 1953, chegou quase à perfeição musical. 
Wagner: polêmico e personalista
O ideário nazista me provoca náuseas, repulsa, mas, não posso negar que considero o Lamento de Wotan, da Valquíria, uma das peças mais impressionantes que eu já ouvi. Tanto dramática quanto musicalmente. Ver um deus poderoso como Wotan impotente, constrangido, obrigado a punir a filha querida, Brunhilde, reduzindo-a a condição de mortal, colocando-a adormecida sobre uma pedra e condenando-a a servir a qualquer mortal que a despertasse.
Wotan se submete aos desígnios de sua mulher Erda. E cede ao apelo derradeiro da filha quando a cerca de fogo e proclama que só o herói entre os heróis poderia despertá-la. O som da trompa proclama o tema do herói Siegfried e o deus todo-poderoso pressente que sua existência, como a de seus pares, inicia a decadência que vai destruí-los.
É claro que Wagner não tinha a menor idéia do que aconteceria na Alemanha no século XX. Muito menos que o seu ordenamento mitológico-teatral pudesse ter o tratamento político-propagandista que o regime nazista lhe emprestou.
A obra de Bruckner, redescoberta pela indústria fonográfica nos anos 70, até porque sinfônica, não padeceu tanto quanto a de seu mestre Richard Wagner. Até porque, não seria a preferência que o marechal Goering tinha por vinhos pinot noir da região da Borgonha, por exemplo, que condenaria ou taxaria líquidos tão preciosos a simples redução de que se tratam de vinhos nazistas. Por favor, não!
O problema de Wagner é que ele mexe com o imaginário. É teatral. Seus personagens se incorporam. Os deuses realmente negociam com os nibelungos o ouro do Reno. O Wahalla é construído pelos gigantes. Siegfried forja a espada. Liberta Brunhilde. Se deixa seduzir pelos vassalos de Hagen e é morto por ele. As chamas da sua pira fúnebre incendiam a morada dos deuses e Brunhilde se lança sobre elas. A saga termina com as ninfas animadas com uma grande inundação recolhendo o anel cunhado com o ouro roubado.
Cada um destes lances foi massacrantemente utilizado pela propaganda nazista. Ora, em maio de 1945 até chucrute era abjeto. Os alemães, entretanto, se agarraram naquilo que mais prezavam e defenderam seus valores com unhas e dentes, mesmo estando justificadamente humilhados: o trabalho, a cultura, incluindo Wagner e Bruckner, e até o futebol. Ficaram divididos por quase 50 anos, mas se ergueram novamente.

   
          

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O grotesco imponderável

Jack Nicholson: um interprete constante do grotesco
Curioso como a humanidade se reconforta e, às vezes, até se identifica com a figura do homem e da mulher grotesca, ou que resultam em episódios inóspitos e insólitos. Exemplos, alguns notáveis, revelam não só seu caráter romântico como inusitado.
O mais famoso de todos, sem dúvida, é o Quasimodo de Victor Hugo, o célebre Corcunda de Notre Dame, que já virou até desenho animado. Mas, há ainda o genial Cyrano de Bergerac, ou um personagem real e genial como Toulose-Lautrec, recusado pelo pai e até pelas prostitutas de Paris.
Na ópera os personagens grotescos ganham força e exigem de seus interpretes um esforço dramático imenso, que quando bem sucedido revertem a característica e acabam conquistando respeito ou simpatia. Em Verdi é possível identificar tipos como o bufão corcunda de Rigoletto, ou o conde de Luna, que enforcou o irmão em Il Trovatore.
Em William Shakespeare, estes personagens são abundantes. Ricardo III em busca de um cavalo ou o genialíssimo Lord Falstaff, de As Alegres Comadres de Windsor, são exemplos perfeitos.
Nosferatu do Murnau: um grotesco genialissimo
No cinema o grotesco é uma presença sempre constante e uma marca registrada do cinema até o advento da fala, em 1928. Murnau, por exemplo, com Nosferatu, ou Fritz Lang com o Vampiro de Dusseldorf. No cinema falado é digno de registro a galeria de vilões dos spaghetti-western de Leone, ou o taxi-driver de Martin Scorsese, ou ainda a fantástica interpretação de James Mason, na Lolita de Stanley Kubrick. E, certamente ninguém vive um grotesco tão bem quanto Jack Nicholson.
Quem viu Bravura Indômita dos Irmãos Cohen certamente ficou impressionado com a interpretação que Jeff Bridges deu a um delegado federal corrupto, bêbado e decadente. Mais grotesco impossível.
Não é difícil imaginar que há um grotesco no interior de cada ser humano. Ninguém escapa disso. Aliás, diria que quanto mais genial, mais afloram as contradições. É aquela história da realidade que destrói o mito.
Ou do importante e vetusto jornalista que um dia bateu as portas da amante com uma mala na mão, dizendo que depois de 16 anos de vida dupla decidira abandonar a velha esposa.
A amante bateu a porta aos gritos de “assim não quero!”.
Lembro-me de ter vivido pelo menos uma história absolutamente insólita. No velho Diário Popular da rua do Carmo, uma noite descemos todos para o Sans Souci, o bar da esquina, para beber. Não me lembro se havia uma razão para isso, mas juntamos as diversas gerações que compunham aquela redação e todos enfrentamos a madrugada completamente bêbados.
William, nosso decano, estava de tal forma embriagado que não sabia dizer onde morava. Nosso editor chefe, Romano, com a língua enrolada, assegurou que sabia o endereço. E lá fomos nós.
Chegamos a um pequeno sobrado geminado no bairro do Pari. Eram quatro da manhã. Batemos na porta, com William desacordado, apoiado entre o meu ombro e do grande repórter fotográfico Zé Ribeiro. Uma luz se acende e surge uma criatura, com bobes na cabeça, com um roupão que a abrigava do ar frio e cortante.
A cena era surpreendente e se tornaria grotesca com a mulher gritando como louca. Ninguém entendia nada. O bairro inteiro acordou.
William havia abandonado aquela casa e aquela mulher há 20 anos.
Foi o grotesco imponderável!


    
  

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Las torturas que sufría Sarmiento

Texto de leitura sugerido pelo meu fratello João Bittar. Vale a pena, extraído da revista N.

 

Podía ser potente, fascinante, pero nunca, según Gonzalo Garcés, un escritor agradable. Toda la obra de este autor está agitada por su necesidad de persuadir. Y especula que, tal vez, sentía una oculta atracción por la barbarie que denostaba.

POR Gonzalo Garces

 
Charlie Feiling escribió en algún lado que no les creía a quienes dicen preferir el Facundo antes que Una excursión a los indios ranqueles. A mí tampoco es que me entusiasme Mansilla, pero tiendo a darle la razón. Sarmiento no es un escritor agradable. Es fascinante, es potente, pero no es agradable. Es un escritor al que vuelve pesado no tanto la indignación constante, aunque eso también, sino sobre todo la arenga constante. Nunca hay nada íntimo en Sarmiento, todo está agitado por la necesidad de persuadir. Que esto suceda con sus panfletos políticos, con el Facundo o con Memoria sobre educación común, no tiene nada de raro. Lo que pasa es que uno siente, de libro en libro, que toda la personalidad de Sarmiento parece definida y limitada por esa fiebre de persuadir. Cuando habla de su infancia o de su madre, en Recuerdos de provincia, es todavía más tribunalicio que cuando fulmina a los Reinafé o despotrica contra el paisaje de La Rioja en el Facundo. A veces esa vehemencia es incoherente, como cuando defiende los derechos de Chile sobre la Patagonia, para después exhortar a José Manuel Balmaceda a renunciar a esos mismos derechos a favor de la Argentina, por no decir nada de la tristemente célebre recomendación de exterminar a los aborígenes “sin ni siquiera perdonar al pequeño, que tiene ya el odio instintivo al hombre civilizado” o los arranques antisemitas en “Condición del extranjero en América”.

No hablo de la acción del Sarmiento político, de su presidencia reconocidamente contradictoria, ni del uso que la izquierda y la derecha hicieron de su figura según soplaran los vientos. Me interesa la mecánica de la mente de Sarmiento, y la influencia, creo que involuntaria, que tuvo en la literatura argentina.


Sarmiento bárbaro


Es notorio, en este sentido, que hay algo torturado en Sarmiento, y que ese torrente de palabras a veces brillante, a veces innoble, muchas veces penosamente vulgar, parece hecho para ahogar o esconder algo. Casi desde el principio se especuló que a Sarmiento oscuramente lo atraía la barbarie que denostaba. “Un Facundo que agarró pa’ los libros”, lo llamó Jauretche. Se podría abundar en esa idea. El odio contra sí mismo, la violencia verbal contra los propios impulsos que en Facundo están enaltecidos por la dicotomía entre civilización y barbarie, se vuelven patológicos en una obra lateral como El general Fray Félix Aldao. A primera vista, es lo más parecido a una novela que escribió Sarmiento; el hecho de que no llegue a serlo, los derrapes que terminan por convertirla en un brulote y un intento fallido de exorcismo, dicen mucho sobre su autor. Es evidente que Sarmiento se proponía escribir una especie de tragedia griega, pero la verdadera tragedia está agazapada en la forma de ese libro. Empieza como una novela de Stendhal o Balzac, con una fecha y la descripción de un paisaje; estamos en 1917, en el camino de Uspallata, y la hora es la tarde. En ese escenario, de acuerdo con las convenciones narrativas del siglo XIX, va a ocurrir algo al mismo tiempo singular, representativo y premonitorio. Se inicia una escaramuza entre el ejército patrio y un destacamento español; en la maraña se percibe “una figura extraña vestida de blanco, semejante a un fantasma”, que descarga sablazos para todos lados. Es el capellán, Félix Aldao, que se tentó con el fragor de la batalla y no quiso quedar afuera. Al verlo con el escapulario manchado de sangre, el coronel Las Heras trata de ponerlo en su lugar: “Padre, a cada uno su oficio: a su paternidad el breviario, a nosotros la espada.”


En este punto Sarmiento realmente pasa de la historia a la ficción: anota que el reproche “hizo una súbita impresión en el irascible capellán”, que en adelante entra en rebelión contra su destino de sacerdote, sin lograr nunca que deje de acosarlo. Por supuesto, nadie podía saber qué impresión hicieron las palabras de Las Heras en el Aldao histórico: pero el tema de la profesión renegada, del hombre que estaba llamado a ser una cosa y en cambio es otra, y la idea de un vínculo secreto entre la violencia desquiciada del personaje y aquella apostasía recorre todo el libro. Aldao es cruento porque así lo manda su sangre, pero es mucho más cruento porque no puede olvidar, ni lo dejan olvidar, que su destino era otro. No es muy difícil entrever la identificación de Sarmiento con su personaje, al hombre que debía dedicarse a las cosas del espíritu y que acaba dedicado a la guerra, como reflejo del hombre de letras que termina dedicado a la política; lo notable es cómo, a medida que la identificación se hace más patente, la novela se hace más febril, la narración misma más loca. Sarmiento, que dejó embarazada a una alumna y tuvo una hija natural de la que, hasta donde sabemos, nunca se ocupó demasiado, se indigna porque Aldao tuvo dos hijos con La Limeña sin estar casado con ella y lanza este anatema: “¡Muy desgraciado debe ser el pueblo condenado a soportar esta subversión de toda moral, este escándalo elevado al poder bajo las formas más repugnantes; un fraile apóstata, mujeres impúdicas, hijos sacrílegos!”


Una mala novela


Lo que hace de El general Félix Aldao una mala novela es que el personaje, en vez de volverse más complejo a medida que avanza la narración, como Julien Sorel, se va simplificando; lo que se anuncia como un destino excepcional termina reducido a un producto casi mecánico de la tierra y el clima. Es típico de Sarmiento –sucede notoriamente en el Facundo– que del anatema contra el personaje pase a su reducción a epifenómeno y de ahí a la condena en bloque de las estructuras políticas que todavía no se llamaban República Argentina. “Cualquiera de estos gobernadores que mostrase capacidad, interés por el bien público, espíritu organizador, deseo de moverse y obrar, no la había de penar muy lejos... La barbarie de las masas elevó al Dictador, y la pobreza y la ignorancia de las provincias lo sostienen.” Sarmiento no puede contentarse con fustigar a su doble, tiene que aniquilarlo como individuo, y para mejor hacerlo tiene que aniquilar simbólicamente al país que lo produjo.


Amargura y desesperanza


De ahí el carácter desmoralizador de toda su obra. Se pueden discutir los juicios de Sarmiento sobre Quiroga y Rosas, se puede leerlo como hijo bastardo de la Ilustración, se puede compararlo con Emerson o con Thiers –el único francés, dijo Sarmiento, que escuchó de verdad lo que él tenía para decir–, se puede hasta sostener la vigencia de sus dicotomías, pero la lectura de un libro como Facundo, en contra de su propósito manifiesto, más bien deja la impresión de que hay poco que esperar del país del que habla, y quizá nada que valga la pena salvar. El atractivo psicológico de la democracia liberal radica en la implícita exaltación de la singularidad preciosa de cada vida; una noción que Sarmiento, en su literatura, no deja nunca de combatir con todos los medios a su disposición. La insistencia en la influencia determinante de la tierra, la reducción de cada personaje a un arquetipo, es una forma de autoflagelación, de humillación de un yo demasiado inmanejable. Tuvo descendencia; si algo recorre a toda la literatura argentina, desde Leopoldo Lugones hasta César Aira, y sin excluir a Jorge Luis Borges, es esa forma de ascesis que consiste en registrar las constantes en detrimento de las excepciones, y esa forma de pudor que consiste en subordinar sin piedad lo íntimo a la Historia.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Um silêncio ensurdecedor

Schanberg em ação no Camboja: relato das trapalhadas americanas para o NY Times
Muito apropriadamente o TCM está exibindo o clássico Gritos do Silêncio, a incrível história de Sydney Schanberg e Dith Pran, em meio a revolução do Khmer Vermelho no Camboja, no final dos anos 70. A história é rigorosamente verdadeira. E assustadora. O filme é bem feito e, com um ou outro acento exagerado, retrata muito bem a aventura destes dois jornalistas.
Schanberg é um chato. Aliás, o filme mostra isso. Mas, revela uma coragem impressionante. É dele a denúncia de que os americanos fizeram uma patetada no Cambodja, uma extensão do que o presidente Ford fazia no Vietnam. E é dele também a constatação de que o governo de Pnom Phen seria entregue a Polpot, um lunático, sanguinário, que lavou o país de sangue e matou mais de dois milhões de pessoas.
Dith Pran: fuga pela Tailândia
Estas histórias do tempo da Guerra Fria podem parecer malucas nos dias de hoje. Ainda outro dia, um ex-aluno, muito querido, me dizia que tinha visto um grande filme de ficção chamado Apocalipse Now. Tive severas dificuldades para dizer a ele que o mais importante trabalho de Francis Ford Coppola era realista.
- Não é possível que os americanos tenham feito tanta besteira.
Pois fizeram. E muita.
O Vietnam é uma marca muito funda na minha geração. Uma guerra sem explicação. Verdadeira carnificina. Matou milhões e milhões de jovens, dos dois lados. Para quem quiser valer-se do cinema para tentar entender esta grande confusão sugiro: Sob a névoa da Guerra; Apocalipse Now; Um Americano Tranqüilo e Nascido para Matar. Todos estão disponíveis nas melhores locadoras, livrarias, etc...
Mas, voltando ao Schanberg, fico me perguntando onde foi parar aquele jornalismo engajado, sem limite. O doido ficou no Camboja mesmo com o Khmer nas ruas, quase matou seu parceiro Dith Pran ( que fugiu a pé para a Tailândia, foi preso, etc...), tudo isso para, como ele disse, informar ao leitor americano o que o seu pais tinha feito de merda no Sudeste da Ásia.
Para quem não sabe, Schanberg foi correspondente e enviado especial do New York Times no Sudeste da Ásia.    

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Estes moços, pobres moços……


No passado já foi tratada como doença. Mental, é claro. Afinal, uma paixão é capaz de provocar loucuras. Isso sem se falar nos sintomas: mãos aflitas, palpitações, angústia. Há casos radicais que geram neurastenia, obsessão e perda completa de lucidez.
Como doença, era mais freqüente em jovens de até 30 anos. E poderia servir de inspiração. O grande compositor francês Hector Berlioz, por exemplo, puxou um trem de merda por uma atriz inglesa, Henrietta Cristianne Smithson, quase destruiu a vida de meia dúzia de pessoas, até que conseguiu saciar sua paixão.
Hector Berlioz: uma sinfonia por uma paixão
Saciar em termos. Quando foi viver com ela, passou a padecer de ciúmes doentios, alucinações e toda a sorte de variações mentais. Aliás, esta viagem de Berlioz está maravilhosamente bem descrita em sua Sinfonia Fantástica, uma obra rigorosamente fora do tempo, primeira metade do século XIX, e que chega a descrever visões de um poeta drogado, obcecado pela visão da amada. Há várias versões disponíveis no mercado fonográfico, as minhas prediletas são as versões de Igor Markevitch, Leopoldo Stokowsky e, claro, sir Thomas Beecham.
Mesmo na história do Brasil, marcada por tantas controvérsias e atos de vilania, certamente são poucos os registros de uma paixão tão grande quanto a do ouvidor da corte Thomas Antonio Gonzaga e a jovem Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, nos tempos da Inconfidência Mineira.
Maria Dorotéia: viagem pelo seu amor
Gonzaga era um jovem forte no seu idealismo revolucionário e conseguiu a proeza de conciliar o sonho volteriano da república laica com a figura nobre de Maria Dorotéia, tudo isso na Vila Rica do século XVIII. Além do extraordinário livro Marília de Dirceu, publicado em Lisboa em 1792, quando o poeta viajava para o exílio em Moçambique, pouca gente sabe que enquanto esperava afinal o anúncio da derrama pelo Visconde de Barbacena – anúncio que, aliás, não houve – Thomas tecia ele mesmo o véu de sua noiva.
Há poucos registros do exílio dos inconfidentes, mas outro dia lendo um livro psicografado cuja autoria se atribui ao próprio Thomas, fiquei perplexo com a informação que Maria Dorotéia, então prometida a um capitão do exército colonial, tomou um navio no Rio de Janeiro e se mandou para Angola, onde afinal encontrou o poeta. Para encontrá-la em Luanda, o ex-inconfidente empreendeu uma terrível viagem por terra desde Maputo onde trabalhava como guarda-livros de um senhor escravagista (que ironia!) com a filha de quem acabaria casando.
Se é verdade ou não, pouco importa. Mas, que é uma conclusão perfeita para uma paixão impossível, não resta dúvida, não é mesmo?
Outro caso de paixão doentia, esta mais recente, envolve o filho de um grande amigo meu, já falecido, de nome Giovani, um italianão simpático, de mais de dois metros de altura, que se apaixonou perdidamente por uma nissei mignon e mirrada. Como os pais dela voltaram para o Japão, ele arrumou uma passagem da Varig e foi atrás do grande amor de sua vida, com a roupa do corpo, sem falar uma única palavra em japonês.
Batizado de Azuma Kazê ( O Vento do Leste), Giovani tornou-se campeã mundial de sumo. E é claro, casou-se com a japonesinha com quem vive até hoje em Tóquio.

Euclydes e Anna: triângulo trágico 
A história, entretanto, nem sempre registra finais felizes, como o de Giovani, ou resignados como o de Thomas e Maria Dorotéia. O célebre triângulo amoroso que envolveu Euclydes da Cunha, Anna e Dilermando de Assis já deu até mini-série de televisão e acabou na célebre tragédia da Piedade. Impressionante o que a paixão fez com estes três personagens. Anna teve dois filhos de Dilermando. Um morreu e o outro foi criado por Euclydes como o pé de milho em meio ao cafezal, nas palavras do próprio autor de Os Sertões.
A paixão de Euclydes por Anna era tão grande que ele tolerou a vida a três. Até que se deixou levar por uma questão boçal de honra, desafiou Dilermando para um duelo e morreu. Anna casou-se com Dilermando, que também acabaria por matar, em duelo, o enteado, filho de Anna e Euclydes.
Mas, nem sempre as paixões são tão trágicas ou dramáticas. Para contar esta história preciso lançar mão de nomes fictícios. Johann era editor da Folha, um dos mais respeitados do país. Era tão teutônico que inventara um termômetro apenas para medir a temperatura da sua Faixa Azul, aquela cerveja antiga da Companhia Antártica.   
Johann jamais estava despenteado, sua gravata nunca estava torta, ou sua camisa amassada. Até que um dia irrompe pela redação da Folha uma menina dentuça, 10 anos mais nova que ele, no melhor estilo poncho e conga, recém chegada da Rive Gauche, em Paris.
O alemão perdeu a linha completamente. Os aros negros e as lentes sempre brilhantes de seus óculos ficaram desalinhados e embaçadas, respectivamente. A gravata ficou perdida em algum lugar entre a redação e a garagem. Johann gaguejava. Foi o acontecimento do ano. Não se falava em outro assunto.
Alguns dias depois soubemos que se tratava de uma paixão antiga, fruto de um período de cobertura no Clube de Paris, cujo fogo não se expirara ou reacendera naquela entrada triunfal.
Tristão e Isolda: vingança que virou paixão
Curioso é que a doença da paixão existe desde tempos imemoriais. Tristão e Isolda, uma das minhas histórias preferidas, consagrada em ópera de Richard Wagner, a preferida da presidenta Dilma, conta, por exemplo, que levada prisioneira em um barco depois de ver a morte do marido em duelo, Isolda pediu a sua aia que preparasse um veneno para sua vingança contra Tristão.
A aia cansada de tragédia e fascinada pela beleza do matador Tristão, ao invés de um veneno preparou uma poção de paixão. O amor dos dois abalou até os reinos envolvidos. É uma história empolgante.
Mais antiga ainda, uma das preferidas da minha filha Nina, é a paixão despertada em Paris por Helena, devidamente preparada por Afrodite, vencedora na comparação com Atena. Gerou uma guerra de mais de 10 anos, até entre os deuses.
Estar apaixonado pode provocar conseqüências insanas e incomensuráveis. Tragédias tremendas. Muitas vezes desnecessárias e superficiais. Os personagens muitas vezes não se dão conta do ridículo papel que desempenham. Não tem noção do tempo, nem do bom senso. Mas, é do temperamento humano. Do jeito de ser de cada um. Aos veteranos e aos experientes cabe repetir o verso de Lupicínio Rodrigues. Quase uma advertência: “Estes moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei”.      
  
      






domingo, 6 de fevereiro de 2011

Villa-Lobos o som do Brasil no século XX

Heitor Villa-Lobos: o maior músico brasileiro de todos os tempos

Uma amiga muito querida me avisa por e-mail que se apaixonou pela música de Heitor Villa-Lobos. Em suas manhãs reflexivas e relaxativas no parque construído em homenagem ao grande, se não o maior, músico brasileiro de todos os tempos, ela passou a ouvir o som inquietante e melancólico de suas composições.
Decidi então nesta manhã de domingo não só ouvir um pouco do que Villa deixou para a nacionalidade e refletir um pouco sobre ele. Para início de conversa, vamos combinar que o filme de Zelito Vianna sobre o compositor é um equívoco total e deve ficar no local apropriado, o esquecimento.
 Vamos também admitir de cara que Villa era auto-didata. Sua parca formação musical nem de longe explica o gigantismo de sua obra. Mas, a sua sensibilidade e a capacidade de aprender com o cancioneiro popular, com o folclore, com a brasilidade que despontava nos anos 20, são únicas.
Villa era irreverente, macunaímico e indisciplinado. Mas, teve o peito de escrever uma série de nove composições valendo-se da técnica de composição de ninguém menos do que João Sebastião Bach. E se usou a forma do grande gênio alemão, variou na temática, na orquestração e na apresentação. São nove. Uma completamente diferente da outra. Todas brasileiríssimas.
É como se Bach pudesse ter vivido no século XX, no Brasil, estudado a música brasileira e se expressado por um músico brasileiro. Convenhamos, não é pouco!
Villa tinha obsessão pelo canto coral. Adorava compor para coros imensos que ele chamava de “corão”. Na sua orquestração deu grande destaque a instrumentos pouco usuais como solistas: o trombone e o saxofone. Compôs para piano, violão, violoncelo. Uma de suas bachianas, a sexta, foi escrita originalmente para flauta e fagote. Escreveu para bandas, até de coretos, para coros a capela e uma infinidade de arranjos rigorosamente diferentes.
Registro histórico: principais obras em CD
Escreveu missas, óperas, oratórios e até música incidental para o cinema (Prokofiev e Shostakovitch também fizeram isso com Eisenstein). Villa não era um grande regente. Aliás, não gostava de ensaiar. Mas, isso não tem grande importância. Ainda assim, vale a pena ouvir o registro que ele fez para a EMI francesa entre 1954 e 1957 das suas principais obras, entre elas as nove bachianas (com Victoria de Los Angeles como solista na quinta), o Momo Precoce (com Madalena Tagliaferro ao piano), o oratório do Descobrimento do Brasil e os Choros 2,5,10 e 11, além do concerto número 5 e a sinfonia número 4.
Fernando Haddad, o atual ministro da Educação, a quem tenho o orgulho de assessorar, professor universitário que leu e escreveu mais do que um livro em sua vida, tem entre seus projetos a edição das obras completas de Villa e seu registro em gravações. Chegou a convidar a minha amiga maestrina Ligia Amadio, na época regente titular da Orquestra Sinfônica Nacional, para coordenar o projeto.
Trata-se, entretanto, de um trabalho hercúleo. Pode-se dizer que mais da metade da obra composta por Villa está perdida. A que foi impressa está sempre envolvida em questões de direitos autorais e no conflito entre as famílias herdeiras, da sua primeira e da sua segunda esposa.
Há um monumento ao maestro Villa-Lobos na frente da sede do Ministério da Educação em Brasília. Ele parece estar sempre nos cobrando que seus ideais permanecem insepultos. 
Villa queria que a música estivesse presente no curriculum escolar de todas as crianças. Trabalhou muito nisso com o presidente Getúlio Vargas. Eu mesmo cheguei a frequentar classes de Canto Orfeônico no Grupo Escolar, um resquício de seu projeto.
A obrigatoriedade do ensino musical no curriculum da escola pública é uma grande idéia. Mas, enfrenta um grande problema. Onde estão os professores para ensinar em mais de 60 mil escolas do ensino fundamental?
Uma boa iniciativa seria certificar os músicos auto-didatas como professores. Seria um começo. Ao que me consta o próprio Villa não tinha certificação de nada. E isso não impediu que o mitológico maestro Leopold Stokowsky se referisse a ele como um dos maiores compositores do século XX.
Controvérsias a parte, isso ninguém pode negar. O azar de Villa, como diria o grande Richard Francis Burton, é que ele nasceu no lado errado do planeta. 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Jornalismo e estrelismo

Insurreição no Cairo: cobertura para experientes jornalistas de trincheira
Há tempos que eu queria falar sobre esse assunto. Talvez seja sinal dos tempos, o que eu não acredito. Talvez seja alguma coisa inerente à própria profissão de jornalista. Mais precisamente de repórter. Certo mesmo é que quando aquele que tem que contar a história fica maior que a história propriamente dita, a vaca foi pro brejo!
O feito de Peter Arnett e de Bernie Shaw, na antiga CNN de Ted Turner, no Iraque, só deu luz aos seus autores depois que o bombardeio americano foi mostrado para o mundo todo. William Waack antes de se tornar um rosto chato na televisão brasileiro já foi um grande repórter. Certa vez ele entrou na Polônia ocupada pelo exército soviético em uma ambulância da Cruz Vermelha. E foi para Gdanski onde um certo Lech Walesa incomodava como nunca o stablishment de Moscou.
William e Hélio Campos Mello também comeram o pão que o diabo amassou no Iraque, na segunda invasão americana. Mário Chimanovitch estava em uma trincheira na guerra civil do Líbano. Clóvis Rossi, José Meirelles Passos, Caco Barcellos, o italiano Pino Cimo...
Este patrício então empreendeu uma aventura de arrepiar os cabelos. Certa vez ele imprimiu uma réplica perfeita do jornal Estrela Vermelha (porta-voz oficial do exército soviético) com a manchete: Russos fora do Afegão! Pegou um avião em Roma para Cabul com um pacote, distribuiu o jornal e ficou registrando a reação das pessoas.
Posso estar esquecido, mas nenhum deles virou celebridade. Deu entrevistas, superou a própria notícia.
Em Manágua, nos estertores do regime sandinista, logo após a morte do jornalista americano, assassinado pela guarda nacional, o presidente Anastásio Somoza mandou avisar aos jornalistas que não garantia a integridade de ninguém. Foi um tumulto tremendo naquele hotel Intercontinental. Todo mundo querendo se mandar para a Costa Rica. Alguns poucos ficaram, o Caco entre eles, afinal, desde quando Somoza garantiu a integridade de alguém?
Bagda bombardeada: o feito de Arnett e Bernie Shaw
Ser jornalista no Oriente Médio exige experiência, vivência, coragem. Descer no Cairo e imaginar que às portas do avião estariam perfilados seguidores e oposicionistas de Mubarak, em lados opostos. Ou que no meio daquela confusão alguém ia prestar atenção a carteirinha da FENAJ é de uma ingenuidade que beira à loucura.
Durante a Guerra das Malvinas, o estado-maior argentino decidiu tirar os jornalistas do chamado Teatro de Operações (a Patagônia). Quando eu estava a caminho do último avião da Aerolíneas Argentinas que me levaria a Buenos Aires, quem desce do avião? Francisco José, o conhecido, competente e respeitado repórter da TV Globo.
- Chico, você enlouqueceu?
- Nada. Eles vão ter que me tirar daqui à força.
Tiraram. Mas, prevaleceu a notícia que o Chico estava cobrindo, não a sua retirada intempestiva.
Rivadavia, meu compadre, conta a célebre história do repórter que estava em Santiago do Chile no meio do golpe contra o presidente Salvador Allende, em 1974.
Telefones cortados, a redação desesperada para falar com ele. Enfim, o caboclo liga.
- Ufa! A coisa tava feia lá.
- Como assim tava? Onde você está?
- Em Montevidéu, cara, eles tavam matando as pessoas.
Outra famosa aconteceu em um célebre tumulto durante greve dos metalúrgicos de São Paulo. Eu era chefe de reportagem da Folha e, enquanto acompanhávamos pelo rádio a intervenção da Polícia Militar, o pau quebrando, vidraças para todo lado na rua do Carmo, a repórter toda serelepe cheirando a perfume entra na redação.
- Menina que diabos você está fazendo aqui?
- Você não ia querer que eu ficasse no meio do quebra-quebra né?
Mas, a melhor história de todas foi de um foca na mesma Folha. Um grupo de escoteiros havia se perdido na Serra do Mar. A Polícia Militar acionou o salvamento aéreo, o diabo a quatro. Helicópteros, rastreadores por terra, aquele circo todo.
Mandei o foca para lá e acrescentei:
- Você só me volta aqui com os escoteiros perdidos!
Naquela noite, o Jornal Nacional mostrou a operação de resgate, os escoteiros salvos, etc... Mas, o foca não voltou para a redação.
Quando deu 22 horas, mandei uma outra equipe para resgatar o foca. A criatura havia se embrenhado na Mata Atlântica, crente que ele mesmo resgataria os escoteiros. Foi encontrado três dias depois.
Muita gente pode achar que ser jornalista é falar ou escrever uma meia dúzia de bobagens. Transcrever uns releases, ouvir uns deputados, etc... Colocar um rosto bonitinho na tela, desfilar algum charme. Isso pode funcionar no BBB. No mundo real, costuma dar merda.

  

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O dia que um florentino conquistou o Atlântico


Visão do Mar de Dentro: por odne Vespúcio navegou ileso com duas caravelas
A carta de Pero Vaz de Caminha não provocou grande repercussão ao chegar na corte do endividado  D.Sebastião, chamado o Venturoso, quando deveria ter sido chamado de o perdulário. Com efeito, todas as esperanças do império naquela época estavam colocadas na expedição de Pedro Alvares Cabral, que substituíra o desacreditado Vasco da Gama, com a missão de resgatar a rota marítima para as Índias, via África do Sul. Ainda que o pretensioso almirante jamais houvesse comandado sequer um bote a remo.
Com a notável missiva cabralina, D.Sebastião conseguiu convencer um nobre de sua corte, Fernão de Logrones a financiar parte de uma nova expedição, esta sim descobridora, para conferir o achamento de Cabral. O resto do dinheiro ele conseguiu com os mesmos banqueiros florentinos para quem já devia o equivalente ao Tejo, que, por sua vez, cansados dos fracassos exigiram indicar um profissional como piloto da frota. Ninguém menos do que o navegador Américo Vespúcio.
Esta exigência provocou claro mal estar em Lisboa. Vespúcio não era bem visto pela santa madre igreja, nem pelos portugueses, ainda que tenha sido mestre na Escola de Sagres e feito a cabeça de gente importante como Colombo, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, entre outros navegadores. Ele tinha a manha de ler as estrelas, manejava com maestria o sextante e conhecia como ninguém o movimento dos ventos e das marés.
Américo Vespúcio
A nova expedição, comandada por Gonçalo Coelho, zarpou no Tejo em julho de 1503. Na calada da noite, sem nenhum alarde, sem nenhuma fanfarra.  Vespúcio ia na capitânea e orientava uma navegação segura, sem percalços. Os portugueses ficaram ainda mais irritados quando o florentino com uma maestria invejável fez a manobra diante do litoral do Senegal, escapou das calmarias que haviam vitimado Cabral e colocou a proa da frota a Oeste.
É bem provável que a frota tenha chegado ao arquipélago de Fernando de Noronha em meados de agosto daquele ano. Era a segunda expedição de Vespúcio ao Atlântico Sul.  Ao divisar a ilha maior, Vespúcio orientou a navegação para o chamado Mar de Dentro, onde poderia aproveitar um movimento extraordinário de marés. O comandante da expedição achou que o limite de sua paciência tinha chegado ao fim.  Mandou que o florentino fosse colocado a ferros em um escaler e ordenou a abordagem pelo Mar de Fora, exatamente onde hoje está o morro do Francês. A nau principal se arrebentou nos corais, onde hoje existe o Buraco da Raquel, perto do Museu dos Tubarões.
Os marujos portugueses conseguiram, com muita dificuldade, reverter a navegação e evitar um desastre maior. O comandante pereceu junto com seu navio, no que pode ser considerado o primeiro naufrágio da história do arquipélago. Resgataram Vespúcio com um enorme pedido de desculpas e lhe entregaram o comando da expedição.
O florentino comandou as duas naves pelo Mar de Dentro e ancorou ao largo de onde hoje funciona o pequeno atracadouro da ilha maior. Ficaram pouco. Não havia água, nem alimentos. Fizeram alguns reparos nos navios e zarparam para o continente.
Vespúcio batizou o arquipélago de São Lourenço. Mas, em Portugal, o arquipélago ganhou o nome de Fernão de Logrones, mais tarde com a deformação da língua, Fernando de Noronha. Foi nesta expedição que o florentino chegou a Calhetas, em Pernambuco, descobriu a foz do rio São Francisco e reencontrou a Baía de Todos os Santos, na Bahia.
D. Manuel, o perdulário, jamais pagou a dívida aos banqueiros florentinos. Cabral fracassou em retomar a rota das Índias. Vasco da Gama foi perdoado e também fracassou na quarta expedição e morreu enlouquecido em Madagascar. Vespúcio emprestou seu nome a este novo continente descoberto por Colombo e o Brasil passou a ter um arquipélago oceânico, que já serviu até de prisão política. Mas, que certamente é muito parecido com o Paraíso que os navegadores acreditavam ter encontrado na República Dominicana.
O próprio Vespúcio em sua Lettera (Carta) descreve o arquipélago como o paraíso na terra. Em tempos de inquisição e de contas impagáveis, a exclamação do florentino não caiu muito bem em Lisboa.