quinta-feira, 6 de abril de 2017

Será o fundo do poço?

Há exatos 11 anos eu saia da Infraero e atravessava o Oceano Atlântico para dar minha contribuição ao esforço eleitoral que pretendia colocar o professor Romano Prodi novamente no comando da Itália. Foi uma aventura dramática, que culminou com a nossa vitória por uma diferença tão insignificante, quanto pode ser a eleição de um deputado argentino no parlamento italiano.


Um estudo patrocinado pelo Partido de la Democracia Sinistra, o antigo PCI, nos mesmos moldes deste que foi feito pela Fundação Perseu Abramo, agora, apontou que os jovens italianos de 18 a 35 anos não davam a mínima para o tal estado de bem-estar social.  Entendiam que a ascensão se daria unicamente pelo mérito de cada um. Luta de classe era uma coisa perdida no tempo. Coisa de velhos comunistas.

Quando me debrucei sobre a pesquisa qualitativa do Instituto Perseu Abramo, recém divulgada, feita com 63 eleitores da periferia de São Paulo, que votaram no PT entre 2000 e 2012, mas não votaram nem em Dilma (2014) nem em Haddad (2016) me invadiu a mesma sensação de desconforto de 11 anos atrás.

Principais constatações da pesquisa:

·         Não existe luta de classes. Não há cisão entre trabalhadores e patrões. São diferentes, mas não existe a relação clássica de exploração: todos estão no mesmo barco.
·         Ninguém quer ser tratado como “os pobres”. A ascensão social é importante no processo de diferenciação. Com esforço individual tudo pode ser superado.
·         As políticas públicas, como quotas, podem ser consideradas como uma desvalorização individual.   Bolsa Família, Prouni, FIES são consideradas importantes. Mas, vistas como insuficientes e falhas.
·         O grande vilão dos tempos modernos é o Estado. Não há confronto entre pobre e ricos, entre corporações e trabalhadores. O embate é entre Estado e cidadãos, entre sociedade e governantes.
·         Todos são vítimas do Estado, que cobra impostos excessivos, cria entraves burocráticos, administra mal o eventual crescimento econômico e acaba por sufocar a atividade das empresas brasileiras.
·         Lula ainda é admirado. Ele é um bom exemplo de ascensão social. De superação de adversidades. E se equipara a Silvio Santos e João Dória.

Taí. Um prato cheio para inteligência nacional. De tal sorte que o presidente da Fundação Perseu Abramo convidou as fundações ligadas ao PSDB, ao PC do B e ao PSOL para debater os resultados. O ponto de partida: os entrevistados apontaram a corrupção como o principal problema do país e consideraram a política uma atividade suja.

Como diria aquele personagem de Claude Rains em Casablanca, prendam os suspeitos de sempre. Ou seja: faltou um projeto de cidadania ao governo Lula para vacinar as ascensão de mais de 30 milhões de brasileiros à sociedade de consumo; o coletivismo caiu com o Muro de Berlim, o que vale agora é o papel do individuo. Claro, a mídia e os meios de comunicação, a revolução digital; o bombardeio sistemático dos sindicatos patronais na defesa de suas teses; o oportunismo contumaz das novas lideranças sindicais laboriais; a falta de apoio dos políticos de esquerda ao empreendedorismo.


Ou a esquerda brasileira nos seus mais diversos matizes toma um banho de humildade e se senta em busca de uma solução (como aliás ocorreu na Itália) ou o cenário profetizado pelo professor Fernando Haddad, de que o Brasil vai se dividir entre as aspirações da direita e da extrema direita, vai superar o embate eleitoral e se instalar nos corações e nas mentes tupiniquins.  Pior: quando o individualismo se sobrepõe ao coletivismo o modelo que emerge não é liberal, é fascista. 

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