segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Neschling e a OSM diante da sinfonia “intocável”





Neschling ensaia a OSM: quinta de Mahler reafirmou a evolução do conjunto 






Certa vez um jovem clarinetista prestava concurso para uma orquestra sulamericana. Quando chegou na prova de primeira leitura, ele constatou aterrado que a banca lhe dera um solo, pequeno é verdade, de uma sinfonia de Mahler. O rapaz simplesmente guardou o instrumento no estojo, agradeceu a banca e se retirou.

A fama de Mahler ser intocável persegue o compositor desde que ele iniciou a composição de suas sinfonias. Durante os ensaios da quinta, por exemplo, considerada a mais difícil delas, os músicos da Orquestra Filarmônica de Viena empreenderam uma rebelião, que culminou com uma greve de 36 dias. Uma bobagem!

Mahler além de ser uma espécie de virtuosi da composição, ainda era um regente exigentíssimo. Impunha ensaios de 12 e até 14 horas. Repetia uma passagem mais de 20 vezes, até que se sentisse reconfortado com os sons obtidos.

Esta dificuldade em interpretar Mahler foi responsável pelo ostracismo que as obras do compositor viveram entre os anos 40, até meados dos anos 70. Exceção a Bruno Walter, seu pupilo, poucos maestros se aventuravam a encarar suas partituras.

Curiosamente foi o cinema que trouxe Mahler de volta a ribalta. Lucchino Visconti, um melômano juramentado, imaginou a cena inicial de Morte em Veneza, quando uma gôndola preguiçosamente balança até alcançar a praça São Marcos, inteiramente sob o som do Adágio da Quinta Sinfonia. Ele já fizera algo parecido em outros filmes, quando usou a música de Bruckner, sem nenhum resultado prático. Desta vez, não.

Quem diria, Gustav Mahler, 60 anos depois da sua morte, se tornaria pop. A indústria fonográfica viu ali uma grande oportunidade comercial. E logo todos os selos passaram a lançar a íntegra de suas sinfonias. Karajan gravou, Solti gravou, Bernestein gravou, Haitink gravou, a Columbia relançou as gravações de Bruno Walter com a Nova York, com a Columbia Orchestra e com a Viena. E não foram só as sinfonias. Todos os ciclos de canções incluindo a magistral Canção da Terra.

Todos os grandes maestros e outros nem tão grandes dedicaram-se a executar Mahler. Os resultados foram bastante heterodoxos. Para dizer o mínimo.

Tive o privilégio de acompanhar o maestro John Neschling diante da Sinfônica Municipal em ensaio da “diabólica” quinta sinfonia.

Neschling e Mahler tem muito a ver. Vi o maestro brasileiro brilhar na 1ª,3ª, 4ª e 9ª. Não foi diferente na quinta. Impressiona a forma como ele lê a partitura valorizando os detalhes mágicos de cada melodia, de cada acorde, de cada entrada.

Foi impressionante constatar o que aconteceu com a Orquestra Sinfônica Municipal nestes três anos em que Neschling está à frente do nosso conjunto orquestral. Mesmo diante de uma partitura considerada dificílima, eles responderam com perfeição, brilho e talento.


Em fevereiro, Neschling rege a OSM na segunda sinfonia, chamada Ressureição. Com ela fica completo o ciclo de sinfonias baseadas nas canções Das Knaben Wunderhorn. Ficarão faltando a sexta, a sétima e a monumental oitava, chamada a Sinfonia dos Mil. Mahler era louco mesmo. Compôs uma sinfonia para duas orquestras, quatro coros e seis solistas. Uma maravilhosa loucura.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015


O Aedes Aegipti: vilão de doenças, legado que os portugueses trouxeram da Africa






Houve um tempo em que as crianças iam para cama, ajoelhavam-se antes de dormir e pediam ao papai do céu que zelasse para que os malucos da Casa Branca, em Washington, ou do Kremlin, em Moscou, não acabassem com o mundo e a humanidade em algum surto de madrugada.  Foram tempos duros que começaram no dia que os americanos explodiram as duas bombas no Japão em Hiroshima e Nagasaki, 6 de agosto de 1945.

Esta neurose acabou nos anos 90, quando enfim o Muro de Berlim foi para o chão e a chamada Guerra Fria, ocidente-oriente, leste-oeste, capitalistas-comunistas, azuis-vermelhos, acabou.

Pessoalmente sempre achei que a humanidade era uma construção extremamente elaborada para que um maluco acabasse com tudo ao apertar um botão. Mas, acho que o mundo pode acabar de forma muito mais prosaica, por conta de um mosquito como o Aedes Aegypti ou uma maldita pulga de um rato.

O Aedes é um inimigo antigo do Brasil e do mundo.  Ele foi responsável, por exemplo, pela epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro no início do século XX. Este ser infeliz chegou ao país no século XVII, provavelmente em navios negreiros, que, claro, vinham da África. Mais uma herança genial dos portugueses. As vezes acho que o terremoto de 2 de novembro de 1755, foi pouco pela desgraça que os lusitanos impuseram ao mundo.

Os primeiros casos de febre amarela surgiram em 1685 no Recife e, em 1692, em Salvador. Entre 1849 e 1850 surgiu a primeira grande epidemia, que atingiu quase todo o pais.

No final do século XIX um cientista cubano, Carlos Juan Finlay descobriu que a porcaria da febre amarela era transmitida pelo Aedes Aegypti . Não tinha nada a ver com o clima, o solo ou os ares. Entre 1880 e 1889 o aedes vitimou com a febre amarela 9.376 pessoas.

Oswaldo Cruz: brigadas sanitaristas
O sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz conhecia o trabalho do dr.Finlay e sabia que o presidente Rodrigues Alves havia perdido um filho para a febre amarela. Por isso não foi muito difícil convence-lo de que o combate sem quartel ao mosquito era a única forma de livrar o Rio de Janeiro da febre amarela.

Nomeado diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, o sanitarista paulista criou as brigadas do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, formada por sanitaristas, que não tinham nenhum prurido em invadir residências e propriedades privadas para atacar os focos do Aede Aegypti. Lavavam caixas d’água, jogavam inseticida em ralos e bueiros, limpavam telhados e calhas, instalavam redes de proteção. E se encontrassem alguém doente ou contaminado pela doença processavam imediatamente o seu isolamento.

Foi uma gritaria danada. Mas, o danado do Aedes foi para o espaço. O Rio se livrou da febre amarela. Mas, Oswaldo Cruz ainda teve que lidar com a varíola e com gripe espanhola, que vitimaram milhares de brasileiros. Em tempo: o presidente Rodrigues Alves tombaria morto,  vítima da gripe espanhola.

O Aedes voltaria apenas nos anos 80. Este desgraçado é o responsável pela dengue. E agora pela chicungunha e pelo zika vírus, que entre outras coisas, provoca má formação de cérebros, a chamada microcefalia, e a Síndrome de Guillan Barret, uma estranha doença que simplesmente liquida com as membranas que delimitam as células musculares.  Uma beleza!


Rodrigues Alves: vítima da gripe espanhola
São Paulo deve ter no próximo ano, segundo cálculos baratos, mais de 150 mil casos de dengue. Há focos do maldito mosquito em toda a cidade. Cerca de 80% deles dentro do ambiente residencial.  Ou seja, se cada morador tiver um mínimo de bom senso e seguir as normas mais que conhecidas: não deixar água parada, cobrir reservatórios, cuidar de vasos, plantas e flores, pneus abandonados, calhas, etc... A gente acaba com o maldito.

Não vai acontecer. Tem gente que se nega inclusive a permitir que os agentes sanitários entrem nas casas para verificar. Tem gente que apesar dos mais de 100 ecopontos, prefere jogar lixo na rua. São Paulo gasta mais de R$ 1 bilhão por ano apenas para varrição de vias públicas (!!!!!!!!) Absurdo total.


Como as crianças do tempo da guerra-fria, agora é rezar para o inverno chegar logo e rigoroso. A única coisa que acaba com este infeliz é uma sequencia de cinco dias com temperaturas abaixo dos 15 graus centígrados. Foi o inverno rigoroso de tempos de antanho que manteve São Paulo longe da febre amarela.