sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Estes moços, pobres moços……


No passado já foi tratada como doença. Mental, é claro. Afinal, uma paixão é capaz de provocar loucuras. Isso sem se falar nos sintomas: mãos aflitas, palpitações, angústia. Há casos radicais que geram neurastenia, obsessão e perda completa de lucidez.
Como doença, era mais freqüente em jovens de até 30 anos. E poderia servir de inspiração. O grande compositor francês Hector Berlioz, por exemplo, puxou um trem de merda por uma atriz inglesa, Henrietta Cristianne Smithson, quase destruiu a vida de meia dúzia de pessoas, até que conseguiu saciar sua paixão.
Hector Berlioz: uma sinfonia por uma paixão
Saciar em termos. Quando foi viver com ela, passou a padecer de ciúmes doentios, alucinações e toda a sorte de variações mentais. Aliás, esta viagem de Berlioz está maravilhosamente bem descrita em sua Sinfonia Fantástica, uma obra rigorosamente fora do tempo, primeira metade do século XIX, e que chega a descrever visões de um poeta drogado, obcecado pela visão da amada. Há várias versões disponíveis no mercado fonográfico, as minhas prediletas são as versões de Igor Markevitch, Leopoldo Stokowsky e, claro, sir Thomas Beecham.
Mesmo na história do Brasil, marcada por tantas controvérsias e atos de vilania, certamente são poucos os registros de uma paixão tão grande quanto a do ouvidor da corte Thomas Antonio Gonzaga e a jovem Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, nos tempos da Inconfidência Mineira.
Maria Dorotéia: viagem pelo seu amor
Gonzaga era um jovem forte no seu idealismo revolucionário e conseguiu a proeza de conciliar o sonho volteriano da república laica com a figura nobre de Maria Dorotéia, tudo isso na Vila Rica do século XVIII. Além do extraordinário livro Marília de Dirceu, publicado em Lisboa em 1792, quando o poeta viajava para o exílio em Moçambique, pouca gente sabe que enquanto esperava afinal o anúncio da derrama pelo Visconde de Barbacena – anúncio que, aliás, não houve – Thomas tecia ele mesmo o véu de sua noiva.
Há poucos registros do exílio dos inconfidentes, mas outro dia lendo um livro psicografado cuja autoria se atribui ao próprio Thomas, fiquei perplexo com a informação que Maria Dorotéia, então prometida a um capitão do exército colonial, tomou um navio no Rio de Janeiro e se mandou para Angola, onde afinal encontrou o poeta. Para encontrá-la em Luanda, o ex-inconfidente empreendeu uma terrível viagem por terra desde Maputo onde trabalhava como guarda-livros de um senhor escravagista (que ironia!) com a filha de quem acabaria casando.
Se é verdade ou não, pouco importa. Mas, que é uma conclusão perfeita para uma paixão impossível, não resta dúvida, não é mesmo?
Outro caso de paixão doentia, esta mais recente, envolve o filho de um grande amigo meu, já falecido, de nome Giovani, um italianão simpático, de mais de dois metros de altura, que se apaixonou perdidamente por uma nissei mignon e mirrada. Como os pais dela voltaram para o Japão, ele arrumou uma passagem da Varig e foi atrás do grande amor de sua vida, com a roupa do corpo, sem falar uma única palavra em japonês.
Batizado de Azuma Kazê ( O Vento do Leste), Giovani tornou-se campeã mundial de sumo. E é claro, casou-se com a japonesinha com quem vive até hoje em Tóquio.

Euclydes e Anna: triângulo trágico 
A história, entretanto, nem sempre registra finais felizes, como o de Giovani, ou resignados como o de Thomas e Maria Dorotéia. O célebre triângulo amoroso que envolveu Euclydes da Cunha, Anna e Dilermando de Assis já deu até mini-série de televisão e acabou na célebre tragédia da Piedade. Impressionante o que a paixão fez com estes três personagens. Anna teve dois filhos de Dilermando. Um morreu e o outro foi criado por Euclydes como o pé de milho em meio ao cafezal, nas palavras do próprio autor de Os Sertões.
A paixão de Euclydes por Anna era tão grande que ele tolerou a vida a três. Até que se deixou levar por uma questão boçal de honra, desafiou Dilermando para um duelo e morreu. Anna casou-se com Dilermando, que também acabaria por matar, em duelo, o enteado, filho de Anna e Euclydes.
Mas, nem sempre as paixões são tão trágicas ou dramáticas. Para contar esta história preciso lançar mão de nomes fictícios. Johann era editor da Folha, um dos mais respeitados do país. Era tão teutônico que inventara um termômetro apenas para medir a temperatura da sua Faixa Azul, aquela cerveja antiga da Companhia Antártica.   
Johann jamais estava despenteado, sua gravata nunca estava torta, ou sua camisa amassada. Até que um dia irrompe pela redação da Folha uma menina dentuça, 10 anos mais nova que ele, no melhor estilo poncho e conga, recém chegada da Rive Gauche, em Paris.
O alemão perdeu a linha completamente. Os aros negros e as lentes sempre brilhantes de seus óculos ficaram desalinhados e embaçadas, respectivamente. A gravata ficou perdida em algum lugar entre a redação e a garagem. Johann gaguejava. Foi o acontecimento do ano. Não se falava em outro assunto.
Alguns dias depois soubemos que se tratava de uma paixão antiga, fruto de um período de cobertura no Clube de Paris, cujo fogo não se expirara ou reacendera naquela entrada triunfal.
Tristão e Isolda: vingança que virou paixão
Curioso é que a doença da paixão existe desde tempos imemoriais. Tristão e Isolda, uma das minhas histórias preferidas, consagrada em ópera de Richard Wagner, a preferida da presidenta Dilma, conta, por exemplo, que levada prisioneira em um barco depois de ver a morte do marido em duelo, Isolda pediu a sua aia que preparasse um veneno para sua vingança contra Tristão.
A aia cansada de tragédia e fascinada pela beleza do matador Tristão, ao invés de um veneno preparou uma poção de paixão. O amor dos dois abalou até os reinos envolvidos. É uma história empolgante.
Mais antiga ainda, uma das preferidas da minha filha Nina, é a paixão despertada em Paris por Helena, devidamente preparada por Afrodite, vencedora na comparação com Atena. Gerou uma guerra de mais de 10 anos, até entre os deuses.
Estar apaixonado pode provocar conseqüências insanas e incomensuráveis. Tragédias tremendas. Muitas vezes desnecessárias e superficiais. Os personagens muitas vezes não se dão conta do ridículo papel que desempenham. Não tem noção do tempo, nem do bom senso. Mas, é do temperamento humano. Do jeito de ser de cada um. Aos veteranos e aos experientes cabe repetir o verso de Lupicínio Rodrigues. Quase uma advertência: “Estes moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei”.      
  
      






Um comentário:

  1. Nunzio,
    diz o nome do livro psicografado pelo Thomas. Fiquei curiosa... adorei o post. Beijo!

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