segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O grotesco imponderável

Jack Nicholson: um interprete constante do grotesco
Curioso como a humanidade se reconforta e, às vezes, até se identifica com a figura do homem e da mulher grotesca, ou que resultam em episódios inóspitos e insólitos. Exemplos, alguns notáveis, revelam não só seu caráter romântico como inusitado.
O mais famoso de todos, sem dúvida, é o Quasimodo de Victor Hugo, o célebre Corcunda de Notre Dame, que já virou até desenho animado. Mas, há ainda o genial Cyrano de Bergerac, ou um personagem real e genial como Toulose-Lautrec, recusado pelo pai e até pelas prostitutas de Paris.
Na ópera os personagens grotescos ganham força e exigem de seus interpretes um esforço dramático imenso, que quando bem sucedido revertem a característica e acabam conquistando respeito ou simpatia. Em Verdi é possível identificar tipos como o bufão corcunda de Rigoletto, ou o conde de Luna, que enforcou o irmão em Il Trovatore.
Em William Shakespeare, estes personagens são abundantes. Ricardo III em busca de um cavalo ou o genialíssimo Lord Falstaff, de As Alegres Comadres de Windsor, são exemplos perfeitos.
Nosferatu do Murnau: um grotesco genialissimo
No cinema o grotesco é uma presença sempre constante e uma marca registrada do cinema até o advento da fala, em 1928. Murnau, por exemplo, com Nosferatu, ou Fritz Lang com o Vampiro de Dusseldorf. No cinema falado é digno de registro a galeria de vilões dos spaghetti-western de Leone, ou o taxi-driver de Martin Scorsese, ou ainda a fantástica interpretação de James Mason, na Lolita de Stanley Kubrick. E, certamente ninguém vive um grotesco tão bem quanto Jack Nicholson.
Quem viu Bravura Indômita dos Irmãos Cohen certamente ficou impressionado com a interpretação que Jeff Bridges deu a um delegado federal corrupto, bêbado e decadente. Mais grotesco impossível.
Não é difícil imaginar que há um grotesco no interior de cada ser humano. Ninguém escapa disso. Aliás, diria que quanto mais genial, mais afloram as contradições. É aquela história da realidade que destrói o mito.
Ou do importante e vetusto jornalista que um dia bateu as portas da amante com uma mala na mão, dizendo que depois de 16 anos de vida dupla decidira abandonar a velha esposa.
A amante bateu a porta aos gritos de “assim não quero!”.
Lembro-me de ter vivido pelo menos uma história absolutamente insólita. No velho Diário Popular da rua do Carmo, uma noite descemos todos para o Sans Souci, o bar da esquina, para beber. Não me lembro se havia uma razão para isso, mas juntamos as diversas gerações que compunham aquela redação e todos enfrentamos a madrugada completamente bêbados.
William, nosso decano, estava de tal forma embriagado que não sabia dizer onde morava. Nosso editor chefe, Romano, com a língua enrolada, assegurou que sabia o endereço. E lá fomos nós.
Chegamos a um pequeno sobrado geminado no bairro do Pari. Eram quatro da manhã. Batemos na porta, com William desacordado, apoiado entre o meu ombro e do grande repórter fotográfico Zé Ribeiro. Uma luz se acende e surge uma criatura, com bobes na cabeça, com um roupão que a abrigava do ar frio e cortante.
A cena era surpreendente e se tornaria grotesca com a mulher gritando como louca. Ninguém entendia nada. O bairro inteiro acordou.
William havia abandonado aquela casa e aquela mulher há 20 anos.
Foi o grotesco imponderável!


    
  

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