segunda-feira, 2 de março de 2015

A importância de amolar as facas


Piscina do Sheraton Tel Aviv: Isaac  fez um grande carneiro, nem tão grande assim  




Odeio escrever sobre meus amigos que se vão.

Deste querido amigo, que me deixa saudades, e um gosto amargo na boca, nem se fale.

Nosso querido Isaac Corcias nos deixou.

Com ele, uma série de receitas e de improvisações gastronômicas espetaculares. Coisa de um judeu sefardi, nascido no Marrocos, que aprendeu desde criança a lidar com as especiarias e os temperos e que fez fama no bar da piscina do Sheraton Hotel de Telaviv.

Conta o Isaac que preocupado em  garantir o seu emprego como chefe do bar daquele prestigiado hotel em Israel, desenvolveu um carneiro assado, cujo perfume abria o apetite de qualquer mortal. O sucesso foi imediato, com exceção de um de seus assistentes, um jovem palestino que sentenciava implacavelmente: “Está muito bom. Mas, o do meu pai é melhor”.

Um dia, revoltado com a sentença do palestino, pela enésima vez. Isaac avisou que se o carneiro paterno era tão bom, ele fazia questão de experimentar.

No início de uma noite, saíram os dois em direção aos acampamentos palestinos. Tomaram um ônibus, venceram todas as barreiras militares, até que chegaram. Isaac foi colocado em um quarto e como estava cansado, dormiu a sono solto.

Acordou no meio da madrugada com o som de facas sendo afiadas. Olhou pela fresta da porta e viu que vários punhais, facas e facões eram amolados até adquirir um fio perfeito.  Estaria prisioneiro dos palestinos e seria descarnado vivo. Começou a lembrar que seu nome é Isaac, portanto primogênito, como o de Abrahão, patriarca tanto de árabes como de judeus. Chegou a ouvir o riso de Agar, quando já se encaminhava para o cadafalso.


Quando o cutelo subiu por sobre a sua cabeça, Isaac  abriu os olhos. Estava dormindo. Seu assistente palestino o acordava com um sorriso no rosto e o perfume do carneiro assado. O pai com uma habilidade impar fatiava o animal que girava e girava em um braseiro ávido. “Acho que nunca comi um carneiro tão bom”, costumava dizer o bom Isaac. “Pena que o velho não me deu a receita do tempero. Só me falou da importância de amolar as facas”.  

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