sábado, 16 de julho de 2016

A grande ruptura



Montagem do Teatro Helikon de Moscou: sucesso na Europa e em São Paulo





Em 1934, quando estreou no Teatro Mikhaylovsky, na então Leningrado, a montagem de Lady MacBeth do Distrito de Mtzensk, muito pouca gente conhecia a pequena novela de Nicolai Leskov, publicada em 1865, e que serviu de base para o libreto da ópera de Dimitri Shostakovitch.

Leskov, inspirado certamente por Flaubert, conta a história de Katerina, uma dona de casa provinciana que se entrega para um amante e inicia uma série de assassinatos. Adultério, sexo, estupros, coisas raras de se ver de forma tão explícita num palco de ópera. Ainda mais porque, como no caso da anti-heroína de Shakespeare, a história pode se passar nas Ilhas Britânicas da Idade Média, na Rússia tzarista do século XIX, no regime soviético, ou em qualquer ponto do planeta nos dias de hoje. Afinal, trata-se aqui de discutir o papel de submissão a que as mulheres são e continuam a ser condenadas.

A versão de Shostakovitch fez muito sucesso não só em Leningrado, como de resto em diversas cidades europeias, até que em 1936 uma badalada estréia levou Josef Stalin, apreciador de óperas e concertos, ao teatro Bolshoi, em Moscou.
    
Stalin não gostou. Acostumado aos acordes redondos de Rimsky Korsakoff e Modest Moussorgsky (sua ópera predileta era a genialíssima Boris Goudonov) estranhou as dissonâncias e as melodias interrompidas de Shostakovitch. Também não gostou da história, considerada pequeno-burguesa pouco condizente com o regime soviético.

Dizem que ele mesmo escreveu o editorial do Pravda, publicado no dia seguinte, 28 de janeiro de 1936. E a crítica foi tão feroz que assustou não só o compositor, como todo um grupo de intelectuais. Prokofiev se mandou para os Estados Unidos, Eisenstein caiu no limbo, entre outros poetas e escritores que procuraram o exílio ou o anonimato.

Stalin percebeu que errou na mão. Até porque Shostakovitch já era consagrado no mundo inteiro e a sua Macbeth havia feito sucesso na Europa antes da estréia em Moscou. Nomeou-o compositor oficial do partido, talvez a única coisa que Dimitri realmente não queria e encomendou uma grande sinfonia.

Foi assim que veio ao mundo a monumental quinta sinfonia.

As relações entre Stalin e Shostakovitch foram tensas até que o grande líder soviético foi para o politburo do além em 1952.

Pessoalmente tenho adoração pela música de Shostakovitch, além de suas sinfonias, em que destaco a primeira, a quinta, a sétima, a nona e a décima, recomendo sua série de quartetos e os dois concertos para piano, um deles também com solos e trompete.

Esta montagem da MacBeth produzida pelo Teatro Helikon de Moscou, antes de vir para São Paulo, percorreu os principais teatros da Europa, sempre dirigida pelo maestro Dimitri Bermann, que também rege a nossa Sinfônica Municipal. Chamo a atenção para os notáveis interlúdios orquestrais que separam os nove quadros que compõe a ópera.