quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Brahms, Bruckner e as curvas da estrada de Santos

Depois de uma quarta de Brahms notável, onde o jovem Eduardo Strausser mostrou todo o seu talento e a Orquestra Sinfônica Municipal revelou porque John Neschling, seu titular, é um dos maiores regentes do mundo, desci a Serra do Mar com os ouvidos fixados na Nona Sinfonia de Anton Bruckner. O último trabalho sinfônico do compositor austríaco.

Já ouvi esta sinfonia incontáveis vezes. Tenho dois registros, o de Bruno Walter com a Columbia Symhony e o de Eugen Jochum com a Bavária. Sempre que os ouço, tenho a impressão que estou ouvindo pela primeira vez.

Trata-se de um trabalho marcante, ainda mais porque Bruckner, um humilde maestro-capela, adorador de Richard Wagner, decidiu espontaneamente não concluir sua composição. A exemplo do que seu conterrâneo Franz Schubert havia feito décadas atrás, quando imaginava compor sua nona sinfonia, quando na verdade compunha sua oitava, ele também justificou com a máxima que nona sinfonia, só a de Beethoven.



Bruckner: no final da vida escreveu três sinfonias que apontaram para o futuro




Bobagem ou não, esta nona inacabada de Bruckner em três movimentos é uma pancada. Acordes menores, apoiados por tubas wagnerianas na orquestração, o que acentua o início obscuro, para depois, em contraste, iluminar a partitura com um contraponto genial entre os trompetes, as trompas, os trombones e as cordas graves, sobretudo os contra-baixos.

A quarta de Brahms na leitura do jovem Strausser teve o dom de ressaltar o carater terminativo de um período histórico da música alemã, que começou com Beethoven e foi marcante com Schubert e Schumann. Era como se o compositor estivesse dizendo: “olha este é o máximo que podemos chegar. Agora é com vocês”.

De fato, na linha paralela o wagnerianismo corria solto. E o pós romantismo com Bruckner, Mahler, Richard Strauss mostrava um novo caminho.

Curiosamente, ainda que acometido por uma humildade artística e histórica impressionante, o que o relegou a um segundo plano, Bruckner viveu intensamente todos os movimentos musicais do século XIX. Nasceu em 1824 e faleceu em 1896. E sua obra mostra isso. Suas primeiras sinfonias mostram mesmo as contradições de um século generoso em termos de descobertas musicais. Nas três últimas, entretanto, a sétima, a oitava e a nona, ele marca uma transição sinfônica impressionante. Ao contrário de Brahms que disse chegamos até aqui, Bruckner diz: este é o futuro.


Há quem diga, e eu concordo, que os primeiros acordes do século XX são aqueles da clarinete no início da Salomé. Mas, para chegar lá, Richard Strauss teve por trás de si muita escola. Muito caminho percorrido.  

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

GIANNIIIIIIIIIIIIIII....... Addio!



Mais um dos grandes que vai para a eternidade: "Io ero Sandokan"






Droga! Sinto-me cada vez mais sozinho. Agora com a morte de Ettore Scola parece que um pedaço de mim morreu também. Genial a manifestação do grande Juan Campanella: “Obrigado Ettore, por ter mudado minha vida”.

Faço minhas as palavras dele.

Parece incrível que eu ainda me lembre da noite escura e chuvosa em que, um moleque besta como eu, desceu as escadas do antigo Cine Coral na rua Sete de Abril, para ver um estranho filme chamado “Nós que nos amávamos tanto”. Título engraçado pensei.

Quando eu sai do cinema, duas horas e algumas existências depois, eu não era mais o mesmo. Nunca mais seria. “Gianniiiiiiiii.....”

Assisti este filme mais de 50 vezes. Tenho uma cópia em DVD que deve estar até gasta. Nunca me canso. ...”E io ero Sandokan!”

Scola abriu a minha mente. Me ensinou que coisas sérias não precisam ser ditas com a tonitronicidade (xi, inventei isso agora, quer dizer de forma tonitroante) do Sinai. E sim com bom humor, humanidade e tolerância. Coisa que a esquerda latino-americana nunca aprendeu. Sempre se levaram muito a sério.

Dois outros títulos de Scola me impactaram sobremaneira. “Feios, sujos e malvados”, tranquilamente a melhor interpretação de Nino Manfredi. E o abismal “Um dia muito especial”, em que Marcello Mastroianni e Sophia Loren retratam angustia e ansiedade da forma mais realista que eu já vi. Só um gênio de outro planeta para fazer uma dona de casa, careta e fascista, estuprar um radialista, gay e comunista, no dia em que Adolf Hitler visitava Roma.

Já falei de três filmes fora de série, muito acima da média. Mas tem mais: “As aventuras do capitão Trovão”, que consagrou o grande Massimo Troisi. E uma bobagem, “Casanova e a Revolução”, fantasia sobre a fuga de Paris do famoso galanteador veneziano, decadente e impotente, vivido por Mastroianni e co-estrelada por ninguém menos que Hanna Schygulla.

Estes cinco, como dizem os italianos, podem ser chamados de capo lavoro. Ao todo foram 40 filmes em uma carreira brilhante que termina com a homenagem prestada ao grande Federico Fellini, seu mestre e de nós todos, com o agradabilíssimo “Que estranho chamar-se Federico”.

Tenho certeza que gênios como Scola não desaparecem com a morte. O seu espírito, sua inteligência e sua sagacidade devem ter ido para um lugar especial onde já estão, o próprio Fellini, Monicelli, Pietro Germi, Pasolini, Visconti, entre outros.


E quando bateu na porta deste lugar, Ettore ouviu do outro lado: “Giannnnnnnni.........”