terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O dia que um florentino conquistou o Atlântico


Visão do Mar de Dentro: por odne Vespúcio navegou ileso com duas caravelas
A carta de Pero Vaz de Caminha não provocou grande repercussão ao chegar na corte do endividado  D.Sebastião, chamado o Venturoso, quando deveria ter sido chamado de o perdulário. Com efeito, todas as esperanças do império naquela época estavam colocadas na expedição de Pedro Alvares Cabral, que substituíra o desacreditado Vasco da Gama, com a missão de resgatar a rota marítima para as Índias, via África do Sul. Ainda que o pretensioso almirante jamais houvesse comandado sequer um bote a remo.
Com a notável missiva cabralina, D.Sebastião conseguiu convencer um nobre de sua corte, Fernão de Logrones a financiar parte de uma nova expedição, esta sim descobridora, para conferir o achamento de Cabral. O resto do dinheiro ele conseguiu com os mesmos banqueiros florentinos para quem já devia o equivalente ao Tejo, que, por sua vez, cansados dos fracassos exigiram indicar um profissional como piloto da frota. Ninguém menos do que o navegador Américo Vespúcio.
Esta exigência provocou claro mal estar em Lisboa. Vespúcio não era bem visto pela santa madre igreja, nem pelos portugueses, ainda que tenha sido mestre na Escola de Sagres e feito a cabeça de gente importante como Colombo, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, entre outros navegadores. Ele tinha a manha de ler as estrelas, manejava com maestria o sextante e conhecia como ninguém o movimento dos ventos e das marés.
Américo Vespúcio
A nova expedição, comandada por Gonçalo Coelho, zarpou no Tejo em julho de 1503. Na calada da noite, sem nenhum alarde, sem nenhuma fanfarra.  Vespúcio ia na capitânea e orientava uma navegação segura, sem percalços. Os portugueses ficaram ainda mais irritados quando o florentino com uma maestria invejável fez a manobra diante do litoral do Senegal, escapou das calmarias que haviam vitimado Cabral e colocou a proa da frota a Oeste.
É bem provável que a frota tenha chegado ao arquipélago de Fernando de Noronha em meados de agosto daquele ano. Era a segunda expedição de Vespúcio ao Atlântico Sul.  Ao divisar a ilha maior, Vespúcio orientou a navegação para o chamado Mar de Dentro, onde poderia aproveitar um movimento extraordinário de marés. O comandante da expedição achou que o limite de sua paciência tinha chegado ao fim.  Mandou que o florentino fosse colocado a ferros em um escaler e ordenou a abordagem pelo Mar de Fora, exatamente onde hoje está o morro do Francês. A nau principal se arrebentou nos corais, onde hoje existe o Buraco da Raquel, perto do Museu dos Tubarões.
Os marujos portugueses conseguiram, com muita dificuldade, reverter a navegação e evitar um desastre maior. O comandante pereceu junto com seu navio, no que pode ser considerado o primeiro naufrágio da história do arquipélago. Resgataram Vespúcio com um enorme pedido de desculpas e lhe entregaram o comando da expedição.
O florentino comandou as duas naves pelo Mar de Dentro e ancorou ao largo de onde hoje funciona o pequeno atracadouro da ilha maior. Ficaram pouco. Não havia água, nem alimentos. Fizeram alguns reparos nos navios e zarparam para o continente.
Vespúcio batizou o arquipélago de São Lourenço. Mas, em Portugal, o arquipélago ganhou o nome de Fernão de Logrones, mais tarde com a deformação da língua, Fernando de Noronha. Foi nesta expedição que o florentino chegou a Calhetas, em Pernambuco, descobriu a foz do rio São Francisco e reencontrou a Baía de Todos os Santos, na Bahia.
D. Manuel, o perdulário, jamais pagou a dívida aos banqueiros florentinos. Cabral fracassou em retomar a rota das Índias. Vasco da Gama foi perdoado e também fracassou na quarta expedição e morreu enlouquecido em Madagascar. Vespúcio emprestou seu nome a este novo continente descoberto por Colombo e o Brasil passou a ter um arquipélago oceânico, que já serviu até de prisão política. Mas, que certamente é muito parecido com o Paraíso que os navegadores acreditavam ter encontrado na República Dominicana.
O próprio Vespúcio em sua Lettera (Carta) descreve o arquipélago como o paraíso na terra. Em tempos de inquisição e de contas impagáveis, a exclamação do florentino não caiu muito bem em Lisboa. 

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