domingo, 22 de fevereiro de 2015

Relatos Selvagens (Versão paulistana II)


Carandiru: cenário de uma partida de futebol de várzea



Nesta semana encontrei dois velhos amigos para uma pizzeta na Moóca. Um deles, meu paisano Ciro, não via há mais de 30 anos. O outro, Zé Carlos, tem sido mais presente. Nós três tínhamos em comum na nossa adolescência a paixão pelo futebol, que praticávamos indistintamente nos finais de semana, pelas quadras e pelos campos da várzea e durante a semana em peladas fenomenais ou na tranquila rua dos Bancários ou na Leocádia Cintra mesmo.

Uma das histórias que relembramos, foi quando o Valtão, mais velho que nós, professor de educação física da rede estadual, e que era sempre o portador das novidades, veio com um desafio curioso. Enfrentar uma equipe formada por detentos, evidentemente, dentro dos muros do Carandiru.

Sequer cogitamos do perigo. Fomos atrás do sebo bovino para passar nas chuteiras e deixa-las bem macias. Passamos a semana em planejamento de jogadas.

No dia aprazado, um sábado pela manhã. Todos nós fomos identificados na portaria do presídio e encaminhados a um vestiário, bem arrumado, com chuveiros, armários, etc...

Quando saímos a campo, nossos adversários já tocavam a bola. A audiência, em sua maioria, estava pendurada nas janelas gradeadas do pavilhão. O campo era de areia, mas dura, nada demais para quem conseguia controlar o balão no paralelepípedo.

O jogo transcorreu mais ou menos como imaginávamos e como planejamos a semana toda. Nós evitávamos os contatos físicos. No máximo dois toques na bola. A exceção era nosso ponta-direita, justamente o Zé Carlos, que aprecia endiabrado: era bola no meio das pernas, drible da vaca, cortes fenomenais que deixavam os zagueiros adversários no chão.

Estava tão endiabrado que quando o juiz apitou o fim do primeiro tempo, vencíamos por inimagináveis dois a zero, dois gols e dezenas de jogadas dele. Caminhávamos para o vestiário quando o Zé Carlos ouviu um burburinho vindo das paredes. “Se não matar este 7, nós vamos perder o jogo. Este cara não pode sair vivo daqui”.

Time de várzea tem onze camisas. O substituto entra sempre em campo com a camisa suada do titular. Zé Carlos chegou no vestiário passando mal. Não disse uma palavra, mas garantiu que não tinha condições de voltar a campo.
Manuel Francisco entrou no seu lugar.


Ao final do jogo, perdemos por 3 a 2. Manuel Francisco sem saber a razão, apanhou para valer. Ficou meses manquitolando, com as costelas doloridas e o olho inchado. Nunca soube por que.

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