terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Uma reflexão natalina




O nascimento de Jesus: o ano zero do mundo ocidental





É Natal!

Certa vez escrevi uma frase bastante polêmica, que me valeu uma gloriosa rejeição de toda a família: se dependesse de mim, revogaria o Natal, o Revellion e o Carnaval.

Claro que não me referia à celebração da efeméride do aniversário de Jesus de Nazareth, de longe o mais polêmico, insinuante e ousado ser humano que colocou os pés neste planeta.

Para se ter uma idéia do poder desta criatura, tirante os dogmas etc e tal, ele veio ao mundo num pedaço de terra ocupado por um exército estrangeiro, dividido pela incompetência e pela corrupção de um governo dividido entre o fundamentalismo e, digamos o Herodes way of live, jamais escreveu uma linha sequer, não tinha internet, televisão, rádio ou sistema de amplificação de som. Ainda assim provocou um racha tão grande no pensamento dominante, que o nascimento dele marca o ano zero do mundo ocidental.

Gosto de ver o cristianismo pela ótica histórica: a oficina de marcenaria em Nazareth, a caminhada, a simplicidade de seus seguidores e a pregação meridiana. Depois o cisma com o judaísmo, patrocinado e elaborado sobretudo por Paulo, o surgimento da Santa Madre e em seu nome as barbaridades que se perpetraram.

Mais uma vez, o poder de Jesus é impressionante. A Igreja erigida em seu nome ungiu tiranos, patrocinou massacres, dizimou civilizações, apoiou a escravidão do homem pelo homem, perseguiu a ciência e o conhecimento, demonizou o progresso e a evolução. Mas, nada disso colou no homem de Nazareth, afinal o que a história mostra são as atrocidades feitas em seu nome, por homens comuns. Não por ele.

Jesus não teria se mantido vivo, não fosse a Igreja que surgiu como guardiã de seus ensinamentos. E esta Igreja não teria se mantido com poder e influência sobre 40% da humanidade, não tivessem seus integrantes, digamos, manipulado estes cânones de acordo com seus interesses, nem sempre diga-se, cristãos ao pé da letra.

Antes de Jesus, outro profeta, Moisés, precisou de um código rigorosíssimo para conduzir os judeus por 40 anos no deserto. Seria interessante ouvir a opinião do Príncipe do Egito sobre a sua Canaã, hoje transformada na Faixa de Gaza.

Aqui tem outra digressão curiosa. Árabes e judeus, todos descendentes de Abrahão, sempre se deram as mil maravilhas, até 1948, com o surgimento do Estado de Israel. Os cristãos por sua vez passaram dois mil anos perseguindo os judeus a quem chamam de deocidas e aos árabes a quem acusam de usurpar a Terra Santa.

Nem Moisés, nem Jesus, têm nada a ver com isso. Embora o código do primeiro tenha servido para a acusação que culminou no martírio do segundo.

A Santa Madre precisou de 1.960 anos para definir a opção preferencial pelos pobres. E mais algumas décadas para fazer uma auto-crítica sobre as barbaridades que perpetrou na história da humanidade.

Outro dia, acompanhei o prefeito Fernando Haddad a um almoço no SBT. Fomos recebidos com notável simpatia por Guilherme Stoliar e pela herdeira Patrícia. Sempre tive simpatia por Silvio Santos. O menino judeu pobre, que aproveitou o timbre da sua voz para conseguir um emprego de locutor nas balsas de Niterói. Depois camelo em São Paulo. Radialista e inventor do genial Baú da Felicidade, fonte e origem de toda a sua fortuna.

Haddad perguntou a Patrícia como ela tratava a questão religiosa na família. Filha que é de pai judeu e mãe evangélica. Humilde e serena a menina não perdeu a simpatia e saiu-se com essa:

- Nós praticamos o judaísmo messiânico.

Na essência, como diz o meu irmão Luiz Massonetto, trata-se do cristianismo. Mas, na prática, como o Brasil é a terra do sincretismo e da tolerância aos dogmas, acho que deve ser mesmo algo como um cristão que não come presunto.

Jesus como se sabe era judeu. Ao se revelar como filho de Deus, deu o pretexto para Caifás condená-lo por heresia e levá-lo à cruz. Mas, ao que se saiba, nunca degustou carne de porco.

Feliz natal para todos!               

domingo, 16 de dezembro de 2012

Os fantasmas de São Paulo



Pátio do Colégio: sementes de dois padres jesuítas





Uma amiga querida, muito querida, costumava me dizer sempre que São Paulo sentia a minha falta. Notório exagero muito mais atribuído à amizade e a saudade do que a verdade.

A minha volta a São Paulo, não posso esconder, me encheu de orgulho e de satisfação. Principalmente pelo fato de integrar a equipe do novo prefeito, este Arthur genial, que tirou Excalibur da pedra, e reuniu em torno de uma mesa redonda os cavaleiros de boa vontade decididos a salvar o Reino.

Otimismo e orgulho à parte, reencontrei um cenário de pesadelo. Aliás, recorrente. Sempre me vejo a caminhar em uma cidade em escombros, verdadeiro túmulo urbano, com prédios abandonados e pessoas vivendo e se alimentando da decadência. O que me aturdiu nestes primeiros dias foi o silêncio. O mais ensurdecedor silêncio que eu já vi.

Da minha janela no prédio da Caixa Econômica Federal na praça da Sé posso divisar toda a rua Direita. Incrível. As pessoas, poucas, andam de um lado para outro, na maioria das vezes aparentemente sem um destino fixo, em profundo silêncio. Nem o velho camelo com voz rouca que bradava todo o tempo:

- Barbeador americano. Lâmina Chic.

Sai para uma volta solitária, em um final de tarde quente, como tem sido todos estes finais de tarde. O charme e a pujança da antiga City Paulistana não existem mais. Alguns fantasmas me acorreram. Aqueles senhores de gravata borboleta na Casa Beethoven, no largo da Misericórdia, os quase artesãos da rua do Comércio, que em pequenos locais consertavam brinquedos, isqueiros, cachimbos ou canetas tinteiro, tipo Parker 24. Aquele pessoal de avental branco, que trabalhava na farmácia Viado D’Ouro ou na Casa Fretin. A estátua abandonada do patriarca, com ar de perplexidade, ou a tristeza de Giuseppe Verdi, ainda e sempre inspirado por um anjo a soar a lira da criação.

Todos estes doces fantasmas me receberam com carinho. Até a voz do pregador, sob uma caixa de madeira, a anunciar o apocalipse, parecia fora de sintonia.

São Paulo, esta Avalon adormecida, pode começar a se espreguiçar. Levanta e ocupa o teu papel de metrópole pulsante. De cidade líder em um continente que emerge. Rompe com os grilhões dos guetos. Enche os teus filhos de orgulho. Respira e assume o papel de Meca do ainda Novo Mundo.