sábado, 22 de abril de 2017

As efemérides históricas de abril

Luís de Camões: escrivão de Vasco da Gama

Tomas A.Gonzaga: ouvidor em Vila Rica

Cumpriu-se ontem a efeméride da Inconfidência Mineira, na data em que Joaquim José da Silva Xavier subiu ao patíbulo, 225 anos certo¿, e cumpre-se hoje a do achamento do Brasil, por Pedro Álvares Cabral, 517 anos, com certeza.
O Joaquim José, chamado Tiradentes, virou figura mitológica apenas no primeiro período getulista. O culto patriótico do movimento, aliás, ganhou mesmo popularidade graças ao Estado Novo.
De fato, trata-se, os gaúchos que me perdoem, do mais importante movimento político em terras brasileiras. É bem verdade que o cabeça do movimento, Cláudio Manuel da Costa, era pupilo de Sebastião Carvalho, o Marques de Pombal, que naquele momento histórico experimentava grande ostracismo na corte de D.Maria I.
Thomas Antônio Gonzaga também. Aliás, os dois principais trabalhos literários do movimento são de autoria dele: as Cartas Chilenas e o monumental poema Marília de Dirceu.
Aliás, o romance dele com Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão, representado no poema, é nas palavras de Manoel Bandeira, basilar no arcadismo lusitano.
O livro foi publicado em Lisboa no mesmo ano em que Thomas partiu para o exílio em Moçambique.
Há relatos confiáveis de que, anos mais tarde, Maria Doroteia, já casada com um oficial do exército colonial português, encontrou-se com Thomas em Angola. O poeta, sonhador, terminou seus dias casado com a filha de um escravocrata, de quem cuidava dos negócios, em Maputo. Triste fim. Seria melhor o patíbulo.
Bem. Engana-se quem acha que a população no Rio de Janeiro consternou-se com a execução do Tiradentes. Na verdade, os portugueses que habitavam e comandavam a colônia, preferiam mesmo viver sob jugo de Portugal. E mais. Em pagar um quinto de tudo que fosse produzido na colônia para a metrópole.
Quanto a Cabral. Trata-se de um fracassado assumido. Saiu de Lisboa no dia 9 de março, sem nunca antes ter navegado, com uma frota enorme de navios de guerra, com destino às Índias.
Não era uma expedição de descobrimento, muito menos de relações comerciais. Cabral assumiu a posição de Vasco da Gama, considerado naquele momento, tíbio pelo rei D.Sebastião, o mesmo que negou recursos para Colombo descobrir a América.
Cabral perdeu-se nas calmarias africanas e não fosse o continente americano estaria navegando até hoje em busca de um porto seguro.
Achou o Brasil, mandou seu escrivão Pero Vaz de Caminha escrever uma carta ao rei, comunicando o ocorrido, mandou Gaspar de Lemos de volta a Lisboa com a correspondência. E sem maiores consequências, seguiu viagem.
Sabe-se que na passagem do Cabo da Boa Esperança, metade de sua frota soçobrou e que seu escrivão pereceu. A carta desapareceu. Cabral voltou a Portugal com apenas três das treze caravelas com que partira, sem grandes resultados comerciais. O achamento do Brasil rendeu apenas duas expedições subsequentes, estas sim de descobrimento, comandadas por Americo Vespúccio, financiada por banqueiros florentinos, quase com certeza judeus, que não queriam saber de um português no comando de qualquer expedição.
Cabral nunca mais voltou ao mar. Vasco da Gama, este sim o grande herói português do período das navegações, foi resgatado.
Sem saber que um dia seria nome de um clube de futebol no Rio, o almirante Vasco da Gama tinha como escrivão e amigo, ninguém menos que Luís de Camões, o autor da epopeia que serviria de base para a língua portuguesa, Os Lusíadas.

Em meio aos tempos conturbados em que vive a nação luso-brasileira. Mais a brasileira do que a lusa. É bom lembrar que mesmo diante de fracassos, como a Inconfidência Mineira e a busca de uma rota alternativa para as Índias, sobraram obras de peso, relatos impressionantes, como os de Camões e Thomas Antônio Gonzaga.  

domingo, 16 de abril de 2017

Por falar em História


Vladimir Putin: nova versão de Guilherme II 






Mais do que os bilhões da propina das empreiteiras. Mais do que a constatação de que o tecido político brasileiro esgarçou, para dizer o mínimo, ou simplesmente desapareceu. O que me preocupa sobremaneira é como a história vai registrar estes dias doidos que este planeta vive. Sim, porque esta tragédia não é brasileira. É global.
O filósofo francês Alana Baidou na Ilustríssima de hoje compara o momento atual com o primeiro semestre de 1914, pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial. Vladimir Putin desempenharia o papel que coube ao Kaiser Wilhelm II. Pode ser. Até porque um dos motivos daquele conflito – apenas um deles – era o fato de que os alemães e austríacos não se conformavam com a proeminência de Paris sobre Berlim e Viena.
Claro, o mundo é e foi mais sofisticado que isso. Não se pode esquecer as razões econômicas. Principalmente a eterna tentativa teutônica de dominar a Europa; o projeto de construção da ferrovia Berlim-Bagdá; o desejo de expansão colonial de alemães e austríacos e uma centena de outras razões.
Me chamou a atenção também uma nota, na verdade três, na coluna de Sônia Racy no Estadão: pais de alunos do colégio Santa Cruz, uma escola de elite ( e põe elite nisso) redigiram documento, que vazou em grupos de WhatsApp, com críticas a versão ideológica pró-esquerda de muitas aulas, em especial de História Geral e do Brasil. Teve resposta da escola e depois na tréplica até um recuo.
Em seu absurdamente competente livro, Sem Novidade no Front, Erich Maria Remarque revela que a doutrinação belicista alemã era fervorosa dentro das salas de aula. Defendia-se abertamente que os ingleses se constituíam em um povo bárbaro, por muitos anos dominado por uma mulher (a rainha Victoria) e que comiam carne crua. Os franceses, decadentes, incapazes de se defender militarmente, permitiam que o debate de idéias novas corrompesse a sociedade ocidental. E os russos e os sérvios, vistos como povos primitivos.
Milhares de jovens entre 16 e 20 anos abandonaram a banca escolar e se engajaram na propaganda oficial de que a guerra seria rápida, em nome da modernidade e da defesa dos valores civilizatórios. Foram mais de 10 milhões de mortos, quase cinco anos de batalhas, e o mundo nunca mais seria o mesmo.
No meu tempo de escola, aprendi que os Bandeirantes eram heróis que interiorizaram o desenvolvimento do Brasil. Que a Inconfidência Mineira foi um movimento de amplo apoio popular, desgraçadamente dominado por um tirano, o Visconde de Barbacena. Que a Independência do Brasil, longe de ser um acerto entre as elites comerciais portuguesas, foi um brado da nacionalidade brasileira. Que o imperador Pedro II era um bom velhinho. Que a abolição da escravatura permitiu a vinda dos imigrantes. E, por ai vai....
Fiz o ensino médio bem no meio do Ame-o ou Deixe-o. Do AI-5 e da 477. Mas, aí a coisa virou.
Felizmente.
Mesmo na banca de uma escola pública, tive o apoio de professores extraordinários que passaram a me orientar na busca de outra versão da história. A maturidade fez o resto.
O que querem estes pais preocupados com a doutrinação nas escolas¿ Que seus filhos sejam uns autômatos, alienados, robóticos¿

Aí estaremos mesmo encrencados.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Será o fundo do poço?

Há exatos 11 anos eu saia da Infraero e atravessava o Oceano Atlântico para dar minha contribuição ao esforço eleitoral que pretendia colocar o professor Romano Prodi novamente no comando da Itália. Foi uma aventura dramática, que culminou com a nossa vitória por uma diferença tão insignificante, quanto pode ser a eleição de um deputado argentino no parlamento italiano.


Um estudo patrocinado pelo Partido de la Democracia Sinistra, o antigo PCI, nos mesmos moldes deste que foi feito pela Fundação Perseu Abramo, agora, apontou que os jovens italianos de 18 a 35 anos não davam a mínima para o tal estado de bem-estar social.  Entendiam que a ascensão se daria unicamente pelo mérito de cada um. Luta de classe era uma coisa perdida no tempo. Coisa de velhos comunistas.

Quando me debrucei sobre a pesquisa qualitativa do Instituto Perseu Abramo, recém divulgada, feita com 63 eleitores da periferia de São Paulo, que votaram no PT entre 2000 e 2012, mas não votaram nem em Dilma (2014) nem em Haddad (2016) me invadiu a mesma sensação de desconforto de 11 anos atrás.

Principais constatações da pesquisa:

·         Não existe luta de classes. Não há cisão entre trabalhadores e patrões. São diferentes, mas não existe a relação clássica de exploração: todos estão no mesmo barco.
·         Ninguém quer ser tratado como “os pobres”. A ascensão social é importante no processo de diferenciação. Com esforço individual tudo pode ser superado.
·         As políticas públicas, como quotas, podem ser consideradas como uma desvalorização individual.   Bolsa Família, Prouni, FIES são consideradas importantes. Mas, vistas como insuficientes e falhas.
·         O grande vilão dos tempos modernos é o Estado. Não há confronto entre pobre e ricos, entre corporações e trabalhadores. O embate é entre Estado e cidadãos, entre sociedade e governantes.
·         Todos são vítimas do Estado, que cobra impostos excessivos, cria entraves burocráticos, administra mal o eventual crescimento econômico e acaba por sufocar a atividade das empresas brasileiras.
·         Lula ainda é admirado. Ele é um bom exemplo de ascensão social. De superação de adversidades. E se equipara a Silvio Santos e João Dória.

Taí. Um prato cheio para inteligência nacional. De tal sorte que o presidente da Fundação Perseu Abramo convidou as fundações ligadas ao PSDB, ao PC do B e ao PSOL para debater os resultados. O ponto de partida: os entrevistados apontaram a corrupção como o principal problema do país e consideraram a política uma atividade suja.

Como diria aquele personagem de Claude Rains em Casablanca, prendam os suspeitos de sempre. Ou seja: faltou um projeto de cidadania ao governo Lula para vacinar as ascensão de mais de 30 milhões de brasileiros à sociedade de consumo; o coletivismo caiu com o Muro de Berlim, o que vale agora é o papel do individuo. Claro, a mídia e os meios de comunicação, a revolução digital; o bombardeio sistemático dos sindicatos patronais na defesa de suas teses; o oportunismo contumaz das novas lideranças sindicais laboriais; a falta de apoio dos políticos de esquerda ao empreendedorismo.


Ou a esquerda brasileira nos seus mais diversos matizes toma um banho de humildade e se senta em busca de uma solução (como aliás ocorreu na Itália) ou o cenário profetizado pelo professor Fernando Haddad, de que o Brasil vai se dividir entre as aspirações da direita e da extrema direita, vai superar o embate eleitoral e se instalar nos corações e nas mentes tupiniquins.  Pior: quando o individualismo se sobrepõe ao coletivismo o modelo que emerge não é liberal, é fascista.