Há exatos 11 anos eu saia da Infraero
e atravessava o Oceano Atlântico para dar minha contribuição ao esforço
eleitoral que pretendia colocar o professor Romano Prodi novamente no comando
da Itália. Foi uma aventura dramática, que culminou com a nossa vitória por uma
diferença tão insignificante, quanto pode ser a eleição de um deputado
argentino no parlamento italiano.
Um estudo patrocinado pelo Partido de
la Democracia Sinistra, o antigo PCI, nos mesmos moldes deste que foi feito
pela Fundação Perseu Abramo, agora, apontou que os jovens italianos de 18 a 35
anos não davam a mínima para o tal estado de bem-estar social. Entendiam
que a ascensão se daria unicamente pelo mérito de cada um. Luta de classe era
uma coisa perdida no tempo. Coisa de velhos comunistas.
Quando me debrucei sobre a pesquisa
qualitativa do Instituto Perseu Abramo, recém divulgada, feita com 63 eleitores
da periferia de São Paulo, que votaram no PT entre 2000 e 2012, mas não votaram
nem em Dilma (2014) nem em Haddad (2016) me invadiu a mesma sensação de
desconforto de 11 anos atrás.
Principais constatações da pesquisa:
· Não existe luta de
classes. Não há cisão entre trabalhadores e patrões. São diferentes, mas não
existe a relação clássica de exploração: todos estão no mesmo barco.
· Ninguém quer ser
tratado como “os pobres”. A ascensão social é importante no processo de
diferenciação. Com esforço individual tudo pode ser superado.
· As políticas
públicas, como quotas, podem ser consideradas como uma desvalorização
individual. Bolsa Família, Prouni, FIES são consideradas
importantes. Mas, vistas como insuficientes e falhas.
· O grande vilão dos
tempos modernos é o Estado. Não há confronto entre pobre e ricos, entre
corporações e trabalhadores. O embate é entre Estado e cidadãos, entre
sociedade e governantes.
· Todos são vítimas
do Estado, que cobra impostos excessivos, cria entraves burocráticos,
administra mal o eventual crescimento econômico e acaba por sufocar a atividade
das empresas brasileiras.
· Lula ainda é
admirado. Ele é um bom exemplo de ascensão social. De superação de
adversidades. E se equipara a Silvio Santos e João Dória.
Taí. Um prato cheio para inteligência
nacional. De tal sorte que o presidente da Fundação Perseu Abramo convidou as
fundações ligadas ao PSDB, ao PC do B e ao PSOL para debater os resultados. O
ponto de partida: os entrevistados apontaram a corrupção como o principal
problema do país e consideraram a política uma atividade suja.
Como diria aquele personagem de
Claude Rains em Casablanca, prendam os suspeitos de sempre. Ou seja: faltou um
projeto de cidadania ao governo Lula para vacinar as ascensão de mais de 30
milhões de brasileiros à sociedade de consumo; o coletivismo caiu com o Muro de
Berlim, o que vale agora é o papel do individuo. Claro, a mídia e os meios de
comunicação, a revolução digital; o bombardeio sistemático dos sindicatos
patronais na defesa de suas teses; o oportunismo contumaz das novas lideranças
sindicais laboriais; a falta de apoio dos políticos de esquerda ao
empreendedorismo.
Ou a esquerda brasileira nos seus
mais diversos matizes toma um banho de humildade e se senta em busca de uma
solução (como aliás ocorreu na Itália) ou o cenário profetizado pelo professor
Fernando Haddad, de que o Brasil vai se dividir entre as aspirações da direita
e da extrema direita, vai superar o embate eleitoral e se instalar nos corações
e nas mentes tupiniquins. Pior: quando o individualismo se sobrepõe ao
coletivismo o modelo que emerge não é liberal, é fascista.
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