Eu tinha seis anos quando
assisti a minha primeira ópera, estava com minha mãe, meu pai, meu bisavô, que
na verdade era o segundo esposo da minha bisavó, a dona Ana, também presente.
Foi uma matine no Municipal, e de lá das galerias, eu entendi as peripécias do
duque de Mantua, do bufão Rigoletto e de sua filha assanhada Gilda.
Meu primeiro contato com a
música de Giuseppe Verdi. E, consequentemente, brotou no meu coração de menino
uma paixão avassaladora. Bela figlia del
amore, o célebre octeto, a ária Cortigiani
vil raza danata. Como alguém podia expressar com tanto vigor pela música o
sentimento de personagens teatrais.
Sábado passado, 56 anos
depois, meu dileto amigo e mestre John Neschling me transportou para o colo
quente da minha mãe, o olhar carinhoso do meu pai e os sorrisos cúmplices de
meus bisavós, ao ler de uma forma que eu jamais havia visto uma partitura de
Verdi: desta vez a ópera subsequente ao Rigoletto,
a trágica e dramática, Il Trovatore.
Mais do que a performance
excepcional dos cantores, todos muito bem diga-se, mais do que a montagem de
cena vertical impressionante, o que sobressaiu, mesmo, foi a música.
Foi uma noite memorável em
que o maestro Neschling, mais uma vez, fez muita música. Boa música. Um Verdi
limpo, claro, cristalino, com o destaque perfeito no solo dos instrumentos, com
o vigor imprescindível nos acordes e nos tuttis. E com uma clareza rara no
contraste dos andamentos, marca registrada do compositor.
Costuma-se dizer que as
principais óperas de Verdi são: Rigoletto,
Traviata, Aída, Othelo e Falstaff. Tá legal! Nem vou entrar nesta discussão
idiota. Afinal sempre tive uma quase veneração pelo Trovador, que para alguns representa o adeus de Verdi ao bel-canto,
a escola de Donizetti e Rossini.
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Stuart Neill e Suzanne Branchini em Il Trovatore: montagem perfeita |
Acho que as óperas de Verdi conversam muito com o momento do compositor, com suas longas ondas de humor. Un Ballo in Maschera, Simon Boccanegra, I Vespri Siciliani, D.Carlos, etc... Merecem um catálogo histórico, mas ranqueá-las se não for inútil é absurdo.
Este Trovador que Neschling leva no Theatro Municipal de São Paulo, e
que serviu para abrir a temporada lírica de 2014, com récitas ainda nos dias
11, 13,15,16,18, 20 e 22, é sem dúvida uma das mais perfeitas performances já
vistas naquele palco. A direção cênica de Andrea de Rosa é bastante arrojada. A
participação dos cantores espetacular. Na estréia, Marianne Cornetti, a mezzo
soprano norte-americana, que interpreta a cigana Azucena, impressionou não só
pela voz, mas pela forma como dominou a cena. O também americano tenor Stuart
Neill e o barítono Alberto Gazale e a soprano Susanna Branchini, ambos
italianos, estiveram muito bem.
Il
Trovatore está inserida entre Rigoletto e La Traviata.
Verdi a escreveu aos 40 anos, quando sorvia o sucesso de sua carreira de
compositor. O libreto, adaptado da peça El
Trovador de Antonio Garcia Gutierrez, foi escrito por Salvatore Cammarano,
que faleceu um ano antes da estreia no Teatro Apolo de Roma, em 1853.
A despeito da dificuldade
cênica e de passagens dificílimas na partitura, é uma das obras mais executadas
de Verdi. Exige brutal intervenção do coro e aqui o maestro Bruno Greco Facio
mostrou o que um trabalho sereno e profissional é capaz de provocar. Desafio
alguém que viu me dizer que não se arrepiou com a sua participação.