sábado, 11 de julho de 2015

É hora de cuidar da nossa casa comum

Este vale vai desaparecer em 12 anos: será todo preenchido com lixo orgânico


Laudato si, mi Signore (Louvado sejas, meu senhor). Com estas palavras habituais nos cânticos de São Francisco de Assis, o papa Francisco, muito apropriadamente batiza sua primeira encíclica, com o sub-título de “Sobre o cuidado da casa comum”. Trata-se da mais contundente manifestação do Vaticano sobre a questão ambiental, acima e além de questões tópicas de preservação.

Francisco numa linguagem chula meteu mesmo o dedo na ferida e nos leva a uma profunda reflexão: Ou cuidamos da nossa casa comum, ou vamos comprometê-la de tal forma que a vida neste planeta se tornará insuportável.

São vários os aspectos ambientais tratados pelo papa. Vou me ater a apenas um: a produção descabida de lixo. Há 20 anos atrás, ou quase isso, fiquei perplexo com uma foto em que apareciam montanhas e montanhas de pneus usados, aparentemente a espera que algum milagre fizesse com que desaparecessem. Na minha então ingenuidade imaginei uma produção em série de solados de sapatos, o que imagino daria para calçar toda a população da China por várias e várias gerações.

A verdade é que a sociedade moderna, cibernética e pragmática do século XXI se alicerçou toda ela no consumismo. Sem uma utopia para perseguir, a coroação dos valores individuais passou a ser a ostentação do poder econômico. E na base deste consumo, surgiu uma mudança de comportamento cruel, a do descarte.

Ainda me lembro quando o leite vinha em garrafas de vidro e exigia a apresentação de uma vazia para conseguir uma cheia. O mesmo se aplicava aos derivados, como iogurtes e coalhadas. O primeiro problema começou quando alguns laticínios ávidos pela fidelidade do consumo começaram a entregar seus produtos em vasilhames que só poderiam ser trocados por outros do mesmo produtor.

O tetra-pak só apareceu nos anos 50, com a garantia da entrega de um produto de qualidade, independente da refrigeração. Logo virou febre. Hoje, praticamente todos os derivados do leite ou são oferecidos em tetra-pak ou em embalagens plásticas. Acabou o retorno.

Com cervejas e refrigerantes aconteceu a mesma coisa. O produto traz no seu preço embutido o custo da embalagem, que evidentemente é descartada quando vazia. E ainda surgiu a embalagem de lata, prática e limpa. Não é raro encontrar pessoas admiradas ainda com uma garrafa de Coca-Cola ou de tubaína de vidro. As gôndolas de super-mercados estão sempre e invariavelmente abarrotadas de embalagens pet, produzidas de matéria plástica.

Com óleos vegetais e azeites aconteceu exatamente o contrário. Outrora oferecidos em latas, passaram a ser embalados em garrafas de vidro ou de plástico, de forma a garantir a sua pureza. Embalagens descartáveis, é claro.

O final do século XX consagrou o descartável. Embalagens e relações humanas passaram a ser lançadas ao lixo, com uma desfaçatez e uma irresponsabilidade terrível. Ninguém é responsável por nada. Se antes os problemas poderiam ser acomodados embaixo do tapete, passaram a ser lançados descaradamente em lixeiras, algumas até sofisticadas, computadorizadas, etc...

Francisco tem razão em sua encíclica quando diz que os avanços tecnológicos ainda são precários para fazer frente ao comportamento irresponsável da sociedade. A cidade de São Paulo, por exemplo, possui duas grandes usinas de triagem de lixo reciclável e avançou tremendamente na coleta seletiva. Mas, é a única na América Latina.

Recentemente ao regular decisão judicial que proibia a distribuição das famigeradas sacolinhas plásticas nos supermercados e estabelecimentos comerciais, a Prefeitura instituiu dois tipos de sacolas: uma que serviria para abrigar o lixo reciclável e outra para o lixo orgânico. Custo de cada sacola, R$ 0,08. Estabeleceu-se tremenda polêmica. Acusaram o pobre do prefeito de ser autor de uma medida impopular. Quem pagaria pelos fatídicos R$ 0,08¿ De certo não o consumidor ou o varejista. Curiosamente estes mesmos setores pagam muito mais que isso por embalagens recicláveis em seus produtos.

Papa Francisco: a grande mudança ecológica é a do ser humano

Algumas redes de supermercados e comerciantes entenderam, afinal, quais eram as intenções da Prefeitura e passaram a absorver os custos.

Por falar em custos, o prefeito costuma repetir que a Prefeitura de São Paulo gasta todos os anos a bagatela de R$ 1 bilhão em varrição de vias públicas. Atenção: não estou me referindo a varrição e limpeza de parques ou de folhas que se esparramam pelas calçadas no outono. Trata-se de lixo descartado sem nenhum pudor na via pública.

Outro dia nos deslocamos para o distante bairro de São Matheus, no número 30 mil da avenida Sapopemba, que precisa ser deslocada. No seu antigo trajeto, um vale, uma obra quase bíblica prepara um futuro aterro sanitário, que em 12 anos estará saturado de matéria orgânica. Andamos por uma curiosa montanha, toda ela ponteada por cabos e mangueiras. Uma montanha que há 10 anos não existia e que hoje, formada por detritos orgânicos, só serve para produzir gás metano. Um cenário típico de um filme de terror.


Não há carência de boas e efetivas práticas de preservação ambiental. Algumas desgraçadamente ainda muito caras. Mas, o que Francisco defende em sua encíclica é o espírito cristão  da transformação humana. Esta sim uma verdadeira transformação, capaz de salvar ou, ainda menos, de cuidar da nossa casa comum. E o primeiro passo é tão singelo....