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Exultate! - Ária de entrada em cena do Otello: cena espacial no lugar de Chipre |
Bem que o maestro Neschling
tinha me avisado: “Você não vai gostar!”
Eu bem que tentei. Pelo
menos até o segundo ato, fiquei na dúvida se gostava ou não. No terceiro ato,
abstrai a cena e me deleitei com a obra prima de Verdi e de Boito. Melhor me
conformar com a minha incapacidade.
Longe de mim, entretanto,
detonar o trabalho que Giancarlo del Monaco criou. A idéia de que a perfídia, a
inveja e a intriga são universais e podem caber no espaço sideral não tem nada
de maluco. E se há alguma coisa que pode ser transportado para qualquer época e
qualquer lugar é a história do general mouro, que, ensandecido de ciúmes, destruiu
o seu mundo todo.
Não quero fazer o
reacionário. Melhor que cada um tire as suas próprias conclusões.
Ao que interessa: John
Neschling cada vez mais mostra o seu enorme talento quando se debruça sobre uma
partitura de Giuseppe Verdi. É impressionante como ele se identifica com os
maneirismos do pentagrama, os ritmos marcantes, os efeitos orquestrais e as
melodias tão características do maestro italiano.
Assim desde o primeiro
ataque (aliás que ataque!) do coro inicial da ópera ficou patente que não se
tratava de uma execução qualquer. Bruno Faccio, como de hábito, trabalhou
bastante com o coro e as manobras ousadas do mouro sobre o tombadilho da nave
em meio a uma tremenda tempestade foram retratadas com eficiência e emoção. Quando
Gregory Kunde entrou no palco e entoou o Exultate confesso que me percorreu um
certo frio na espinha.
Kunde vai fazer o mouro em
julho no La Scala de Milão. Aqui em São Paulo mostrou o brilho de sua voz, o
domínio das notas e a capacidade de
mesclar a ligeireza com o heroísmo. Otello é sem dúvida um dos papéis mais difíceis
do verismo e já derrubou grandes tenores. Não é o caso. O tenor americano
passeia com naturalidade sobre a partitura.
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Rodrigo Esteves: perfeito como o Iago que "enrola" Otello |
O ponto alto desta
produção paulistana, sem dúvida, é o barítono Rodrigo Esteves, que interpreta
um Iago impressionante.
Uma palavrinha sobre este
vilão. O bardo certamente colocou neste personagem todos os pecados humanos,
além de uma capacidade notável de articular um desastre. Boito, ao criar o
libreto, acrescentou um caráter demoníaco, quase um Mefistófeles. E Verdi
acompanhou o seu libretista. É impressionante como o barítono é premiado com
uma participação expressiva.
Rodrigo Esteves
simplesmente brilha. Suas notas graves são perfeitas e ele impõe uma
mordacidade atordoante ao personagem.
O final do segundo ato,
com o dueto entre Otello (Kunde) e Iago (Esteves) está certamente entre os
pontos mais altos da ópera toda. Acrescente-se a isso uma performance perfeita
da orquestra e a capacidade notável de Neschling de não encobrir a voz dos
cantores.
Uma palavra sobre a
soprano croata Lana Kos: soberba. Sua Ave Maria foi de uma expressividade e de
uma delicadeza ímpares.
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Lana Kos: voz cristalina, profunda, uma Desdemona convincente |
Independente da montagem ,
goste ou não goste de Matrix, Flash Gordon ou Star Wars, o Otello de
Verdi/Boito é de muita música. De melodias extraordinárias, de uma
dramaticidade intensa. Vale a pena ser vista.
Aliás, para quem não
encontrar ingressos no Theatro Municipal, no dia 24, a ópera será transmitida
para um cinema dos Shopping Iguatemi, de São Paulo e Brasília e São Paulo e um
Cinemark, do Rio. O serviço desta transmissão será divulgado pela Prefeitura de
São Paulo. Consta que eles trabalham direitinho.