sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Os russos


Tenho a satisfação de apresentar para vocês uma crônica maravilhosamente escrita por meu amigo e irmão, Eduardo Carvalho, meu causídico para causas pernambucanas. Sport de coração, apaixonado pelas letras. Divirtam-se. 


Stalingrado inverno de 42: a guerra perdida retomada pelo Exército Vermelho






Eduardo Romero Marques de Carvalho


Rubem Braga coordenou a composição de um belo livro de contos russos traduzidos para o português. Vivia-se a 2ª Grande Guerra, e ele foi ao front. Foi ser correspondente.
A edição “de Ouro” é simples. Uma brochura simpática, baixinha e gordinha, com grandes almas e corações agasalhados em papel jornal. Dentre os tradutores: Machado de Assis, o próprio Braga, José Lins do Rego, Joel Silveira, Aníbal Machado, João Cabral, Vinicius.
Cada qual com a sua Lisavéta, de longos cabelos negros, e diadema, olhar de esperanças, e colo generoso, dançando folk em roda cigana, próximos à fogueira, no frio crepúsculo soviético. Amor, traição, sofrimento. Angústia, vilania, decepção. O devir apontando ao nada.
Passeia-se naquelas folhas, por sentimentos universais, jomardianamente (Ah!- tem-po- ra-is).
Quê tanto fizeram os russos? De onde vêm os seus pecados, em purgatórios sem fim? Lembrei-me do livrinho enquanto descia a Ladeira da Sé, acumulando saudades do Omalá, do Beco da Fome, Picanha do Rato... Tudo, muito calmo. Tudo, muito rápido. Tudo estranhamente calmo e rápido.
“TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO”.
E, lá está a Rússia. Agora, submetida a Putin, à sua democracia-czarista, seu parlamento comportado, a grande imprensa comprometida. “Tal e qual...” Etc. Tudo Isso me trouxe aos ouvidos o canto do assum preto, em sua cega viagem da agonia. O viver de lembranças embaçadas pelo crepúsculo que se adensa. Mais e mais fracionadas, dia a dia, no cansaço de resgatá-las do passado, fazê-las eterno. Presente, ante a absoluta escuridão do futuro. Até que o tudo venha revelar a Verdade do Oco de uma passagem sem valia, mesquinha e cretina. Tudo Isso vai selando a maçaranduba, e se esvaindo, enfim.
Já pelas bandas de cá, experimentamos inaudita sequência das Noites das Panelas Silenciosas, de teflon. Outrora, patrioticamente exasperadas, histriônicas. É, mais uma vez, o tal do Mi-a- mi, OH!!, not mi-a- mi?. Eis a questão!
De longe, ouço “Bope-bepob- bebop. Eu quero ver a confusão”. E recordo de um Ariano Suassuna, mudo e perplexo, porque “...não foi à Disney, não!”. Então...me volta a Razão, trazendo a razão dessas tão enviesadas linhas. No prefácio daquela coletânea, sabendo da Stalingrado destruída, certo de que invasão de Moscou se faria em questão de tempo,

Rubem Braga encerra o seu texto assim: “Quê salva a Rússia?”.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Cosanostra a Fiorentina



Os Medici: o poder da "gente nuova" e a oposição da aristocracia fiorentina


Depois de ver os oito capítulos da primeira temporada da série Medici-Masters of Florence, escrita por Franz Spotnitz e Nicholas Mayer, sai com a absoluta convicção que os autores beberam e beberam muito no clássico de Mário Puzo, O Poderoso Chefão. Alguém dirá que é isso mesmo. Que as diferenças entre Giovanni de Medici (interpretado por Dustin Hoffmann) e Vito Corleone estão relacionadas apenas ao tempo histórico e a forma. Mas, na essência são mesmo idênticas.

Aos fatos. Ao contrário de Veneza, Gênova e Milão onde a aristocracia jamais concedeu qualquer migalha de poder, em Florença, no início do século XIV, abriu-se às margens do Arno uma avenida de oportunidades para a chamada “gente nuova”.

Do que se trata¿ Gente que veio do Interior da Toscana e da Itália, de outros países da Europa, com algum capital e que foram atraídos pela possibilidade inimaginável de produzir e comercializar produtos agrícolas, vinho e azeite principalmente, e tecido.

Foi com uma tecelagem de algodão (italiano) e lã importada da Inglaterra, que Giovanni de Medici iniciou o seu império econômico. Ganhou tanto dinheiro que abriu um banco e aumentou seu poder quando conquistou a conta bancária da Igreja Católica, e passou a suportar todos os depósitos de dízimos e impostos amealhados dos estados papais de toda a Europa.

A série começa com o envenenamento de Giovanni (cicuta líquida aspergida em suas parreiras) e a assunção de Cosimo de Medici, seu primogênito. Um rapaz sonhador, que imaginava ser artista e que queria distância dos negócios do pai, mas se tornou seu sucessor e aprimorou os métodos, digamos políticos, da condução do poder da família. Uma espécie de Michael Corleone.

O final da série, pelo ritmo da narrativa, deixa claro que a segunda temporada vai tratar daquele que elevará Florença a condição de capital do Renascimento, Lorenzo “O Magnifico”, bisneto de Giovanni, filho de Piero, o primogênito de Cosimo. E aí é de se supor que as semelhanças com a família Corleone vão desaparecer.

É curioso constatar que a reação da aristocracia florentina aos Medici, evidentemente graças ao poder político e econômico amealhado, se dissimula por uma oposição ao apoio da família a novas formas de arte. Mais precisamente a escultura do jovem Davi, feita por Donatello, que se pretendia símbolo da nova Florença. Outro ponto de reação é sobre a visão arquitetônica da perspectiva, usada nos desenhos de Bruneleschi, a soldo dos Medici, para construir a cúpula da Basílica de Santa Maria de Fiore.

Qualquer semelhança com os tempos atuais, seguramente não é mera coincidência. A série vale a pena, por seus aspectos históricos, pela curiosa comparação entre os Medici e os Corleone e pela extraordinária interpretação de Richard Madden (Cosimo) e Anabel Sholey (Contessina). Também me chamou a atenção um personagem que claramente não existiu, Marco Bello, uma espécie de Titus Pullus do Renascimento.