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Dificil sair enlevado do teatro: seqüência final de Salomé é impressionante |
O que levou Oscar Wilde, o
polêmico escritor irlandês a abordar a trama bíblica de Salomé, a filha de
Herodes Filipe e Herodíades, desejada pelo tio Herodes Antipas, que já havia se
amaziado com a cunhada? Certamente não foi a menina mimada e poderosa, que
habitava uma corte promíscua, e que ciente de seus poderes sedutores arrancou
do tio, completamente seduzido e embriagado, a promessa de lhe entregar o que
quisesse, até metade do seu reino, em troca de uma dança.
É pouco provável que Wilde
também tenha se fascinado pelo poder profético de João Batista ou Iokanaan,
primo de Jesus Nazareno, que anunciava a chegada do Messias, tão esperado pelos
judeus. E sua influência assustadora sobre o rei Herodes, que o temia por
julga-lo um homem tocado por Deus.
Mas, foi tudo isso que ele
usou para mostrar que os desígnios da humanidade as vezes são tão simples e
irreais que podem mudar os destinos do mundo. Uma menina mimada e desejada, uma
corte promíscua e corrupta, um rei priápico e bajulador e lá se foi a cabeça do
profeta.
Não é uma peça teatral que
enleve a audiência e deixe o público extasiado com os personagens. Ao
contrário. É pesada. Grave. Desconfortável.
O que dizer então da ópera
de Richard Strauss, composta em 1905?
O compositor alemão inclui
um elemento que a obra de Wilde não tem: a música. Os personagens não recitam,
cantam.
É bem verdade que não se
sai de Salomé, de Richard Strauss, como se sai da Traviata. Como diria minha
filha Nina, é pesado.
Mas, não há como não
ressalvar o trabalho do compositor. A sua coragem e o seu arrojo, numa
composição de 110 minutos contínuos de música, sem um único compasso de silêncio,
uma multiplicidade de ritmos impressionante, uma orquestração arrojadíssima e a
exigência absurda dos cantores. Isso para não falar de um quinteto, dos rabinos
a respeito do profeta Elias e de sua proximidade com Deus, todo calcado em um
acorde dissonante.
A montagem atualmente em
cartaz no Theatro Municipal de São Paulo é um desafio impressionante. A direção
cênica da competente Livia Sabag nos leva ao deserto e ao teto do Palácio de
Herodes e repassa toda a aridez inerente ao cenário da tragédia. A direção
musical de John Neschling e a performance da Orquestra Sinfônica Municipal
chega a ser absurda, tal o grau de perfeição. Madeiras, trompas, trompetes, trombones
perfeitos. Quinteto de cordas mágico e incisivo. Condução inquietante e
provocante.
Nadja Michael está perfeita como Salomé, papel
aliás que ela já interpretou nos principais teatros do mundo, incluindo o
Metropolitan Opera House, a Royal Opera House e o La Scala. Sensual,
provocante, ela consegue cantar, dançar e interpretar. Peter Bronder faz um
Herodes descarado em um primeiro momento e apavorado depois. Iris Vermillion
faz uma Herodíades cínica. E Mark Steven Doss faz um profeta enlouquecido.
De todas as montagens feitas pela gestão Neschling
não dá para dizer que esta foi a mais entusiasmante. É difícil dizer isso, com
uma soprano que se esparrama com uma cabeça ensanguentada pelo palco. Mas, certamente
foi a mais perfeita. A música de Strauss ficou certamente martelando na cabeça
das pessoas e as imagens fortes ficaram vivas em suas lembranças. E isso
certamente foi a intenção de Wilder e Strauss.