sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Jornalismo e estrelismo

Insurreição no Cairo: cobertura para experientes jornalistas de trincheira
Há tempos que eu queria falar sobre esse assunto. Talvez seja sinal dos tempos, o que eu não acredito. Talvez seja alguma coisa inerente à própria profissão de jornalista. Mais precisamente de repórter. Certo mesmo é que quando aquele que tem que contar a história fica maior que a história propriamente dita, a vaca foi pro brejo!
O feito de Peter Arnett e de Bernie Shaw, na antiga CNN de Ted Turner, no Iraque, só deu luz aos seus autores depois que o bombardeio americano foi mostrado para o mundo todo. William Waack antes de se tornar um rosto chato na televisão brasileiro já foi um grande repórter. Certa vez ele entrou na Polônia ocupada pelo exército soviético em uma ambulância da Cruz Vermelha. E foi para Gdanski onde um certo Lech Walesa incomodava como nunca o stablishment de Moscou.
William e Hélio Campos Mello também comeram o pão que o diabo amassou no Iraque, na segunda invasão americana. Mário Chimanovitch estava em uma trincheira na guerra civil do Líbano. Clóvis Rossi, José Meirelles Passos, Caco Barcellos, o italiano Pino Cimo...
Este patrício então empreendeu uma aventura de arrepiar os cabelos. Certa vez ele imprimiu uma réplica perfeita do jornal Estrela Vermelha (porta-voz oficial do exército soviético) com a manchete: Russos fora do Afegão! Pegou um avião em Roma para Cabul com um pacote, distribuiu o jornal e ficou registrando a reação das pessoas.
Posso estar esquecido, mas nenhum deles virou celebridade. Deu entrevistas, superou a própria notícia.
Em Manágua, nos estertores do regime sandinista, logo após a morte do jornalista americano, assassinado pela guarda nacional, o presidente Anastásio Somoza mandou avisar aos jornalistas que não garantia a integridade de ninguém. Foi um tumulto tremendo naquele hotel Intercontinental. Todo mundo querendo se mandar para a Costa Rica. Alguns poucos ficaram, o Caco entre eles, afinal, desde quando Somoza garantiu a integridade de alguém?
Bagda bombardeada: o feito de Arnett e Bernie Shaw
Ser jornalista no Oriente Médio exige experiência, vivência, coragem. Descer no Cairo e imaginar que às portas do avião estariam perfilados seguidores e oposicionistas de Mubarak, em lados opostos. Ou que no meio daquela confusão alguém ia prestar atenção a carteirinha da FENAJ é de uma ingenuidade que beira à loucura.
Durante a Guerra das Malvinas, o estado-maior argentino decidiu tirar os jornalistas do chamado Teatro de Operações (a Patagônia). Quando eu estava a caminho do último avião da Aerolíneas Argentinas que me levaria a Buenos Aires, quem desce do avião? Francisco José, o conhecido, competente e respeitado repórter da TV Globo.
- Chico, você enlouqueceu?
- Nada. Eles vão ter que me tirar daqui à força.
Tiraram. Mas, prevaleceu a notícia que o Chico estava cobrindo, não a sua retirada intempestiva.
Rivadavia, meu compadre, conta a célebre história do repórter que estava em Santiago do Chile no meio do golpe contra o presidente Salvador Allende, em 1974.
Telefones cortados, a redação desesperada para falar com ele. Enfim, o caboclo liga.
- Ufa! A coisa tava feia lá.
- Como assim tava? Onde você está?
- Em Montevidéu, cara, eles tavam matando as pessoas.
Outra famosa aconteceu em um célebre tumulto durante greve dos metalúrgicos de São Paulo. Eu era chefe de reportagem da Folha e, enquanto acompanhávamos pelo rádio a intervenção da Polícia Militar, o pau quebrando, vidraças para todo lado na rua do Carmo, a repórter toda serelepe cheirando a perfume entra na redação.
- Menina que diabos você está fazendo aqui?
- Você não ia querer que eu ficasse no meio do quebra-quebra né?
Mas, a melhor história de todas foi de um foca na mesma Folha. Um grupo de escoteiros havia se perdido na Serra do Mar. A Polícia Militar acionou o salvamento aéreo, o diabo a quatro. Helicópteros, rastreadores por terra, aquele circo todo.
Mandei o foca para lá e acrescentei:
- Você só me volta aqui com os escoteiros perdidos!
Naquela noite, o Jornal Nacional mostrou a operação de resgate, os escoteiros salvos, etc... Mas, o foca não voltou para a redação.
Quando deu 22 horas, mandei uma outra equipe para resgatar o foca. A criatura havia se embrenhado na Mata Atlântica, crente que ele mesmo resgataria os escoteiros. Foi encontrado três dias depois.
Muita gente pode achar que ser jornalista é falar ou escrever uma meia dúzia de bobagens. Transcrever uns releases, ouvir uns deputados, etc... Colocar um rosto bonitinho na tela, desfilar algum charme. Isso pode funcionar no BBB. No mundo real, costuma dar merda.

  

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