segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O paraíso no Atlântico

Visão do Paraíso: Assim que os navegadores definiram a nova ilha no século XVI
O arquipélago de Fernando de Noronha, 300 quilômetros para dentro do Oceano Atlântico a partir de Natal, 500 a partir de Recife, representa um destino marcado pelo conflito histórico, antigo e recente. Única ilha oceânica brasileira, ela encerra uma beleza natural impressionante e uma contradição premente.
Um exemplo disso é a Vila do Quixaba, hoje uma singela capela de Nossa Senhora, sei lá de que ou qual, e uma modesta construção. Este é um dos pontos mais emblemáticos da ilha, pois de lá se divisa a praia do Sancho e a baía dos Porcos, além da estonteante praia da Cacimba do Padre, paraíso de dez entre dez adeptos do surfe.
Quixaba: prisão e base antisubmarino
Mas, ali nos anos 30 havia uma série de construções caiadas, com telhado de palha, onde viviam 50 presos correcionais. Ou seja, o paraíso pode também ser o inferno. A vida destas pessoas, segregadas da família e desterradas da sociedade, começou a mudar quando os soldados norte-americanos desembarcaram por lá, em 1942.
Pois exatamente em Quixaba, montaram com a ajuda dos correcionais, uma bateria para monitorar o eventual movimento dos U-2, os temíveis submarinos alemães, que despencavam pelo Atlântico Sul com a missão de torpedear os navios aliados que abasteciam o front norte-africano.
Outra visão emblemática é do forte de Nossa Senhora dos Remédios, junto à vila homônima, onde o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, junto com outros líderes políticos, ficou preso por dois anos, incomunicável, logo após o golpe de 64.
Forte dos Remédios: prisão politica após o Golpe de 64
Aliás, os militares reinaram absolutos na ilha. Todos os seus habitantes eram considerados funcionários públicos, recebiam rancho, salário, apenas para atender os desígnios dos oficiais para lá destacados. Só eram proibidos de sair de lá. A não ser que caíssem em desgraça. E então eram embarcados para o continente sem nenhuma condescendência.
Hoje, Noronha é uma ilha ultra-bem cuidada. Só aceita 240 turistas. Há restaurantes excepcionais, destaque para a Pousada do Zé Maria, o Bistrô da Cacimba e o Ecológico. Maravilhoso o Museu dos Tubarões, que na verdade é um bar com alguma reminiscência sobre estes peixes vorazes.
A praia mais badalada é a praia do Sueste, no Mar de Fora, ao lado da espetacular praia do Leão, com suas duas correntes, disparado a praia mais bonita do mundo.  Serena a vista do Francês. Espetacular o azul do mar no Buraco da Raquel.
Não é o meu caso, mas para quem gosta de crepúsculos, vale a pena olhar a foto que a minha filha Nina tirou no Boldró, junto dos Dois Irmãos no Mar de Dentro.
Por do Sol no Dois Irmãos: o oceano imenso parece mais verde

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Despedida do meu amigo presidente da República

Como diria o grande Ibrahim Sued, sorry periferia, mas na foto acima ( reparem na Nina que realizou o sonho de conhecer o casal Lula e Marisa pessoalmente) parte da equipe do Ministério da Educação está se despedindo do MEU AMIGO Luiz Inácio Lula da Silva. 
E meu amigo há 33 anos, desde que um dia eu procurei por ele no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema para saber o que ele pretendia. Ainda me lembro da resposta dele: "Trabalhador não quer saber de política, quer saber de arroz e feijão".
Foram oito anos de aprendizado. Dele e de todos nós. Ao final, com certeza sabemos que o Brasil de hoje é muito melhor do que o Brasil de antes.
Mas, como ele mesmo disse, quando eu lhe disse obrigado pelo que voce fez pelos meus filhos e netos, a luta continua. 
Continua mesmo amigo!   

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Saudades de editor

Maués, terra do Guaraná, no Amazonas: castigo de repórter por mal criações
Um dos momentos mais marcantes da minha modesta carreira de repórter aconteceu em 1982, durante a Guerra das Malvinas. Aliás, uma epopéia. Naquele tempo, o Tão Gomes Pinto tinha o hábito de fechar a revista na madrugada de sexta-feira e depois tomava café com os repórteres em um coffee-shop de um hotel na avenida São Luiz.
Era uma delícia!  
Naquele outono frio argentino, depois de quase 45 dias longe de casa, foi uma delícia retirar a edição de IstoÉ na VARIG e ler a carta (o editorial) do Tão, que registrava a saudade do café da manhã habitual comigo e com o José Meirelles Passos.
Dentre todas as minhas aventuras, esta é uma das que me dão mais nostalgia. Foi uma cobertura intensamente jornalística, que começou quando eu cumpria um castigo tremendo por uma das minhas mal criações com o chefe de reportagem, o venerável Ariovaldo Bonas.
Pois me sobrou ficar perdido no meio da selva amazônica em uma localidade chamada Maués, de onde se esperava uma reportagem sobre a produção de guaraná. Naquele tempo, o Jornal Nacional era veiculado com um dia de atraso. Eu estava hospedado em uma pensão, onde uma senhora muito bonita comandava seus seis filhas, no atendimento de três ou quatro hóspedes. Era um tal de comer peixe com leite de castanhas, tucunaré grelhado e outros quitutes amazônicos.
As sete horas todos se postavam para ver o Jornal Nacional amanhecido. Foi quando o Heron Domingues anunciou: “Tropas argentinas tomaram hoje o arquipélago das Malvinas no Atlântico Sul, bla-bla-bla”.
Quase fui à loucura. Não havia telefones em Maués. Não havia como me conectar com ninguém. Tomei a decisão que não ficaria naquele fim-de-mundo, enquanto as coisas esquentavam no Atlântico Sul. Peguei uma carona num velho C-47 cargueiro, que sei lá porque decolava naquela madrugada para Manaus.
C47 cargueiro: veterano valoroso na Amazonia
Foi uma viagem marcada por incidentes. O piloto, um português-angolano, veterano da glorioso Força Aérea Portuguesa, guiava-se no visual pelo rio Amazonas. O tempo fechou e ele se perdeu. As galinhas antevendo o perigo faziam um barulho, que misturado ao ronco dos velhos motores da Douglas, parecia o som do fim do mundo. Nunca tive assim pavor de morrer em um acidente aéreo. Mas, naquela manhã cheguei à conclusão que aquele senhor dificilmente me levaria um porto seguro.
Como ele conseguiu, não sei, mas o infeliz rasgou as nuvens e surgiu à nossa frente toda a majestade do rio Negro e a cabeceira do aeroporto de Ponta Pelada, em Manaus.
Peguei o primeiro orelhão, mas me ocorreu que naquela hora, nove e meia da manhã, o máximo que eu conseguiria era falar com o Bonas, o que não resolveria o meu problema. Liguei para a casa do Tão. Ele atendeu com voz de sono, mas uma interrogação inquietante:
- Onde você está?
- Em Manaus.
- O que você está fazendo aí?
- Uma porra de uma matéria sobre guaraná.
- Quem te mandou para ai? Não importa. Quero você em Buenos Aires, hoje à noite.
Era o som do paraíso.
- Não tenho a menor idéia como você vai fazer isso. Mas, se vira.
Consegui lugar em um vôo da VARIG que faria um percurso maluco. Manaus-Porto Velho- Cuiabá-Campo Grande- Congonhas. Ele pousava em São Paulo as 19 horas, a tempo de pegar o vôo diário da Aerolineas Argentinas que saia as 19h55, com destino ao Aeroporto de Ezeiza.
Liguei para o Bonas:
- É o seguinte, falei com o Tão, ele quer que eu esteja em Buenos Aires hoje à noite. Quero que você entregue US$ 5 mil para a minha mulher Tereza e uma passagem no vôo da Aerolíneas, hoje à noite.
- Mas, ...
- Olha Bonas, vou tomar o avião aqui, você se acerta com o Tão. Tchau.
Em seguida liguei para a pobre da minha esposa.
Marca de Buenos Aires: o obelisco da República
- Tereza: faça uma mala com roupas de frio, dois suéteres, cinco camisas de manga longa, três camisetas, um palito de lã, a minha jaqueta preta, cinco meias grossas, cinco cuecas. Pega o meu passaporte, passa na Istoé, pega uma passagem e uma grana com o Bonas e me espera em Congonhas as sete horas da noite. Vou para Buenos Aires.
É claro que o vôo que eu vinha iria atrasar. Quando chegamos em Campo Grande, já estávamos 30 minutos atrasados.
Falei com o comandante do avião, e ele solicitou providências em terra para um passageiro que precisava fazer a conexão para Buenos Aires.
Tereza me deu o passaporte já carimbado, o cartão de embarque, o tíquete da mala despachada e o dinheiro na pista de Congonhas. O 737 da Varig parou ao lado do 727 da Aerolíneas.
Embarquei, as portas se fecharam e voei tranquilamente para Buenos Aires. Sai de camiseta, com 36 graus a sombra. Cheguei em Buenos Aires com sete graus e aquela garoa típica do outono portenho.

Assador do La Estância: começo de tudo

Quando me apresentei no pequeno hotel Embajador, eram 23 e 30. Meirelles me deixara um recado:
- Me encontre no La Estância.
Comemos bife de chorizo e dividimos as tarefas de uma cobertura que apenas se iniciava e que 45 dias depois provocaria saudades no nosso editor.        

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Todo mundo sabia, ninguém fez nada

A desgraça anunciada: INPE avisou prefeitos e governadores da tragédia climática 
Desde os tempos dos índios Aymorés, aqueles que habitavam a Baía da Guanabara, sabe-se que em janeiro nas serras fluminenses chove muito e as encostas da chamada Serra dos Órgãos não agüentam e se transformam em um verdadeiro mar de lama, que invade as cidades da região com a força de um tsunami, arrastando tudo o que encontram pela frente.  Daí que, apesar da tragédia deste ano ter proporções chinesas ou indianas, não chega a ser uma grande novidade.
Foi muito bem o governador Sérgio Cabral quando disse que o Estado do Rio estava sendo vítima de um mal secular chamado populismo. Sem dúvida, um eufemismo, afinal quem legisla sobre a ocupação do solo é a municipalidade. Quem autoriza construções, emite habite-se, fiscaliza, etc, são as preclaras e eficientes prefeituras municipais. Quem deve responder por até agora mais de 600 mortos, um número infindável de desaparecidos, desabrigados e outros quetais são os insignes alcaides.
Em São Paulo também estão tentando tapar o sol com a peneira tucana. Ora, se a Sabesp, como de resto todo o planeta, sabia que este seria um janeiro de muita chuva, porque diabo não esvaziou os reservatórios antes da chuva. Deixou para fazê-lo quando os rios já estavam cheios e ainda se safou com o discurso malandro de que se não abrisse as comportas o estrago seria maior.
Várias cidades estão embaixo d’água, a desgraça só não é maior porque a defesa civil é um pouco mais eficiente. Ainda assim, as cidades do vale dos rios Juqueri, Atibaia e toda a bacia do médio Tietê estão tomadas pelas águas.
A informação mais irritante é de que o INPE-Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais- avisou com 48 horas de antecedência. Todos os prefeitos e governadores sabiam o que iria ocorrer e não tomaram nenhuma providência. No Nordeste, no meio do ano, diante do alarme, os governadores Eduardo Campos e Teotônio Villela, acreditaram na informação e evacuaram as cidades. Não houve vitimas.
Toda a regiao ficou inundada: de quem é a culpa
A gloriosa Maria Lydia, âncora da TV Gazeta, não teve pruridos em manifestar a inconformidade tucano-paulistana. Sobre o Minha Casa Minha Vida e sobre as providencias do governo federal, ela não teve dúvidas: “É tudo muito lento...”
É mesmo minha senhora. São pelo menos 100 anos em que a elite deste país criou um meio político absurdo, que serve e serviu apenas aos interesses de fazendeiros, industriais, comerciantes, banqueiros e quetais. E esqueceu-se da gente que trabalha, que vive pendurada nos morros, que enriquece esta camarilha há séculos.
Para mudar na velocidade que a avenida Paulista anda reclamando, só com uma revolução capaz de auferir onde as riquezas e os recursos deste país foram parar no último século. Aí as coisas andariam bem depressa.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Abaixo as férias!



Matéria publicada no Uol, de interesse de todos:

Você acaba de voltar das férias e já sente uma falta de energia inexplicável, dores no corpo e um desânimo enorme ao cumprir suas obrigações? É bem provável que você esteja com depressão pós-férias, mal que aflige 23% dos brasileiros, segundo estudo realizado pela Isma-BR (International Stress Management Association no Brasil), instituição voltada para a investigação e gerenciamento do estresse.
A pesquisa contou com 540 profissionais de 25 a 60 anos de idade, residentes em São Paulo e em Porto Alegre, com uma média de tempo de trabalho de 12 anos.
Entre os participantes com diagnóstico de depressão pós-férias, os sintomas mais comuns foram dores musculares, incluindo cefaleia (comum a 87% deles), cansaço (83%), angústia (89%) e ansiedade (83%). Do total, 68% afirmaram usar medicamentos e 52% citaram o consumo de álcool como forma de aliviar o mal-estar.
A depressão pós-férias não deve ser confundida com o desconforto da segunda-feira, ou após um feriado prolongado, que produz sintomas menos intensos e duradouros, segundo a presidente da Isma-BR, Ana Maria Rossi.
Os profissionais mais vulneráveis à depressão pós-férias, segundo o levantamento, foram os de finanças, saúde, informática e aqueles que estão fora de sua área de formação.
De acordo com Rossi, o mal-estar na volta ao trabalho não costuma durar mais do que duas semanas, tempo que corpo e mente levam para se readaptar à velha rotina.
Mas os sintomas são um indicativo de descontentamento com o ambiente de trabalho ou com o próprio ofício. A pesquisa mostrou que 93% das vítimas de depressão pós-férias se sentem insatisfeitas profissionalmente; 86% não veem possibilidade de promoção ou desenvolvimento; 71% consideram o ambiente de trabalho hostil ou pouco confiável; e 49% têm conflitos interpessoais no local de serviço.
Outro ponto detectado é que, quanto mais tempo no mesmo emprego, maiores as chances de sofrer de depressão pós-férias. “Muita gente sabe que o trabalho lhe faz mal, mas não sai por causa do salário ou de algum outro tipo de benefício”, descreve. Essa relação de dualidade traz muita culpa e angústia, principalmente quando não há perspectivas de mudança: “Quando a pessoa sabe que o sofrimento é temporário, pois decide que vai ficar naquele trabalho só até cumprir determinada meta, fica mais fácil lidar com a insatisfação”, pondera.
Busque compensações
A especialista ensina que, no mundo ideal, a solução mais adequada para o problema seria buscar um emprego que proporcionasse mais satisfação. “Mas a gente sabe que isso não é tão simples”, admite.
A saída, então, é buscar compensações para a falta de motivação, procurando os amigos, dedicando-se a algum hobby prazeroso ou fazendo algum trabalho voluntário. “Sentir-se gratificado e saber que sua colaboração tem valor é importante até para manter a sanidade”, justifica.
Fracione as férias
Outra maneira de reduzir o risco de depressão pós-férias é fracionar o período de descanso. Rossi garante que os benefícios da medida já foram comprovados em pesquisas do Isma e de outras instituições. No entanto, a legislação brasileira só permite que a pessoa divida as férias em no máximo dois períodos de 15 dias.
A especialista acredita que pelo menos três pausas de dez dias são o ideal, pois exigem menor mobilização para deixar as coisas em ordem antes de sair e evitam o acúmulo de pressões e demandas. “Quando o efeito da pausa anterior passa, a pessoa já tem um novo período de descanso”, relata.
Não adie o descanso
Se você é do tipo que ama o que faz ou é viciado em trabalho, as férias podem até ser motivo de estresse. Nesse caso, o conselho é conciliar o período de descanso com algum curso. Como ressalta Rossi, deixar de fazer pelo menos uma pausa ao longo do ano prejudica muito a produtividade. E isso é algo que nem você, nem a empresa para a qual trabalha, vão querer que aconteça.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A inépcia dos jesuítas e a competência dos políticos

Anchieta e Nóbrega: ignorantes em engenharia construíram a cidade em um banhado


Mais de 200 mortos. Inundações por toda a parte. Barrancos que se desmancham. No próximo dia 5 de maio completo 40 anos de jornalismo. E ainda me lembro das primeiras reportagens no velho Diário Popular, ainda na rua do Carmo. O Tamanduateí inundava toda a Baixada do Glicério, o Pinheiros não entrava no Tietê, nem o Aricanduva. Era o caos de janeiro.
Era não. É. O que mais me assusta é a desfaçatez de determinados políticos brasileiros. Geraldo Alckmin, o novo-velho governador de São Paulo, disse com todas as letras, depois de 20 anos de tucanos em São Paulo, que o problema das enchentes requer tempo. Que a inversão do rio Pinheiros, a Usina da Traição, as bombas e o diabo, demoram pelo menos dois anos. E que a  única solução para o Tietê e o desassoreamento, e quem sabe coloca-lo em uma caixa de concreto que permita o aumento do fluxo.
Alckmin é um anestesista caipira que se empolgou com a mediocridade do universo político. Mas, eu juro que ouvi o mesmo diagnóstico de Mário Covas, que era engenheiro, de Paulo Egydio Martins, e se procurar nos jornais, Lucas Nogueira Garcez, Washington Luís. E assim por diante. Todo mundo sempre soube o que acontece em janeiro em São Paulo, porque diabos ninguém faz nada?
A explicação mais hilária que eu ouvi foi do engenheiro Reynaldo de Barros, então prefeito da cidade. “A culpa é dos padres Anchieta e Manoel de Nóbrega, que não entendiam nada de engenharia e criaram a cidade em um banhado”. Agora dia 25, São Paulo comemora 457 anos de sua fundação, quando os dois jesuítas, ignorantes, construíram o Colégio de São Paulo numa elevação entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú.
De lá para cá, os competentes políticos paulistanos não conseguiram encontrar uma solução para o problema. Só de dragagem no Tietê devem estar contabilizadas décadas de operação inútil, as custas do bolso do contribuinte.
É triste! 
457 anos depois: os políticos competentes não resolveram o problema das inundações

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Pelo caminho de Angra e Paraty

Marina's Pirata: um mall voltado para o mundo náutico com um grande restaurante

Viagens tem o poder de fazer com que a gente conheça pessoas diferentes, as vezes capazes de partilhar a satisfação, outras tantas o insólito de situações inóspitas. Este ano de 2011 começa com uma destas surpresas inacreditáveis: encontrar um garçom que serviu na última viagem de primeira classe do Eugenio C, o mais luxuoso transatlântico da Linea C, que fazia a rota Genova, Lisboa, Recife, Rio, Santos, Montevidéu, Buenos Aires, numa escuna lotada na Baía de Angra dos Reis, em uma rota de quatro praias na Ilha Grande.
Nada contra a escuna, apesar dos 120 passageiros, nem contra as praias – maravilhosas – nem contra a Baía, uma das mais belas do mundo. Mas, como tudo no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, o que era para ser um agradável passeio de seis ou sete horas, transformou-se numa aventura que faria aquela série chamada Piratas do Caribe, virar um singelo desenho animado.
O principal problema é que a rota é percorrida não por uma, mas por 20 escunas e embarcações de diversos tamanhos e colorações, todas lotadas de turistas ávidos, e não há atracadouro suficiente para todas. Resultado: um imenso congestionamento de barcos, sob a trilha sonora de buzinas insistentes. E a simples operação de resgatar ao mar os desavisados banhistas, torna-se uma operação dramática com ondas gigantescas e o perigo de ser atropelado.
Para piorar chega-se a um aprazível local na Ilha Grande, reservado para o almoço. Três restaurantes estão à postos para servir todas aquelas refeições em 90 minutos. Peixe frito com arroz e pirão. Até que o peixe estava bom, ainda que o pirão estivesse aguado e sem gosto e o arroz fizesse jus aos tempos em que eu e meu irmão André acampávamos nas praias do Litoral Norte de São Paulo. Era o popular arroz com areia.
Claro, faltou informação histórica. Pouca gente sabia que a Ilha Grande já fora um potentado agroindustrial no século XVII e XVIII, com muitos negros trabalhando na cana e no café e no moinho fazendo açúcar e cachaça. Com o fim da escravidão, em 1888, nenhum mortal com um mínimo de bom senso se disporia a trabalhar naquele ambiente inóspito. Floresta tropical, animais selvagens, etc... Melhor virar mesmo um santuário ecológico.
Angra dos Reis e Paraty mantém curiosas características históricas e econômicas. As duas tiveram seu ápice no século XIX, sempre com a maldita da cana-de-açucar. Angra chegou a ser um porto importante e por Paraty saíram muitas das riquezas da mineração das Gerais. A rodovia (se é que se pode chamar uma trilha assim) que liga Cunha a Paraty faz parte do caminho das Minas ou Estrada Real. Acredito que por 20 quilômetros a “rodovia” mantém a mesma característica divisada pelos tropeiros do século XVIII. Sorte que o Minoro Genda é um super  veículo que não deu muita bola para os percalços do caminho. A visão, entretanto, é exuberante. A Mata Atlântica em todo o seu esplendor é um espetáculo maravilhoso.
Paraty ainda se conforma com suas pousadas classudas. Seus restaurantes sofisticados. Seu acervo arquitetônico preservado, ainda que com tinta a óleo. Angra, por sua vez, entregou-se de vez ao turismo náutico. Ou seja, quem não tem ou não aluga uma lancha, está condenado ao pior dos mundos. Tudo na cidade está voltado para o mar. O que faz algum sentido, até porque são 365 ilhas na baía, e uma frota de embarcações imensa.
Daí que o principal shopping da cidade, o Marina’s Piratas possui uma marina impressionante e está todo voltado para o consumo e os hábitos náuticos. Pois não é que encontramos um restaurante inolvidável por lá. O nome é sugestivo Ocean, o chefe Gilli Lima desenvolve receitas singelas, mas de uma eficiência ímpar. Certamente foi o melhor pastel de camarão que eu já provei. A salada homônima do restaurante com camarões e lulas frias, acompanhada de alface americana ultra-fresca. O Fettucine aos frutos do mar, estava no ponto correto de cozimento e não abusava dos temperos, o que permitiu saborear os ingredientes. Nina se deliciou com um Vol-au-Vent de cogumelos e um medalhão macio e sugoso, que ela mesmo selecionou (aliás, em Paraty, no Refúgio, ela me encheu de orgulho ao pedir mexilhões gratinados em manteiga de Escargots). Rejane se encantou com um Salmão com Cogumelos. Um Mandorlo (Orvieto) 2005 suficientemente refrescado trouxe à lembrança as vinhas da santa terrinha.
Valeu e valeu muito. No próximo post conto como fomos bem recebidos na Serra da Mantiqueira, aqui no Bourbon Atibaia, onde o Vasco da Gama faz pré-temporada.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Viva o Brasil! Viva Flávia Schilling!

A Plaza Independenza em Montevideu: e o prédio onde funcionava a CX30

2010 já era. Foi um ano mesmo interminável. Parecia que nunca ia acabar. Mas, acabou e 2011 começou bem com a posse da presidenta Dilma Roussef.
Foi uma cerimônia emocionante. Dilma de fato representa a minha geração no poder.  Ainda que o velho Lula naquele remoto ano de 1978 tenha me sensibilizado para o futuro.
Eram ainda tempos sem perspectiva. O horizonte vivia nublado. A arrogância e a prepotência de militares e paramilitares barbarizavam em todo o continente.  No Brasil, o pior já havia passado, mas ainda havia muito medo e muita arrogância. Um dos episódios marcantes da minha vida foi a libertação da brasileira Flávia Schilling, prisioneira em Punta Rieles, Montevidéu, acusada de atividades subversivas.
E foi mesmo um parto a saída da menina. O governo brasileiro do então presidente João Figueiredo não admitia a ideia de brasileiros presos no exterior. O governo do patético Aparício Mendes, um velhinho que servia de títere para os militares, passou por dificuldades. Tiverem que aprovar uma lei que permitisse a saída de presos políticos com dupla nacionalidade e que tivessem cumprido um quarto da pena.
German Araujo: coragem na entrevista
Na ânsia de libertar a brasileira, os militares uruguaios haviam aprovado um dispositivo legal que libertaria pelo menos 50 presos políticos italianos, espanhóis e israelenses. Mas, era preciso dar publicidade à informação e todos os meios uruguaios estavam sobre pesado controle da censura. Foi então que eu conheci Jose German Araujo, o dono da rádio CX-30, La Radio. Ele me propôs uma entrevista. A pretexto de falar de Flávia Schilling nós informaríamos a aprovação da lei e geraríamos um fato, suficiente para que as embaixadas requeressem a libertação de seus nacionais.
German fez uma entrevista comigo de mais ou menos 40 minutos. Falamos de tudo, do Maracanazo, da minha paixão pelo futebol uruguaio, de candomble, da abertura política brasileira e da meia sola legal que permitia a soltura daqueles 50 presos políticos.
Alguns dias depois, eles de fato saíram em um vôo da Ibéria com destino a Madri. Foram para o avião gritando Viva Flávia Schilling, Viva o Brasil!
Flávia acabou saindo na quinta-feira seguinte. Saímos com ela num Boeing 727 da Varig, de Carrasco para o Salgado Filho, uma recepção popular a esperava em Porto Alegre. Foi outro momento emocionante. German foi preso quando todos saímos do Uruguai. Ameaçaram tomar-lhe a rádio. Ele aguentou firme.
Depois que os militares se foram, German se elegeu senador, mas um enfarte o levou, precocemente. Nesta viagem eu conheci meu compadre Raul Ronzone, então repórter do jornal El Dia, porta-voz do Partido Colorado.
Raul se aposentou e se foi para a Espanha com Lilian, sua esposa, e Verônica. Pablo, até onde eu sei, formou-se em Agronomia e mudou-se para a Nova Zelândia. Meu compadre merece um post só para ele. Neste queria dizer que quando a presidente Dilma falava no Congresso Nacional, me veio à lembrança a figura querida de José German Araujo.
Onde estiver amigo, muito obrigado!