quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A inusitada história das proparoxítonas


Carlos Wilson; pavor pelas proparoxítonas

Com o afundamento do projeto Manchete, no final de 1997, decidi me premiar um projeto sabático. Como eu havia conseguido a proeza de receber até a última moeda todos os direitos trabalhistas dos Bloch, o que nem Geová conseguiria explicar, fui a Itália, depois a Argentina e encarei o verão 97/98 descansando em Ilha Bela.
Por isso mesmo, quando um telefonema do meu amigo Marco Damiani teve a petulância de me despertar de sono profundo na praia dos Franceses, achei que ele era mesmo o que parecia, petulante.
Damiani queria que eu subisse a Serra para conversar com Chico Santa Rita, o célebre marqueteiro, que precisava de um operador de comunicação para uma candidatura em Pernambuco. Foi mais ou menos assim, sem grandes pretensões que eu desembarquei em Recife, naquele janeiro de 1998, para conhecer o então senador Carlos Wilson, ajudá-lo e diagnosticar suas chances na corrida para o Palácio do Campo das Princesas.
Histórias de e com Carlos Wilson tenho dezenas para contar. Mas, esta, sem dúvida, talvez por ter sido ainda a primeira, merece uma certa primazia.
Estava às voltas com os problemas inerentes a organização de um comitê eleitoral, quando o escritório foi tomado de verdadeira comoção. “Sardinha disse que Cali quer um discurso sobre equilíbrio regional!”.
Cali era o apelido do senador. Sardinha, vim a descobrir depois era seu chefe de gabinete, que, na verdade chama-se Fernando Rodrigues, e que por algum motivo, que eu nunca descobri, era apelidado de professor Sardinha.
Como eu imaginei, logo depois, o chefe do escritório, Romeu Baptista, me chamou a sua sala e me consultou sobre minha aptidão para redigir discursos. Mesmo sabendo que não teria maiores dificuldades, preferi usar de uma certa humildade:
- Posso tentar. Você me passa um briefing das idéias do senador sobre o assunto e eu vou tentar concatenar um pronunciamento.
Romeu pensou por um segundo e respondeu:
- Olha, se eu conheço Cali, é melhor você propor um arrazoado de idéias e ele corrigirá o rumo.
Resmunguei que isso seria um pouco complicado, mas como o tema me é caro desde os tempos em que eu freqüentava o apartamento de Rosa Freire, que vem a ser hoje a viúva de ninguém menos que o professor Celso Furtado, em Paris, me senti encorajado a tentar.    
Tomei um copo de água de coco, abri um maço novo de Marlboro, aumentei o ar-condicionado, fechei e tranquei a porta da minha sala, e desatei a batucar freneticamente no computador. Passava da meia-noite quando eu pedi ao computador para me informar o número de caracteres: 14 mil.
Fui para o hotel dormir. Chovia, mas o calor abafado de Recife era imenso. Consegui dormir e viajei nos meus sonhos. Que petulância a minha, escrever um discurso para ser lido da tribuna do Senado Federal! De Júlio César a Paulo Brossard todos pareciam me condenar.
- Medíocre – sentenciava em meus sonhos o senador Pinheiro Machado.
- Desproporcional – dizia o fantasma do senador Bonifácio de Andrada.
Acordei disposto a rever cada palavra e cada conceito. Não havia ninguém no escritório quando eu cheguei, um pouco antes das oito horas.
Li e reli à exaustão. As 11 horas, Romeu chegou e me pediu o texto, em duas versões: papel e digital.
Passei e sai para almoçar. Lembro-me que fui a Ilha do Leite dividir uma perna de cabrito com meu irmão Ivanildo Sampaio, então e até hoje, editor do Jornal do Commercio.
Quando voltei, pelas 15, o escritório vivia um tumulto sem igual. Pelos corredores ouviam-se sussurros: “O discurso, o discurso...”
Meu Deus! O que será que eu provoquei.
Procurei o Lula, Luís Farias, que fazia as vezes de assessor de imprensa, e ele disparou nervoso, em meio a leitura de várias publicações que estavam abertas em sua mesa:
- Cali não gostou. Cali não gostou!
- Mas, não gostou do que? – retruquei.
- Não gostou italiano. Não gostou!
- Mas, não gostou do conteúdo, do estilo...
- E eu sei lá! Não gostou e pronto.
Senti-me o último dos seres na Terra. Certamente acostumado a grandes pronunciamentos da tribuna do Senado, Cali esperava um discurso a la Paulo Brossard, e eu pobre mortal nem pala no ombro tinha.
Finalmente Romeu chegou e imediatamente acorri para sua sala, disputando o batente da porta com o velho Lula. Quase que entramos ao mesmo tempo.
- E aí Romeu, o quê que Cali não gostou?
Romeu Baptista é um lord. A admiração que tenho por ele até hoje, e imagino que seja recíproca, vem do conforto e da segurança de suas opiniões. Ele tomou um certo ar de seriedade e com voz baixa respondeu.
- É que Cali acha que o texto tem muitas palavras proparoxítonas.
A sentença me fulminou como um raio.
- Como assim?
- Cali não gosta de palavras proparoxítonas, explicou o bom Romeu com ar paternal.
Voltei perplexo para a minha sala. Como alguém poderia gostar ou não das palavras de acordo com a sua acentuação? Gosto de paroxítonas e de oxítonas. Não gosto de proparoxítonas. Isso existe?
Peguei um lápis delineador e comecei a marcar as palavras no texto conforme sua acentuação. Lá pela metade me dei conta do absurdo. Alguém enlouquecera. Todos pareciam enlouquecer. Mas, eu iria resistir.
Voltei para a sala de Romeu com o texto na mão e em tom de súplica desafiei:
- Romeu isso não existe. O senador enlouqueceu.
- Nunzio, ele simplesmente não consegue falar palavras como abduzir, réptil.
E passou a enumerar uma série de palavras...
- Mas, nenhuma destas é proparoxítona.
- Como não? Você já viu alguém falar estas palavras no dia-a-dia?
- Espera aí Romeu, você está me dizendo que palavras proparoxítonas são palavras inusuais e rebuscadas?
- Claro!
Peguei o texto, voltei para a minha sala e pedi alguns minutos. Substitui uma dúzia de palavras e voltei com um novo texto e um novo arquivo.
Romeu sorriu e mandou para Brasília. No dia seguinte ainda vi pela TV Senado um orgulhoso senador desafiar o equilíbrio regional e cobrar (originalmente era reivindicar) do governo federal mais atenção para os estados do Nordeste.
Escrevi mais de uma centena de discursos para Carlos Wilson, até porque depois, no ano 2000, ele me contrataria como seu assessor parlamentar no Senado Federal. Ficamos muito amigos. Aprendi muito com ele. E hoje sinto saudades. Cali foi uma das maiores perdas que sofri nos últimos tempos.
Descansa amigo!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma dupla afinada em uma aventura amazônica

Eu, João e o cachorro na Cuiabá-Santarém, em 1981; vimos a morte de perto
Uma coisa é absolutamente certa. Qualquer bom jornalista sabe disso. Uma reportagem sem fotos é equivalente a uma loira careca ou a uma cerveja choca.
Por isso mesmo, reportagem, reportagem mesmo, não é fruto de uma única mente privilegiada, se não de duas.
O repórter e o repórter fotográfico têm que funcionar como num dueto, no mesmo ritmo, no mesmo diapasão. Os olhos de um têm que ver o mesmo que os olhos do outro. As palavras tem que se encaixar com as imagens. O editor deve passear pelas letras e pelas imagens com prazer. O leitor se encharca de informações, inclusive visuais, numa harmonia única.
Trabalhei com bons e maus fotógrafos. Nem vou me reportar aos maus. Mas, entre os bons muitos me carregaram nas costas,  outros evoluíram comigo. Tive o privilégio de dividir reportagens com Sebastião Salgado e Jean Noguez, ambos à época discípulos e parceiros de Cartier Bressane na Gamma. Ainda me lembro do enorme Roberto Stuckert e sua Hasselblad 6 x 6 no papel que hoje é de seu filho, o genialíssimo Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial da Presidência da República.
O Stuckão, por mais de uma vez, era a única fonte de informação, isso nos tempos que os milicos dominavam o país. O Ricardo felizmente não precisa fazer o mesmo que o pai.
Trabalhei com repórteres fotográficos de uma sensibilidade incrível: Cláudio Versiani, atleticano fanático que me colocou o apelido que viraria meu knicknome, italianpine; Iara Venanzi, certamente uma das mais caprichosas, detalhista ao extremo. Geyson Magno, autor de um dos trabalhos mais impressionantes que eu já vi: “A civilização do couro”.
A lista é imensa. Mas dois, entre tantos, partilharam comigo os momentos mais marcantes da minha vida profissional: João Bittar e Hélio Campos Mello. Ainda pretendo contar muitas das histórias que eu dividi com eles. Mas, hoje me vem à lembrança uma em especial, que eu vivi com o João em 1981.
Partilhamos uma das reportagens mais emocionantes da minha vida: “Os pioneiros da Nova Fronteira”. Ficamos três meses perambulando pela Amazônia, percorremos por ar, terra e rio, o Norte do Mato Grosso, onde conferimos alguns acampamentos que hoje são cidades pujantes como Sinop e Alta Floresta, o então território de Rondônia, e o Acre. Nosso objetivo era reportar o avanço da fronteira agrícola.
Este episódio começa em Alta Floresta, quando decidimos alugar um avião para nos levar à cidade de Colíder, não sem antes visitar uma fazenda do grupo Ometto, na divisa com o Pará, e uma currutela de garimpeiros na margem do rio Peixoto de Azevedo.
Alugamos o único avião disponível, um Skyland, monomotor de asa alta, veterano da saga dos garimpeiros. O piloto era um cara conhecido como Bigode. E as lendas sobre suas peripécias o comparavam ao Barão Vermelho.
Saímos em um domingo, assim que o sol apontou no horizonte, depois de uma gigantesca carraspana com o padre Benjamin no meretrício local, chamado Saramandaia, e patrocinado pela cafetina Beth Galaxie, senhora todo-poderosa, que desfilava em seu Ford Galaxie 500, todo branco com um motorista negro de luvas brancas, ainda que só houvesse 500 metros de via na cidade. Nos acomodamos no aviãozinho e não sei porque cargas d’água me deu na veneta de provocar o tal Bigode.
- Quer dizer que você é o bom mesmo! Vamos ver se isso é verdade.
Pois foi a decolagem mais espetacular que eu experimentei em toda a minha vida. Na metade da pista de terra, com pouco mais de 500 metros, Bigode embicou o avião em um ângulo de 90 graus. Só tive tempo de ouvir o João gritar:
- Nunzio! Filho da puta!
Sobrevoamos placidamente o gado alvo na fazenda Ometto e mesmo lá de cima notamos que os funcionários já se movimentavam para nos receber. Quando pousamos foi uma festa.
- Ah! Eu bem que avisei. Borboleta na cozinha é visita! – exclamava Margarida, a mulher do capataz que entre outras tarefas era também a professora da fazenda.
Foi uma manhã e uma parte da tarde muito agradável. Em meio a historias de pastoreio no coração da Amazônia, nos servimos de muito macarrão, pastéis e batida de caju.
Chegou a hora de ir embora. Desta vez me acomodei no banco de trás do aviãozinho. Estava tão desligado que me esqueci do Richtoffen.
Pois desta vez ele decolou e foi para dentro de duas cerejeiras na cabeceira da pista. Metros antes de atingi-las, virou o avião de lado, e passou entre elas. Não satisfeito, retomou o curso e embicou. Era demais!
Desta vez veio o macarrão, o caju e foi tudo para cima do João que estava na minha frente. Simplesmente achei que ele iria me matar, ou na melhor das hipóteses nunca mais iria me dirigir a palavra.
Mas, o dia teria ainda muitas, mas muitas emoções. Ao chegarmos a currutela nas margens do rio Peixoto de Azevedo deparamos com uma visão digna de um filme de Werner Herzog. Para quem não sabe, currutela é um local onde os garimpeiros acorrem para vender o ouro, abastecer-se com mantimentos, entre outras coisas.
A moral do garimpo é própria, característica e muito distante do que um ser urbano possa pensar. Por exemplo, constatamos que havia pelo menos uma dezena de manicures.
Garimpeiros têm fixação por manicure. O meretrício claro, com meninas muito jovens. Armazéns improvisados para gêneros fundamentais como querosene e biscoitos. As vielas são estreitas e asfixiantes. E, claro, há um hospital e um improvisado laboratório de análises.
No meio dos garimpeiros grassava – e deve grassar ainda – a malária. De todos os tipos, da mais inofensiva a mais mortal. O hospital estava cheio de pacientes e um médico alemão, que mal falava português, cuidava de todos em troca de algumas pepitas. Pela idade, deduzi que o dr.Hermann (este era o nome dele) deveria estar no vigor se sua juventude entre 1935 e 1945. Ainda tentei arrancar alguma coisa dele, mas o homem se fechou de forma bastante suspeita.
Nem atentamos para o relógio, quando o Bigode fez a última decolagem do dia, em direção a Colíder. Apenas cuidamos, depois do desastre da fazenda, para que fosse uma decolagem o mais tranqüila possível, diante das condições.
O Joao, precavido, desta vez usava uma espécie de capa de chuva para se proteger de eventuais problemas com seu companheiro de viagem.
Conversávamos animadamente sobre a currutela quando percebemos que alguém havia apagado a luz. Exatamente isso, na Amazônia naquela época do ano, aliás, presumo que no ano inteiro, não há crepúsculos longos. O dia simplesmente desaparece como se alguém tirasse o plug da tomada.
- E aí Bigode, como vai ser?
- Não tenho a menor idéia. Não acho a cidade e mesmo se achar, a pista de pouso aqui não tem iluminação.
Já vi a cara desta senhora, a morte, várias vezes. Mas, daquela vez, ela simplesmente se instalara naquele avião. Sentou-se ao nosso lado.
Pânico! Horror! Nada disso. O João acabara de ser pai da Marina. Reagia tranqüilo. Ficamos em um silêncio profundo.
- Vou tentar achar a sombra de uma cerejeira bem grande e meter o avião por entre os seus galhos. A gente vai se machucar, mas temos uma chance de sair dessa.
Uma perna ou um braço quebrado. Talvez um olho perfurado. Algumas costelas trincadas. Fazer o que?
Eis que, mesmo no escuro da cabine, percebemos que os olhos do Bigode se iluminaram. Com as mãos ele nos mostrava um ponto de luz em movimento.
- Apertem os cintos. Estamos salvos!
Nenhum de nós ousou perguntar que salvação era aquela. Bigode manobrou o avião de forma a se alinhar atrás da luz. Vimos que era uma caminhonete velha. Passou por cima dela e pousou delicadamente na estrada à sua frente, amparado apenas pela luz dos seus faróis.
O motorista da caminhonete veio ao nosso encontro de espingarda em riste, tal o susto que tomou. Mas, depois acalmado ainda nos deu uma carona até Colider, que estava bem perto.
Escapamos de boa! Outro dia continuo a contar as aventuras desta reportagem.
A foto postada no alto foi tirada pelo Bigode no dia seguinte, quando fomos ajudá-lo a decolar. Prestem atenção no cachorro....


        

 

A terceira geração dos Briguglio no Brasil

Atendendo a pedidos insistentes, aliás ufa-ufa que sucesso!, aí vão as últimas fotos da terceira geração dos Briguglio no Brasil.






terça-feira, 28 de setembro de 2010

A conquista de uma fonte muito importante


Janio Quadros e Tancredo Neves: encontro de duas raposas políticas no Jardim Acapulco
 Aprendi desde que comecei minha carreira de jornalista, no longínquo maio de 1971, que a maioria dos políticos são seres que não tem nenhum senso de ridículo e nenhum compromisso a não ser com a própria sobrevivência.
Das minhas experiências com figuras mitológicas da política uma foi bastante marcante: o ex-presidente Jânio da Silva Quadros. Diante da perspectiva de sua volta à política nacional em 1981, Mino Carta me conferiu sobre olhares perplexos da redação (que tinha jornalistas muito mais competentes que eu para este assunto) a missão de reportar a sua volta.
E lá fui eu, Serra do Mar abaixo, até o Jardim Acapulco para uma entrevista com o mitológico homem da Vassoura, da renúncia, do “fi-lo porque qui-lo”. Naquele tempo não tinha nem internet, nem Google. Um amigo havia me preparado um dossiê de matérias publicadas pelo Estadão, que ele havia surrupiado do velho arquivo.
Não eram nem 10 da manhã quando eu soei a campainha. Uma simpática, mas muito simpática, dona Eloá me atendeu com um sorriso generoso e uma pergunta indiscreta:
- Você já tomou café da manhã? Aguarde um pouquinho que o Jânio já vem.
Momentos depois, deslocado para uma biblioteca impressionante, assisti a entrada do mito, acompanhado por meia dúzia de cães, a maioria vira-latas, onde despontava Pipoca, a preferida.
- Muito bem, meu jovem, no que eu posso ajudá-lo?
- Presidente fui encarregado de reportar a sua volta à política.
Foi assim que eu comecei uma entrevista que durou nada menos do que oito horas, devidamente interrompidas pelo almoço e por vários telefonemas. Jânio respondia minhas perguntas com respostas curtas e enfáticas, mas depois me contava histórias e histórias para ilustrar. Não raro se valia dos arquivos para confirmar com fotos e pequenos objetos, citações em obras da biblioteca.
Me lembro de algumas frases dele que jamais esquecerei. Diante da pergunta se iria disputar as próximas eleições saiu-se com essa:
- Disputar uma eleição é sempre bom. Se vencer, melhor ainda!
Jânio tinha admiração por Tancredo Neves e por Ulysses Guimarães. E notável ojeriza por Montoro. Falava de Mário Covas com carinho e do general Golbery com respeito. Sobre Lula preconizava um calvário para o então metalúrgico. Mas argüia que em um cenário político onde não se sabia quem representava quem ou o que, ele, pelo menos sabia de que lado estava.
Subi a Anchieta confesso que perturbado com a lucidez com que ele havia me apresentado o quadro político. Fui direto para a redação e contei para um atento Mino Carta os conceitos que ele havia me exposto.
Mino me mandou para casa e recomendou:
- Venha cedo amanhã, levante o material que você gravou e vamos fechar durante a noite.
Assim eu fiz. E escrevi muito. Muito mesmo. Coisa de 800 linhas, 40 laudas ou, se preferirem 60 mil caracteres. Naquele tempo, o fechamento se prolongava noite à dentro. Já eram duas da manhã e eu estava com a reportagem escrita à espera do chamado do Mino para fechar.
A redação da Istoé naquele tempo funcionava no começo da rua da Consolação e para minha mais absoluta surpresa, o elevador se abre e dele sai ninguém menos que o próprio Jânio, vestindo um palitó surrado de tweed e um imenso cachecol. Ou não me viu, ou não quis me cumprimentar, foi direto para o aquário do Mino.
Fiquei no meu canto, no fundo da redação absolutamente só com os meus botões. Ainda olhei de relance para meu colega e amigo José Meirelles Passos, que limitou-se a balançar a cabeça negativamente.
De repente irrompe o Mino do aquário com o Jânio atrás.
- Nunzio, o presidente me pediu para ler a sua reportagem. Disse a ele que esse não é um comportamento padrão, que eu ainda não li, mas que a decisão é sua.
A redação parou. A impressão que eu tinha era de que o mundo estava parado. Que diabos eu ia fazer?
Peguei a reportagem e um lápis e ofereci ao ex-presidente, que não se intimidou pegou uma cadeira e sentou-se à minha frente. Lia freneticamente, aqui e ali fazia marcações na margem das laudas. Não emitiu um som sequer, mas desfilou uma série infindável de cacoetes, desde mexer o pescoço como se o cachecol estivesse o enforcando, até tentar encostar a cabeça no ombro esquerdo.
Quando estava para concluir, o Mino voltou e ficou em pé ao seu lado, como se quisesse partilhar o veredicto:
- Mino, esta reportagem está cheia de ironias, algumas até mordazes, é bastante crítica a minha pessoa, mas não posso negar que está escrita em bom português.
Jânio me cumprimentou de forma bastante formal e o Mino o levou ao elevador. O sol já brilhava quando o Mino colocou a matéria nas páginas. Saímos juntos e eu dei uma carona para ele. No caminho ele me disse:
- Você se saiu muito bem. Foi elegante e generoso e a matéria não estava mal.
Voltei várias vezes ao Jardim Acapulco. Numa delas foi para cobrir a visita de Tancredo Neves. Estava acompanhado de um dos meus parceiros mais queridos, o então repórter fotográfico Hélio Campos Mello. Ele registrou o encontro e outro dia mexendo nos seus arquivos encontrou a foto que ilustra este post.
Jânio ainda iria dar muita dor de cabeça a muita gente. Fernando Henrique que o diga. Mas, naquela madrugada inesquecível, ele não ganhou o meu voto, ganhou meu respeito. E eu ganhei uma fonte, que nunca me faltou.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Histórias do fim do mundo e do além

Os sirianos poderiam acabar com a terra: o fim do mundo ocorreria em 1995
Presume-se que desde os primórdios da civilização a discussão sobre o fim da existência humana na Terra está entre os assuntos que mais consumiram papel e tinta. Numa tarde modorrenta na redação da Istoé, na Lapa de Baixo, o calor era forte, o ar condicionado como sempre não funcionava, o velho subúrbio da Santos-Jundiaí insistia em passar pela janela com aquele som ritmado. A única coisa que me mantinha acordado eram os raios azuis que emanavam dos olhos de uma das minhas repórteres, a Alessandra, quando sou chamado a portaria porque uma senhora insistia em me ver.
A possibilidade de romper com aquela modorra foi suficiente para me deslocar até a portaria e arrumar uma sala para atender a inusitada visita. À minha frente se apresentou uma senhora, mais ou menos da minha idade, com uma maquiagem claramente excessiva, falante, desinibida, acompanhada de três garotões sarados e mudos.
- Olha sr. Nunzio vim aqui porque o senhor foi indicado e preciso lhe passar informações sigilosas sobre o futuro da humanidade.
Nossa para uma tarde daquelas era quase uma benção.
- Pois não! Sou todo ouvidos.
- No próximo dia 13 de junho o mundo vai acabar. Naves sirianas já iniciaram o deslocamento para destruir o nosso planeta e todos seus habitantes.
O meu queixo caiu mais ou menos até a altura do umbigo. Mas, a mulher independente da minha perplexidade continuava, com explicações cabalísticas que justificavam a sua convicção. Sem saber o que dizer disparei a queima-roupa:
- Muito bem! Então o mundo vai acabar e o que a senhora imagina que eu possa fazer?
A mulher não se fez de rogada.
- Não é o senhor que pode fazer alguma coisa. Sou eu!
Neste momento, alguém bateu na porta para me dizer que o Tão Gomes, o editor da revista estava me procurando para discutir o espelho. E por um instante desloquei o meu eixo de preocupações: isso significava ou antecipação de fechamento ou redução de páginas.
Voltei a mulher que, por alguns instantes estava calada, e cometi o descalabro de inquiri-la:
- E o que a senhora pode fazer?
- Salvá-lo.
- A mim?
- Sim, o seu nome está numa lista de pessoas que podem ser salvas.
Logo eu, pensei. Um pecador juramentado. Um cara que pouco acrescentou a humanidade, a não ser algumas receitas do Sílvio Lancelotti que eu tive a petulância de melhorar.
- E como a senhora pode me salvar?
- Ao senhor e mais algumas pessoas que eu estou visitando. Já ouviu falar em Atlântida, a cidade perdida?
- Sim, claro.
- Pois é, na verdade é uma nave espacial deixada pelos sirianos e que agora pode ser um bote salva-vidas diante do desastre que vai ocorrer.

Salvação: Atlântida seria um bote salva vidas
 - E, por acaso a senhora sabe onde está a cidade perdida?
- Sim. No fundo do lago Titicaca, na Bolívia.
Nem perguntei a mulher como e porque ela sabia disso. Achei que aquela conversa estava transcendendo em muito qualquer padrão de sanidade.
- Olha, a senhora me desculpe, mas eu não estou interessado.
- Como assim? Eu lhe ofereço a oportunidade de se salvar e o senhor não aceita?
- Sabe o que é, eu tenho três filhos ( a Nina não tinha nascido ainda) e um enteado. E, sem eles eu não vou.
A mulher pegou uma estranha calculadora, uma caneta e uma folha de papel, começou a fazer aparentemente contas e mais contas e a fazer sinais e mais sinais estranhos no papel, até que encontrou um resultado que a satisfez.
- Não tem problema, o senhor pode levá-los.
Meu Deus! Quanta insistência. Mas, aí decidi complicar um pouco mais a vida dela.
- Mas, meus filhos não irão sem as mães. São duas ex e mais minha atual esposa.
Novamente mais contas e sinais no papel e novamente um sorriso e uma sentença.
- Ok. O senhor pode levá-las também.
A mulher era mais rápida no gatilho do que um vendedor de enciclopédias. Mas por um instante me surgiu a forma simples de sair daquela enrascada.
- Não vai dar. As três juntas, em uma nave espacial, transformarão o ataque siriano em uma brincadeira. Eu diria que isso sim será o fim do mundo.
Enfim, a mulher enfiou a calculadora na bolsa, guardou a caneta, me cumprimentou, deu um sinal para os meninos mudos e sarados e foi embora.
   

Histórias do fim do mundo e do além


O prédio da Manchete: abandonado até hoje

Histórias como essa da mulher louca parecem me perseguir ao longo de 40 anos de profissão. Logo após o acidente da TAM, aquele do Fokker 100 que se esborrachou no Jabaquara, soube que a Força Aérea Brasileira mantinha uma lista de sensitivos, ou pessoas com Percepção Extra-Sensorial, capazes de ajudar os técnicos a elucidar a causa de acidentes aeronáuticos.
Na época, eu era editor executivo da gloriosa revista Manchete e confesso que a história não me pareceu absurda. De tal sorte que despachei a grande repórter Christiane Ramalho para Salvador, onde descobrimos vivia uma destas criaturas.
Dois dias depois, a Christiane voltou com a história e com a mulher junto, que não continha sua ansiedade em nos fazer revelações sobre nosso futuro.
Como a hora do almoço se aproximava, pedi a Christiane que contivesse a ansiedade da mulher por mais um pouco, enquanto tentava convencer o Tão Gomes, o editor, e o Octavio Costa, o outro editor executivo a partilhar das revelações enquanto saboreávamos aquela inesquecível feijoada köscher das quartas-feiras, na cobertura do prédio projetado por Oscar Niemayer no bairro da Glória.
Ainda me lembro que da janela do refeitório podíamos ver o porta aviões Minas Gerais fazendo manobras no meio da Baía da Guanabara, quando a Christiane apresentou aquela criatura aparentemente adorável. E ela não se fez de rogada:
- Quero avisar vocês que isso aqui não vai a lugar nenhum. Esta empresa está falida. Todos vão perder o emprego!
A mulher ficou aterrada com a nossa reação. Todos começamos a rir.
- Vocês não me acreditam?
- A senhora não nos leve a mal. Mas, digamos que não é preciso ter percepção extra-sensorial para saber disso.
Em meio a garfadas de maxixe e lingüiça de vitela, a mulher riu e continuou a falar no nosso futuro.
- Este edifício vai ficar abandonado por muito tempo. Vocês três vão viver juntos em outra cidade, provavelmente em Brasília, mas só dois de vocês vão criar raízes.
Em seguida apontou para o Tão e disparou:
- Você não vai agüentar e vai viver em uma cidade do Interior, provavelmente de São Paulo.
Para mim ela reservou duas bombas:
- Você vai voltar a trabalhar com política, vai trabalhar no governo, e vai ganhar outro filho, provavelmente uma menina.
Terminamos o almoço de forma civilizada. Agradecemos a companhia da vidente e  ainda pedimos para a Christiane cuidar para que ela embarcasse de volta com conforto e segurança.
Ainda me lembro que a Christiane nos premiou com uma bela reportagem, que eu editei com bastante disposição.
Pode ter sido apenas uma coincidência, mas eu, o Octávio e o Tão, nos reencontramos de novo em Brasília. Aqui trabalhei no Senado e depois integrei o governo do presidente Lula desde o primeiro dia. O Octavio ainda é o diretor da sucursal da revista Istoé. E o Tão, depois de algum tempo, mudou-se para Indaiatuba.
No dia 4 de outubro de 1998, minha esposa Rejane me deu uma filha linda chamada Nina. E o prédio da Manchete, na rua do Russel, na Glória, continua abandonado até hoje.
II

Outra história da Manchete que eu nunca vou esquecer, guarda relação com o saudoso jornalista Ney Bianchi.
Ney era um dos editores de Manchete e eu tinha por ele verdadeira adoração. Não por nada, mas apenas porque o considerava um dos mais talentosos jornalistas esportivos da geração anterior a minha.
Uma de suas principais obsessões, no entanto, era o fenômeno paranormal do dr.Fritz. Ele havia entrevistado o médium Arigó, que recebeu pela primeira vez o espírito do médico alemão, catalogara suas outras manifestações, viajou para a Europa e confirmara informações que recebera do próprio espírito.
Escreveu um pequeno opúsculo, aliás muito bem escrito, onde revelava que o dr.Fritz na verdade se chamava Adolf e teria desencarnado  durante a I Guerra Mundial, quando um obus russo penetrou dentro do hospital onde ele trabalhava, na célebre batalha de Tannenberg.
Adorei o livro. Adorei o assunto. Mas, por alguma razão deixei o trabalho do Ney hibernando na minha gaveta.
Ele sempre me cobrava e eu respondia:
- Nesta semana Ney, eu mesmo vou escrever.
E ele respondia:
- Nunzio, enquanto eu estiver cobrando tudo bem, quando o alemão te cobrar você vai se assustar.
Assim foi até que numa manhã despertei acometido de violento e inesperado ataque de hemorróidas. A dor era tão violenta que se irradiava pelas costas e pelas pernas. Só penei mais, recentemente quando tive que expelir alguns cálculos renais.
As palavras do Ney não saiam da minha cabeça. Mas, eu estava tão mal que sequer me achava capaz de dirigir.
Tomei um taxi, mas minha aparência era tão sofrida que o motorista insistia em me levar para o hospital.
Nem sei como consegui escrever. Não havia analgésico capaz de atenuar a dor que eu sentia. Finalmente no início da noite, depois de um suplício tremendo, coloquei a última legenda, revisei o último parágrafo e soltei, com toda a força dos meus pulmões a palavra mágica de 10 entre 10 jornalistas.
- Deeeeesce!
Como em um passe de mágica, a dor sumiu. As hemorróidas desapareceram.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Reflexões a partir de 10 Downing Street

Winston Churchill na época da guerra
No início do ano de 1945, o chamado mundo livre respirava aliviado. Em maio a Alemanha havia se rendido e a guerra no Japão também parecia decidida. Winston Spencer Churchill era um dos grandes vencedores. Primeiro ministro da Inglaterra, ele havia evoluído da posição solitária de 1940, quando a Europa praticamente toda estava nas mãos dos nazistas, para integrante de uma aliança vencedora com os Estados Unidos de Roosevelt e a União Soviética de Stalin.

Por isso mesmo, quando o Parlamento inglês, que Churchill liderava numa coligação jamais vista no Reino Unido, decidiu se dissolver, o velho cão britânico rosnou, não gostou, mas aceitou disputar uma eleição antes do Japão assinar a rendição.

Churchill fez uma aposta maluca. Contaminado pelo clima de disputa com a popularidade do exército vermelho e do líder soviético Josef Stalin, além dos prelúdios do que viria a ser a guerra-fria, o líder inglês fez um discurso ultra-conservador.
Procurou colar as aspirações trabalhistas-socialistas as práticas nazistas e defendeu um british-way-of-live que ele mesmo sabia que estava em transformação.

Tomou uma tunda tão grande, que sequer se elegeu representante da Câmara dos Comuns ( a Câmara dos Deputados) em seu distrito. Os trabalhistas lavaram o país.
Stalin do alto da sua ironia telefonou para se solidarizar e saiu-se com essa: “Aqui isso não aconteceria”. Na verdade, os dois não se suportavam, pelo menos a julgar pelo que contam seus biógrafos e o próprio Churchill, que entre outras características, escrevia como um deus. Quem quiser conferir, encontrará os dois volumes de Memórias da Segunda Guerra, publicados pela Nova Fronteira, em qualquer boa livraria.

Os ingleses, por sua vez, revelaram uma maturidade impressionante. Reservaram para Churchill o papel de grande condutor e de salvador da pátria na luta contra os nazistas. Mas, apontaram a porta de saída do gabinete de 10 Downing Street. Mais tarde o reconduziriam à liderança. Mas, naquele exato momento não estavam interessados em conservadorismo, queriam receber seus heróis de volta com o aceno da modernidade e das conquistas sociais.

Atribui-se a Churchill uma das maiores maldades da Segunda Guerra: o bombardeio pela RAF da cidade histórica alemã de Dresden. Ele teria se justificado com razões políticas, mesmo diante da oposição do alto comando militar, que preferia outro alvo.

Dresden era uma pacata cidade da Saxônia sem qualquer fábrica ou instalação militar e foi alvo de uma bombardeio de mais de 3.900 toneladas de aparatos explosivos e incendiários entre os dias 13 e 15 de fevereiro de 1945. Quem quiser conferir mais detalhes sobre este crime bárbaro encontra nas locadoras um filme alemão de 2006, chamado Dresden-O Inferno. Vale a pena!


Encontro de Yalta: Churchill, Roosevelt e Stalin


Alguns historiadores entendem que Churchill queria mostrar a Stalin que a RAF também era poderosa e se contrapor aos feitos do exército vermelho. Mas, pode-se dizer que uma parte do mundo havia enlouquecido naquele ano. Afinal, os soviéticos simplesmente tomaram metade da Europa, na maior cara-dura. E os americanos, com a morte de Roosevelt e a ascensão de seu vice, Harry Truman, uma marionete deslumbrada na mão dos vingativos militares, não hesitaram em lançar as duas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, quando o Japão já não oferecia nenhuma resistência militar.

Mas, quando esta confusão atinge o seu ápice, Churchill está dedicado apenas aos seus charutos e as suas memórias.
Quem quiser se aprofundar mais na personalidade de sir Winston Churchill tem à sua disposição um dos melhores trabalhos produzidos pela HBO, batizado Into the Storm, ou Dentro da Tempestade. Trata-se de um trabalho bem documental, pouco romanceado, entremeado de filmes autênticos, com uma interpretação impressionante do ator inglês Brendan Gleese.

Churchill é um dos mais impressionantes personagens do século XX. Seu discurso na BBC e no Parlamento, logo após a retirada de Dunquerque (quando praticamente todo o exército inglês estava sitiado pelo exército alemão), e que ficou famoso pela célebre frase We’ll never surrender!  é certamente uma das mais marcantes manifestações do espírito britânico e, porque não, de todo o mundo livre.
A guerra fria já não existe mais. A Segunda Guerra ficou na história. Mas, Churchill é um bom ponto de reflexão para quem quer conhecer o passado.





John Ford em Brasilia, começa dia 28 próximo

 
 
 
 
 
 
 
 
Como eu prometi, ai vai a programação do festival John Ford, no CCBB, em Brasilia. Agendem seus prediletos.
 
 
28/09
Terça-feira
16h
18h30
20h30
AS VINHAS DA IRA
129min, 35mm
29/09
Quarta-feira
16h
SANGUE DE HERÓI
127min, 16mm
18h30
LEGIÃO INVENCÍVEL
103min, 16mm
20h30
RIO GRANDE
105min, 16mm
30/09
Quinta-feira
16h
O FURACÃO
102min, 16mm
18h30
O DELATOR
91min, 35mm
20h30
AO RUFAR DOS TAMBORES
103min, 16mm
01/10
Sexta-feira
16h
RIO GRANDE
105min, 16mm
18h30
LEGIÃO INVENCÍVEL
103min, 16mm
20h30
BUCKING BROADWAY
49min, 35mm
02/10
Sábado
12h
DOMÍNIO DE BÁRBAROS
104min, 16mm
14h
Curso: Módulo 1
(Re)vendo Ford: autorismo e gênero em questão
17h30
RASTROS DE ÓDIO
119min, 35mm
20h
03/10
Domingo
13h
QUATRO FILHOS
100min, 16mm
15h
SANGUE DE HERÓI
127min, 16mm
17h30
A MOCIDADE DE LINCOLN
101min, 35mm
20h
AS VINHAS DA IRA
129min, 35mm
05/10
Terça-feira
16h
SANGUE POR GLÓRIA
111min, 16mm
18h30
TERRA BRUTA
109min, 35mm
20h30
RASTROS DE ÓDIO
119min, 35mm
06/10
Quarta-feira
16h
O ÚLTIMO HURRAH
121min, 35mm
18h30
CAMINHO ÁSPERO
84min, 35mm
20h30
MARIA STUART
123min, 35mm
07/10
Quinta-feira
16h
MARIA STUART
123min, 35mm
18h30
O CÉU MANDOU ALGUÉM
106min, 16mm
20h30
O FURACÃO
102min, 16mm
08/10
Sexta-feira
16h
O ÚLTIMO CARTUCHO
51min, 35mm
18h30
PAIXÃO DE FORTES
97min, 35mm
20h30
CARAVANA DE BRAVOS
86min, 35mm
09/10
Sábado
12h
PAIXÃO DE FORTES
97min, 35mm
14h
Curso: Módulo 2
A Irlanda de John Ford
17h30
DEPOIS DO VENDAVAL
129min, 35mm
20h
PEREGRINAÇÃO
90min, 16mm
10/10
Domingo
13h
TERRA BRUTA
109min, 35mm
15h
O ÚLTIMO HURRAH
121min, 35mm
17h30
SETE MULHERES
86min, 35mm
20h
O ÚLTIMO CARTUCHO
51min, 35mm
12/10
Terça-feira
11h
14h
16h
18h30
20h30
DEPOIS DO VENDAVAL
129min, 35mm
13/10
Quarta-feira
16h
A BATALHA DE MIDWAY
18min, 16mm
+
+
ASAS HEROICAS
83min, 35mm
18h30
20h30
A ÁGUIA AZUL
58min, 35mm
14/10
Quinta-feira
16h
18h30
NAS ÁGUAS DO RIO
80min, 16mm
20h30
O CAVALO DE FERRO
120min, 16mm
15/10
Sexta-feira
16h
NAS ÁGUAS DO RIO
80min, 16mm
18h30
A BATALHA DE MIDWAY
18min, 16mm
+
+
ASAS HEROICAS
83min, 35mm
20h30
16/10
Sábado
12h
O CAVALO DE FERRO
120min, 16mm
14h
Curso: Módulo 3
John Ford e as encenações da História
17h30
20h
17/10
Domingo
13h
15h
17h30
20h

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ritsuko, Kurosawa e o Yamato

Ritsuko era uma jovem nissei, sempre alegre e reservada, que pagava caro os olhos puxados, os longos cabelos negros e uma impressionante eficiência nos livros e cadernos do ensino médio. Ela sempre sobrava nas festas e provocava uma reverência respeitosa, quando na verdade, tudo o que ela queria era ser tratada como uma menina igual a qualquer outra.
Confesso que foi um pouco o sentimento de pena que me moveu em direção a ela no final de uma festa na rua do Acre, na velha Mooca, aniversário de alguém, cumprido em uma noite fria e garoenta. Ainda me lembro do casaco espartano que ela usava, mais parecido com uma japona. A saia azul marinho rodada. O sapato e as meias brancas.
Ela morava na rua Guaimbé, no mínimo umas 20 quadras da festa. E naquele tempo, não tinha essa de pai pegar filho em festa, por isso, caminhamos mais de uma hora, a passo de cágado, enquanto discorríamos sobre o conflito dos costumes de uma família italiana, como a minha, e uma família japonesa, como a dela.
O papo foi superanimado. Na segunda-feira à noite, quando as aulas terminaram, não me incomodei em fazer uma longa volta para acompanhá-la até sua casa. E assim foi na terça, na quarta e assim por diante. Até que criei coragem e convidei-a para um cinema no sábado. Ela aceitou de pronto, com uma observação: “Nós sempre vamos ao cinema, a minha família toda, e teremos muito prazer que você nos acompanhe”.
Fiquei um pouco perplexo, mas nesta altura do campeonato, o que poderia acontecer? Na hora aprazada me apresentei, cabelos penteados, aquela surrada blusa de gola godê preta, e um pouco daquele ar rebelde dos anos 60. Quando a família dela finalmente saiu, conclui que não caberíamos todos no velho Perfect (um carro inglês muito popular no Brasil naquele tempo) do pai dela, um japonês elegante, ele usava terno e gravata,  e que me cumprimentou como se eu fosse um poste.
Enquanto a família se deslocava no Perfect nós, eu e Ritsuko, pegamos o velho 26, Praça Clóvis-Parque da Mooca, e descobri perplexo que iríamos ao cinema sim. Mas, ao cine Nippon, no bairro da Liberdade. Quando chegamos Akiko, sua irmã mais nova estava com os ingressos na mão. A família já estava acomodada na sala de projeção e aliás, a sessão já havia começado com a projeção de um telejornal, algo parecido com Notícias do Japão.
Onde eu havia me metido?
Pois quando a projeção do filme começou, me senti como invadido por um estranho sentimento. A fotografia em branco e preto, absurdamente realista, a trilha sonora insistente que apenas pontuava a ação. E a história! Tratava-se de uma aldeia ameaçada por renegados, em meio a guerra civil japonesa do século XVII, e a decisão dos colonos em contratar samurais para defendê-los.
O filme tem três horas e meia. Mas, não consegui desgrudar meus olhos um segundo da tela. No final da história, os renegados destruídos e quatro samurais mortos. Um dos sobreviventes – na verdade um aprendiz de samurai – decide se entregar aos encantos de uma camponesa e os outros dois travam o seguinte diálogo:
- Mais uma vez nos vencemos – diz um deles, o mais jovem.
- Não. Você está enganado. Eles é que venceram – diz isso referindo-se aos camponesas, enquanto a câmara mostra o plantio do arroz, ao som ritmado de um tambor.
Meu Deus! Aquilo para mim era uma novidade impressionante. Mas, a noite me reservava ainda outras surpresas. No caminho de volta, comportadamente sentados no velho 26, Ritsuko ainda me ilustrava sobre a história do Japão, a relação sagrada dos japoneses com a terra e com a agricultura. De quebra me dizia que o diretor daquele filme era um dos mais influentes e competentes diretores japoneses: Akira Kurosawa e que aquele filme, que o ignorante aqui acabara de ver, chamava-se Os Sete Samurais.
Desde aquele sábado passei a freqüentar a casa de Ritsuko. Entabulamos um namoro super-comportado, sem nenhum compromisso. A minha curiosidade e, acreditem, a minha conveniente humildade diante de um mundo novo que se descortinava aos meus olhos, fez com que a família dela tolerasse os meus arroubos mediterrâneos.
Me apaixonei para valer de Ritsuko. Nunca disse isso para ela. Me sentia integrado e protegido por aquela família. Aprendi muito. E mesmo em um tempo em que produtos japoneses eram considerados frágeis, baratos e imprestáveis (como são os chineses e coreanos hoje), seo Kahoro, o pai de Ritsuko, me alertava sobre a capacidade impressionante de trabalho e de pesquisa do povo japonês, muito antes que eu pudesse ler o “Made in Japan”, o célebre livro de Akio Morita, o cara que inventou nada mais nada menos do que a Sony.
Um belo dia Ritsuko me disse que iria estudar no Japão. E a família Abe saiu da minha vida, ao mesmo tempo em que eu estudava como um louco para fazer o exame do Mapofei.
Ainda outro dia, vi Ritsuko na NHL, a tevê estatal japonesa, ela se transformou em uma espécie de Ophra Winney nipônica. Nunca mais voltou ao Brasil. Devo a ela, além de ter descoberto o excelente cinema japonês, o prazer em degustar a sua gastronomia (muito antes de virar moda e alguns imbecis colocarem tomate secchi e cream cheese no sushi), a reverência ao chá e o respeito a um país e uma cultura milenar.
Por que diabos me veio a mente a lembrança doce da Ritsuko?
Por conta de um filme japonês, disponível apenas em DVD, chamado Yamato, produzido em 2005, e que estranhamente ficou longe das salas de exibição e até das tevês a cabo.
Para quem não sabe, Yamato é o nome do maior encouraçado de guerra já construído em todos os tempos. Ele era a nau capitânea da armada japonesa na Segunda Guerra Mundial, deu um trabalhão para os americanos, e foi afundado no dia 7 de abril de 1945, no Mar da China.
Como está na moda filmes que mostram agora também o lado dos derrotados – mérito sobretudo do cinema alemão – imaginei que tratava-se de um destes exemplares.
Definitivamente é muito mais do que isso. Como diria um amigo meu: “Vai contar uma história bem contada assim no inferno!”
O veterano diretor Junya Sato reconstruiu o Yamato em computação gráfica e recriou a batalha que culminou com o seu afundamento com uma precisão impressionante. Mas, o que ele mostra em mais de duas horas de filme é uma sequência de personagens impressionantes, de histórias de vida que transcendem o heroísmo e que agregam uma lição de vida, muito além da derrota militar e do aniquilamento de uma nação.
Tenho amigos que ainda torcem o nariz para peixe cru. Mas, acreditem Yamato é um kai-sec, um banquete. Um filme emocionante, sem ser piegas, e que guarda uma revelação singela ao final, que me reportou o mesmo sentimento que eu havia experimentado quando vi, com as mãos apertadas com Ritsuko, as quatro tumbas da cena final de Sete Samurais.
Temos vivido nos últimos dias momentos de profunda emoção e tensão no nosso dia-a-dia. Estamos diante de um pleito eleitoral que pode marcar indelevelmente a nossa história e que, com certeza, ao seu final vai apontar o caminho para o país que queremos ser no futuro. Os japoneses já sabiam que país queriam um mês antes do Yamato, a última embarcação de guerra da marinha japonesa, soçobrar e repousar no fundo do Mar da China. Esta é mais uma lição que deveríamos, nós brasileiros, aprender com os patrícios da Ritsuko: olhar para o futuro com os pés bem firmes no presente.
        

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Alvíssaras! John Ford vem a Brasilia


       












“Ó incautos! Ó pobres de espírito!”. Mais ou menos deste jeito o jornalista Danton Peabody, notável personagem de “O Homem que Matou o Facínora” anunciaria a retrospectiva John Ford que o CCBB inicia hoje em São Paulo, com 36 filmes do diretor americano de ascendência irlandesa, falecido em 1973, e que depois virá a Brasília e ao Rio de Janeiro.
Para se ter uma idéia da importância de Ford para a indústria do cinema, basta dizer que em qualquer lista dos três melhores westerns de todos os tempos, ele sempre aparece com pelo menos três títulos: “No tempo das diligências”(1939), “Rastros do Ódio”(1956) e “O Homem que matou o facínora”(1962). Além disso, ele ostenta um dos mais gloriosos elogios que um cineasta pode receber. Perguntado sobre que filme ele admirava e gostaria de ter feito, Serguei Eisenstein respondeu: “A Mocidade de Lincoln” (1939), do mais completo diretor que eu conheço”.
Eisenstein não era um homem de muitos elogios. Este foi feito de coração. Até porque ele sabia que Ford acompanhava seus trabalhos pessoalmente, revisava os roteiros e liderava o processo de finalização. Principalmente a montagem, onde ele aplicava os ensinamentos do mestre soviético, contidos em seu livro “A forma do filme”.
Ford dirigiu mais de 150 filmes, incluindo várias obras primas que ele fez no esforço de guerra, entre 1941 e 1945. É dele um dos títulos mais emblemáticos de toda a história do cinema: “Vinhas da Ira” (1940), baseado no livro homônimo de Steinbeck, e que era o filme predileto do presidente Franklin Delano Roosevelt.  
Aliás, o filme que conta a história de uma família, no meio da depressão americana, que perde a fazenda em Oklahoma e percorre um pais totalmente destruído em busca de trabalho em uma plantação de pêssegos na Califórnia, é certamente um dos 10 melhores filmes de todos os tempos.
Outro filme marcante de sua filmografia é “Como era verde o meu vale” (1941), passado em uma aldeia de mineradores de carvão no País de Gales, onde desponta uma das mais lindas atrizes britânicas, Maureen O’Hara, também estrela maior  de “Depois do Vendaval”(1952), passado na Irlanda natal do diretor.
A mostra traz também um documentário sobre o diretor, com uma longa entrevista de Ford concedida a ninguém menos que Peter Bogdanovich, cineasta e cinéfilo juramentado, e que já foi exibida no TCM.
É para bater a língua nos dentes e esperar em breve pela programação em Brasília. Prometo divulgar aqui a programação integral. Ford na telona é um raro privilégio!