quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Sobre baleias, jornalistas, maestros e destinos


Ahab, senhor do convés do Pequod: É uma baleia branca, homens





“Há um deus no firmamento e um capitão no convés do Pequod!”

A frase evidentemente é do romance clássico Moby Dick, de Herman Melville, e surge no momento em que o imediato Starbuck, convencido da loucura do capitão Ahab, tenta convencer os oficiais do baleeiro que aquela aventura ensandecida atrás da baleia branca resultaria na morte de todos.

Curiosamente quando Ahab sucumbe amarrado a própria baleia, quem dá o comando de ataque a Moby Dick, para surpresa de todos, é o próprio Starbuck. Questionado ele lança mão de um argumento pragmático ao extremo: “É apenas uma baleia, uma baleia branca, gigantesca, mas uma baleia. E nós somos baleeiros. Só existimos porque caçamos baleias”...

Fico imaginando nos meus delírios, o que aconteceria se Starbuck convencesse os outros imediatos a destituir Ahab do comando do Pequod e abandonado a corrida contra Moby Dick. O baleeiro teria voltado para a Nova Inglaterra abarrotado de óleo. Os marinheiros imediatamente processariam as viúvas, donas do navio e seus administradores quakers,  por assédio moral do capitão. Afinal, como se definiria aquela cena louca no meio da tempestade em pleno Oceano Índico, quando o capitão para incitar seus marinheiros a navegar, simplesmente agarrou o fogo de San Thelmo.

Alguém poderia trocar o convés do Pequod pelo palco de um teatro de concerto. E logo a frase de Melville ficaria assim: “Há um deus no firmamento e um maestro no pódio”.

E isso me remete a Arturo Toscanini.

Me corrige o maestro Neschling com propriedade. No caso de Toscanini o conceito é ainda mais radical: "Pode haver um único deus no firmamento, mas com certeza há um único maestro no pódio".  

Imagino o volume de ações que o genial maestro italiano teria que responder por assédio moral. Afinal, ensaios de 12, 14 horas.

Mas, poderia ser o contrário.

- Senhores, esta passagem do compasso 35 ao 60 não me sensibilizou. Que tal repeti-la? – diria o maestro.

- Olha maestro, para nós está muito boa. O senhor com esta mania de procurar a perfeição nos obriga a repetição, o que atenta contra a nossa conduta profissional.

Devo muito do que sei hoje ao que aprendi do mestre Mino Carta. E se alguém acha, ou não acha coisa nenhuma, prevalece sempre a máxima: “Há um deus no firmamento e um único chefe de redação”.

- Olha jovem, de tanto talento e formosura, este texto está confuso. Você não acha que falta um lead? Talvez um approach mais apropriado? E estas fontes que você cita, não deveriam ser mais qualificadas? Reflita sobre isso e me entregue um novo texto amanhã.

Não é assim que funciona. Ahab pregou um dobrão espanhol no mastro que premiaria o primeiro marinheiro que avistasse a baleia branca. Era mais ou menos como o Mino fazia antes de sairmos da redação: “Its a white wale, man!”

Meu compadre Bastião, o jornalista Tão Gomes Pinto, além de mestre, amigo, ensinava jornalismo nos pequenos e nos grandes gestos. Era uma espécie de Starbuck fiel.

Certa vez, no meio de um fechamento brigado, quer dizer quando a luta por espaço no espelho da revista faria uma trincheira da Grande Guerra virar um local de picnic, ele mandou seus repórteres jantarem o maldito arroz com linguiça e ovo, enquanto deliberava o que iria fazer. Na volta colocou todos nós no entorno da sua mesa. Uma bobagem:  José Meirelles Passos, Otávio Pena Branca Ribeiro, Caco Barcelos e eu. Tínhamos apurado sobre uma rebelião na Casa de Detenção e tínhamos dados suficientes para escrever um livro cada um.

- Muito bem senhores, temos seis páginas, não mais e temos que publicar várias fotos. Vou começar a escrever o lead e depois cada um de vocês será chamado a dar informações.

“E o Metrô sequer diminuiu sua velocidade. Passava ligeiro enquanto embaixo da estação Carandiru, 15 detentos faziam a direção do presídio e mais seis convidados reféns de uma rebelião”.  Assim o bom Tão começou e nós acabamos.

Roberto Stuckert o grande fotógrafo de Brasília certa vez me disse que eu era mau. Ou seja, fazia o pessoal que trabalhava comigo sofrer muito. Nunca havia me dado conta disso.

Uma vez ao chegar na redação disse a uma estagiária que não fosse embora antes de falar comigo. A menina foi parar na enfermaria.

De outra vez, minha editora teve que sair mais cedo por qualquer motivo e eu mandei um recado para dois focas, que eles deveriam fechar comigo. Os dois entraram na sala tremendo como varas verdes e soando a píncaros. Depois se habituaram, hoje os dois estão na grande mídia e brilham nas páginas. Em tempo: e são meus amigos.

Aprendi com meus mestres, duros mestres, que a melhor forma de alcançar o melhor resultado é ensinando. Foi assim comigo e tive o privilégio de ensinar os filhos do Tão, do Mino e do Caraballo. Sinal que eu fui um bom aluno.

Acho que de um jeito ou de outro, todos estamos no convés do Pequod, com os olhos no mar em busca da baleia branca. Diante de nós o implacável capitão Ahab, obcecado pelo destino, não só dele como o de todos nós. Quem leu, sabe como Melville acabou o romance. E aí somos todos Ishmael. Sobrevivemos para poder contar esta história.


quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Puxa! Bem que o final podia ser outro



Colin Firth e Emily Blunt: brilhantes como rea a tradição britânica de atores




As vezes a surpresa vem por acaso. Numa noite tensa a gente descobre um filme de título não inspirador “Meus Anos Incríveis”. Na verdade o filme se chama “Arthur Newman”. Com um par de atores britânicos que para dizer o mínimo estão arrebentando a boca do balão: Emily Blunt e Colin Firth. A tv a cabo, principalmente estes pacotes gratuitos tipo Telecine Play, tem a vantagem de permitir arrependimentos e até adiamentos.
O roteiro de Beck Johnston é bastante animador: um cara que pretende largar a vida anônima de alto executivo do Federal Express em Orlando-Flórida, onde segundo ele mesmo dirigia um andar, as lembranças ou lambanças de um casamento que se desfez; um filho que o considerava um chato renomado; a namorada bancária cuja maior tarefa na vida era conferir os extratos dos depositantes. Para tanto, ele engedra o sonho recorrente de qualquer mortal, ganhar uma segunda chance. Matar, literalmente, a existência atual e abraçar outra, novinha em folha, ou no mínimo com pouco uso.
Não se trata digamos de uma sacada nova. Antonioni fez isso em Profissão Repórter, com Jack Nicholson e Maria Schneider; Pirandello escreveu o maravilhoso As Duas Vidas de Matias Pascal, que Mastroianni e Monicelli fizeram para a TV italiana.
Firth tem se revelado um ator brilhante. É bem verdade que tem filmado demais. Blunt é simplesmente divina. Honra a tradição britânica de atrizes competentes e desgraçadamente belas e sensuais.
As primeiras linhas de sua personalidade são interessantíssimas. Ela vai presa por roubar um carro de um caso eventual e se livra porque ameaça contar a esposa dele o que havia ocorrido. Como se não bastasse toma uma overdose de um xarope a base de morfina e vai parar em um hospital. Nosso herói, por sua vez, havia acabado de encenar a própria morte numa praia, havia arrumado documentos falsos com o nome de Arthur J. Newman e flanava livre, leve e solto, a bordo de um SL 280 conversível.
O roteiro neste momento transforma o filme num road-movie clássico. Ele busca o sonho de ser professor de golfe em uma academia na Carolina do Norte, acho, e ela o acompanha, até porque não tem coisa melhor a fazer. O embate do caretão chato e da descolada mundana é pincelado ainda com a transgressão conjunta de viverem personagens reais que encontram pelo caminho. Encenam a lua de mel de um casal de idosos que havia acabado de se casar e saído de férias, invadindo a casa vazia dos dois. Depois a relação de um fotógrafo e de uma modelo e assim por diante.
Neste momento, a capacidade interpretativa dos dois atores chega a ser impressionante. Mas, a medida que a história se desenvolve Johnston se vê numa encalacrada. Como chegar ao final. A narrativa é tão boa que eu confesso passei a temer pela conclusão.

Antonioni matou o jornalista que havia assumido a personalidade do traficante, apenas porque o novo personagem era jurado de morte. Pirandello condena Pascal a viver no anonimato em uma biblioteca provinciana do Veneto. A solução de Johnston é um desastre. Moralista e absurda. Não vou contar. Mas, pensem... Não pensem nada. Vejam o filme e me contem depois.