quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Saudades de editor

Maués, terra do Guaraná, no Amazonas: castigo de repórter por mal criações
Um dos momentos mais marcantes da minha modesta carreira de repórter aconteceu em 1982, durante a Guerra das Malvinas. Aliás, uma epopéia. Naquele tempo, o Tão Gomes Pinto tinha o hábito de fechar a revista na madrugada de sexta-feira e depois tomava café com os repórteres em um coffee-shop de um hotel na avenida São Luiz.
Era uma delícia!  
Naquele outono frio argentino, depois de quase 45 dias longe de casa, foi uma delícia retirar a edição de IstoÉ na VARIG e ler a carta (o editorial) do Tão, que registrava a saudade do café da manhã habitual comigo e com o José Meirelles Passos.
Dentre todas as minhas aventuras, esta é uma das que me dão mais nostalgia. Foi uma cobertura intensamente jornalística, que começou quando eu cumpria um castigo tremendo por uma das minhas mal criações com o chefe de reportagem, o venerável Ariovaldo Bonas.
Pois me sobrou ficar perdido no meio da selva amazônica em uma localidade chamada Maués, de onde se esperava uma reportagem sobre a produção de guaraná. Naquele tempo, o Jornal Nacional era veiculado com um dia de atraso. Eu estava hospedado em uma pensão, onde uma senhora muito bonita comandava seus seis filhas, no atendimento de três ou quatro hóspedes. Era um tal de comer peixe com leite de castanhas, tucunaré grelhado e outros quitutes amazônicos.
As sete horas todos se postavam para ver o Jornal Nacional amanhecido. Foi quando o Heron Domingues anunciou: “Tropas argentinas tomaram hoje o arquipélago das Malvinas no Atlântico Sul, bla-bla-bla”.
Quase fui à loucura. Não havia telefones em Maués. Não havia como me conectar com ninguém. Tomei a decisão que não ficaria naquele fim-de-mundo, enquanto as coisas esquentavam no Atlântico Sul. Peguei uma carona num velho C-47 cargueiro, que sei lá porque decolava naquela madrugada para Manaus.
C47 cargueiro: veterano valoroso na Amazonia
Foi uma viagem marcada por incidentes. O piloto, um português-angolano, veterano da glorioso Força Aérea Portuguesa, guiava-se no visual pelo rio Amazonas. O tempo fechou e ele se perdeu. As galinhas antevendo o perigo faziam um barulho, que misturado ao ronco dos velhos motores da Douglas, parecia o som do fim do mundo. Nunca tive assim pavor de morrer em um acidente aéreo. Mas, naquela manhã cheguei à conclusão que aquele senhor dificilmente me levaria um porto seguro.
Como ele conseguiu, não sei, mas o infeliz rasgou as nuvens e surgiu à nossa frente toda a majestade do rio Negro e a cabeceira do aeroporto de Ponta Pelada, em Manaus.
Peguei o primeiro orelhão, mas me ocorreu que naquela hora, nove e meia da manhã, o máximo que eu conseguiria era falar com o Bonas, o que não resolveria o meu problema. Liguei para a casa do Tão. Ele atendeu com voz de sono, mas uma interrogação inquietante:
- Onde você está?
- Em Manaus.
- O que você está fazendo aí?
- Uma porra de uma matéria sobre guaraná.
- Quem te mandou para ai? Não importa. Quero você em Buenos Aires, hoje à noite.
Era o som do paraíso.
- Não tenho a menor idéia como você vai fazer isso. Mas, se vira.
Consegui lugar em um vôo da VARIG que faria um percurso maluco. Manaus-Porto Velho- Cuiabá-Campo Grande- Congonhas. Ele pousava em São Paulo as 19 horas, a tempo de pegar o vôo diário da Aerolineas Argentinas que saia as 19h55, com destino ao Aeroporto de Ezeiza.
Liguei para o Bonas:
- É o seguinte, falei com o Tão, ele quer que eu esteja em Buenos Aires hoje à noite. Quero que você entregue US$ 5 mil para a minha mulher Tereza e uma passagem no vôo da Aerolíneas, hoje à noite.
- Mas, ...
- Olha Bonas, vou tomar o avião aqui, você se acerta com o Tão. Tchau.
Em seguida liguei para a pobre da minha esposa.
Marca de Buenos Aires: o obelisco da República
- Tereza: faça uma mala com roupas de frio, dois suéteres, cinco camisas de manga longa, três camisetas, um palito de lã, a minha jaqueta preta, cinco meias grossas, cinco cuecas. Pega o meu passaporte, passa na Istoé, pega uma passagem e uma grana com o Bonas e me espera em Congonhas as sete horas da noite. Vou para Buenos Aires.
É claro que o vôo que eu vinha iria atrasar. Quando chegamos em Campo Grande, já estávamos 30 minutos atrasados.
Falei com o comandante do avião, e ele solicitou providências em terra para um passageiro que precisava fazer a conexão para Buenos Aires.
Tereza me deu o passaporte já carimbado, o cartão de embarque, o tíquete da mala despachada e o dinheiro na pista de Congonhas. O 737 da Varig parou ao lado do 727 da Aerolíneas.
Embarquei, as portas se fecharam e voei tranquilamente para Buenos Aires. Sai de camiseta, com 36 graus a sombra. Cheguei em Buenos Aires com sete graus e aquela garoa típica do outono portenho.

Assador do La Estância: começo de tudo

Quando me apresentei no pequeno hotel Embajador, eram 23 e 30. Meirelles me deixara um recado:
- Me encontre no La Estância.
Comemos bife de chorizo e dividimos as tarefas de uma cobertura que apenas se iniciava e que 45 dias depois provocaria saudades no nosso editor.        

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