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Montagem de Meireles para Bizet: um desafio bem resolvido |
Caro amigo Fernando
Meirelles, seja bem-vindo ao mundo da ópera.
Nesta altura do campeonato
você já deve ter percebido que a linguagem operística é uma evolução da
linguagem teatral. Para quem admitiu que só conhecia uma meia dúzia de árias,
até que você foi bem demais.
É verdade que você
enfrentou um desafio e tanto. Esta Pescadores de Pérolas, de Georges Bizet, não
é uma obra qualquer. Composta ainda na
fase de maturação do compositor, que mais tarde se tornaria famoso pela Carmem,
ela confronta claramente o modelo francês da segunda metade do século XIX. Não
tem balé, não tem trios, quartetos ou quintetos. Tem muito coro, muita música,
muito exotismo.
Duas ou três árias do trio
de personagens centrais: Leila, Nadir e Zurga. Dois duetos, um masculino (Nadir
e Zurga) e outro de amor (Leila e Nadir).
Os franceses do século XIX
sempre apelaram para o exotismo. Meyerbeer, Massenet, Gounod, Saint Saens e Delibes entre outros adoravam os
grandes balés e os cenários exóticos, da Índia, do Ceilão e até de Madagascar.
Bizet flertou com o perigo em sua primeira ópera ao aceitar musicar o libreto
de Michel Carré e de Eugene Cormon, que trata de um triângulo amoroso em meio a
uma comunidade brahmani de pescadores de pérolas do Sri Lanka. Apelou para os coros
e para muita, mas muita música.
E aí, amigo, dá para
entender que você sentiu falta de um coral lírico mais preparado, de uma
orquestra mais refinada e de um regente mais aplicado.
Por outro lado, você
contou com um trio maravilhoso de cantores: Fernando Portari é de longe o
melhor tenor brasileiro da atualidade, Camila Titinger é uma de nossas melhores
promessas e Leonardo Neiva fez um Zurga primoroso. Verônica Julian teve o
mérito de fazer figurinos desojados, como convém a pescadores. Tenho certeza
que você também encontrou respaldo no trabalho de Gilberto Chaves e de Mauro
Wrona.
Foi uma grande noite a da
estréia. E aqui vale fazer uma referência ao Teatro da Paz, de Belém. Foi construído
em 1870, quando nem a Capital, Rio, nem São Paulo possuíam teatros deste porte.
Era a época da borracha, dinheiro não faltava. Por alguma razão, quando voltou
da Itália, consagrado como um dos maiores compositores do verismo, Carlos Gomes
foi exilado na capital da Província do Grão Pará.
A borracha minguou e o
Teatro da Paz, que ganhou este nome para comemorar o fim da Guerra do Paraguai,
caiu no mais absoluto ostracismo. Ressurgiu agora.
Fernando não recuse novos
desafios como este. O mundo da ópera precisa de talentos como o seu. Seria
ótimo que diretores brasileiros de cinema e de teatro criassem coragem para
montar óperas no Brasil.